Em menos de dois dias, o biólogo Romilson Silva Lopes Júnior, 46, fotografou 45 espécies de borboletas em três trilhas na Reserva Natural Serra das Almas (RNSA), em Crateús, município cearense situado nos sertões dos Inhamuns. A abundância de insetos da ordem dos lepidópteros é parte da biodiversidade ainda não inventariada na maior Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Ceará.
Romilson Lopes, também professor do curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Uninta, em Sobral, mensura que 45 registros são uma "quantidade expressiva" para tão pouco tempo de uma ida a campo.
Na verdade, entre 6 e 7 de agosto de 2022 - datas dos registros —, o biólogo e outros convidados da Associação Caatinga e da ONG Vem Passarinhar, se embrenharam em parte dos 6.285 hectares da Reserva para observar aves. Porém, no meio do caminho havia muita flor e uma movimentação avoante de borboletas.
O local é uma exceção no meio de uma região onde menos chove no Semiárido cearense. Ao redor da floresta protegida é regra a prática de queimadas e desmatamento. A RNSA, explica Romilson Lopes, possui um mapa com uma Caatinga preservada - o que contribui na permanência de habitats para várias espécies de fauna e flora. Entre as colônias bem-sucedidas de seres vivos estão as das borboletas.
Ter avistado e fotografado a incomum Phocides polybius chamou a atenção de Romilson Lopes. "Não se trata de uma nova espécie, no caso pensei que seria um novo registro para o Ceará. Depois, vi que tem um flagrante para a região de Fortaleza. Mesmo assim é muito importante porque vamos entender melhor a área de ocorrência dessa borboleta", afirma o também coordenador do Biotério do Centro Universitário da Uninta.
A Phocides polybius é um ser alado azulada com rajadas brancas nas asas e pontinhos vermelhos e alaranjados na cabeça e asas. A borboleta é também conhecida, popularmente, por "ponto sangrento" ou "capitão de goiaba". É um lepidóptero da família Hesperiidae, oriunda das Américas. Ela ocorre também no baixo vale do Rio Grande, no sul do Texas, nos Estados Unidos, em parte da América Central (México) e na Argentina.
Além da Phocides polybius, Romilson Lopes destaca a presença da Paulogramma pygas e Lasaia agesilas nas matas da Serra das Almas. A Paulogramma é uma borboleta de visual curioso por causa do "grafismo" que apresenta nas asas. O desenho dá a impressão de formar o número 8 ou 80. Ela foi descrita pelo cientista francês Jean Baptiste Godart em 1824, depois da coleta de um exemplar na Bahia.
A Lasaia agesilas, outra espécie fotografada na Serra da Almas, atrai os olhares dos observadores e de cientistas por causa da cor bonita em tons de azul. É conhecida por "safira cintilante" e ocorre também na Amazônia brasileira e em alguns países da América Central e no norte da América do Sul.
Mestre em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Romilson Lopes estima que no Estado existam pelo menos 500 espécies de borboletas. "Grande parte dessa diversidade, em termos gerais, ainda é pouco conhecida. Quanto mais pessoas ou grupos se dedicarem à observação e ao estudo sistematizado dos Lepidópteros, mais conhecimento teremos sobre o comportamento e interações com outros seres vivos", afirma o biólogo que já fotografou 200 espécies em território cearense.
Outro ponto fundamental em relação a se registrar e estudar as borboletas está relacionado aos impactos ambientais que os ecossistemas naturais vêm sofrendo nos últimos anos. Romilson Lopes bate na tecla que é importante "conhecer a composição de espécies das borboletas nos ambientes naturais antes que sejam destruídos. Infelizmente essa é a situação atual. Com os registros e estudos é possível criar uma memória do que existia em um determinado habitat antes dele sofrer com a ação humana e pensar políticas públicas para o uso sustentável".
Informalmente, a Associação Caatinga e Romilson Lopes iniciaram uma conversa para a realização do "1º Vem Borboletear" na Reserva Serra das Almas. O projeto aconteceria em paralelo ao "Vem Passarinhar", evento de observação de pássaros que ocorre no Parque do Cocó, com edições especiais na Serra das Almas.
A observação de borboletas, "Butterfly watching", é uma atividade bem antiga em outros países e vem crescendo no Brasil. "Promover um evento com a temática é viável e diferente. Deveríamos amadurecer a ideia, seria o primeiro evento do tipo no Ceará e estaria entre os primeiros do Brasil", projeta o biólogo.
O biólogo Gilson Miranda, coordenador de conservação da Reserva Natural Serra das Almas (RNSA), afirma que a falta de mais financiamentos públicos e particulares para pesquisa dificulta investigações científicas mais abrangentes e contínuas nos 6.285 hectares de mata branca tutorados pela Associação Caatinga. "Temos levantamentos sobre a flora, dos mamíferos e das aves. As demais, ainda não temos estudos. Precisamos bastante do auxílio da academia para fazer isso".
Há estudos específicos na RNSA, detalha Gilson Miranda. "São pontuais". Pesquisas direcionadas para algumas espécies, a exemplo de lagartos ou de carrapatos. Ou uma focada em morcegos e que faz parte de levantamento que cientistas estão fazendo sobre os mamíferos da segunda maior Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Nordeste.
Gilson Miranda observa que há um esforço da Associação Caatinga no incentivo à pesquisa científica quando a instituição mantém a floresta em pé e potente. "A Reserva completou 22 anos de fundação (8/9/2022). Uma área preservada, intocada, bem cuidada. Há pesquisas já de muito tempo, mais de 16 anos, a exemplo da investigação da professora Francisca Soares Araújo (UFC) com a flora", afirma.
Uma das vantagens de se investigar na Reserva, explica Gilson Miranda, é que "tudo que você vai iniciar pesquisando na unidade, você tem a garantia de comprovação de preservação daquele local. O lugar continuará ali e há a oportunidade de aprofundamento dos estudos para preencher lacunas científicas".
Para o coordenador da Reserva, é importante o inventário não somente de borboletas e mariposas. Dados de todas as espécies da fauna e da flora apontam qual é o funcionamento do bioma e como se mantém em seus ciclos naturais e o que necessita.
"Por exemplo, quando se fala da necessidade de reflorestamento, a gente tem de incluir inúmeros aspectos que existam dentro de uma floresta. Quando você fala em reflorestamento, você está tentado dar condições para que uma área volte a ser floresta com os serviços socioambientais funcionando como um todo", pontua Gilson Miranda.
Então, reforça o gestor da RNSA, as borboletas tanto como os outros insetos são partes essenciais para que continuem os ciclos de serviços ecossistêmicos. "Nós temos borboletas, mariposas, vespas que são importantíssimas para a polinização das plantas. São alimentos para algumas espécies de aves. É super-importante ter informações sobre esses animais. É um universo muito grande, a Caatinga ainda é pouco estudada, há poucas pesquisas sobre o bioma. Um bioma exclusivo e muitos animais que se adaptaram ao longo dos anos".
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Por Sheila Patrícia Carvalho Fernandes *
Para o Ceará não existem muitos estudos com borboletas e mariposas. As primeiras listas de espécies de lepidópteros para o Estado são do natualista Dias da Rocha, do início do século XX, a partir de 1908. A última lista publicada por Dias da Rocha, em 1954, catalogou 150 espécies de lepidópteros.
Ainda podemos pontuar aqui o trabalho de Américo Gomes da Silva que, em 1967, compilou os dados de lepidópteros e publicou uma lista de 176 espécies para o Estado. O trabalho mais recente foi uma tese de doutorado defendida na USP pela bióloga Talitha Costa, que fez um levantamento de esfingídeos na Chapada do Araripe. Ela encontrou 37 espécies de mariposas, das quais nove eram novos registros para o Ceará.
Na coleção entomológica do Museu de História Natural do Ceará Prof. Dias da Rocha (MHNCE-Uece) estão depositados 574 espécimes de lepidópteros pertencentes a 13 famílias e, até o momento, 75 espécies identificadas. Levando em consideração os indivíduos depositados na coleção, esse número de espécies é bem maior, só aguardando a visita de especialistas para estudar esse material.
As borboletas e mariposas da coleção do MHNCE/Uece são oriundas principalmente de municípios da Serra de Baturité, tais como: Pacoti, Mulungu, Guaramiranga e Aratuba, sendo grande parte dela doada pelo naturalista da região Roberto Otoch.
O MHNCE/Uece desenvolve pesquisas em parceria com o Museu Nacional-UFRJ e auxilia na reconstrução do acervo entomológico dessa instituição. Por isso em dezembro de 2021 pesquisadores vieram em expedição científica à Serra de Baturité e realizaram coletas em Pacoti e Guaramiranga. Dentre estes, estava a dra. Thamara Zacca, especialista em lepidópteros, que coletou vários exemplares principalmente de micromariposas, o que contribuirá no futuro com o conhecimento desse grupo para o Ceará.
Atualmente não existem registradas para o Ceará espécies vulneráveis ou ameaçadas de extinção. Porém isso provavelmente reflita apenas a realidade da carência de estudos no Estado, principalmente em áreas de Caatinga, que ainda é um dos ecossistemas brasileiros menos estudados. Isso acarreta uma elevada perda da diversidade sem ao menos chegarmos a conhecê-la e registrá-la. Espécies de lepidópteros provenientes de área de Caatinga representam uma das maiores lacunas em coleções brasileiras, sendo a coleção entomológica do MHNCE uma importante iniciativa para depósito, preservação e conservação dessas espécies.
Como resultados do Programa de Pesquisa em Biodiversidade PPBIO Semiárido, foram registradas 389 espécies de borboletas em 11 localidades amostradas no programa. A maioria dessas espécies foi coletada na Bahia. Para o Ceará a área investigada foi o Parque Nacional de Ubajara, onde foram registradas 106 espécies de borboletas.
* Sheila Patrícia Carvalho Fernandes, 37 anos, bióloga pela UFPE, mestrado em Entomologia pelo Inpa e doutorado em Zoologia pelo Museu Nacional-UFRJ. Atualmente é curadora da Coleção de Entomologia do Museu de História Natural do Ceará Prof. Dias da Rocha-Uece
O Museu de História Natural do Ceará Prof. Dias da Rocha-Uece está localizado na Rua Divino Salvador, 225, Centro, Pacoti, Ceará. Funciona de terça-feira a domingo, das 9h às 17h
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