E enfim encerra-se a quadra chuvosa de 2023, que se concentra no período de fevereiro a maio. O ano foi marcado por chuvas fortes e abundantes responsáveis por encher açudes como o Quixeramobim, que sangrou pela primeira vez após 12 anos em abril. Ao mesmo tempo, falhas na infraestrutura e na urbanização de algumas cidades deixou ao menos 16 municípios em estado de emergência por causa de inundações e desabamentos.
A quadra chuvosa terminou com 44 açudes sangrando, 36 com volume acima de 90% e 32 abaixo de 30%. No total, a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) monitora 155 reservatórios. Veja a localização deles no Ceará:
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É mais um ano em que o Estado consegue agregar mais volume de água reservada à capacidade atual. Desde agosto de 2015, os açudes cearenses podem aportar até 18.277,8 hectômetros cúbicos (hm³), dos quais 9.310,2 hm³ foram recarregados até maio de 2023, correspondendo a 50,9% do total.
O aporte mantém a tendência de crescimento iniciada em 2017, depois de uma queda íngreme de volume após a quadra chuvosa de 2011, quando o Estado acumulou 14.848,45 hm³ — 84% da capacidade daquele ano (17.538,96 hm³).
Esse intervalo entre a queda e o crescimento corresponde à pior seca que o Ceará enfrentou desde 1910, entre 2012 e 2016. Foi nesse período que o Estado se viu na necessidade de criar o Comitê Integrado de Combate à Seca (em 2012), o Plano Estadual de Convivência com a Seca (2015) e as medidas emergenciais do Plano de Segurança Hídrica (2016).
De acordo com Francisco de Assis de Souza Filho, professor de Engenharia Hidráulica da Universidade Federal do Ceará (UFC) e cientista chefe de Recursos Hídricos da
Apesar disso, o cenário atual é positivo: 2023 foi o ano com melhor recarga, no qual vários açudes verteram após anos sem atingir 100% do volume. “Pode-se dizer que há normalidade no processo de abastecimento de água, como para irrigação e para indústria”, comenta Assis.
Ele lembra que há a possibilidade de ocorrer o fenômeno
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Enquanto o apanhado geral indica cenários positivos ou negativos ao longo dos anos, o professor Assis reforça a importância de se analisar cada açude individualmente para compreender demandas regionais.
Neste ano, por exemplo, as regiões do Sertão Central e de Inhamuns ainda têm reservatórios com nível abaixo de 10%: são 11 açudes nessa condição.
De 2004 a 2013, muitos açudes passaram quase todos os anos com praticamente nenhum aporte. Alguns foram: São Vicente (Santana do Acaraú), Sobral (Sobral), Arneiroz II (Arneiroz), Canoas (Assaré), Faé (Quixelô), Favelas (Tauá), Forquilha II (Tauá), Trici (Tauá), Várzea do Boi (Tauá), Muquém (Cariús), Pau Preto (Potengi), Poço da Pedra (Campos Sales), Quincoé (Acopiara), Trussu (Iguatu), Valério (Altaneira), Capitão Mor (Pedra Branca), Cipoada (Morada Nova), Curral Velho (Morada Nova), Monsenhor Tabosa (Monsenhor Tabosa).
Até Orós e Banabuiú, dois dos três maiores açudes do Ceará, ficaram zerados em quase todo o ano de 2005 e em alguns dias de dezembro de 2010 e de julho de 2011.
Os três maiores e mais importantes açudes do Ceará são: Castanhão (Jaguaribara), Orós (Orós) e Banabuiú (Banabuiú). Juntos, eles aportam 56% de toda a capacidade estadual.
O Castanhão é o maior açude para múltiplos usos da América Latina, sendo uma represa estratégica para o enfrentamento da seca e também para abastecimento da Grande Fortaleza e do Porto do Pecém. Ele começou a ser construído em 1995 e foi concluído em 23 de dezembro de 2002, cobrindo os municípios de Jaguaribara, Alto Santo, Jaguaretama e Jaguaribe. Até então, Orós era o maior açude do Estado.
No Ceará, o município com mais açudes é Sobral, somando seis reservatórios. Ele é seguido de Tauá, com cinco, e Canindé e Maranguape, com quatro açudes cada.
Mas o aporte hídrico do Estado também depende da pequena açudagem — aqueles não monitorados pela Cogerh, mas responsáveis pela regularização do primeiro ao segundo semestre enquanto os açudes de maior porte acumulam água. De acordo com Francisco de Assis, são pelo menos cem mil loteamentos do tipo no Ceará.
OP+ analisou os dados do MapBiomas de superfície de água para observar a flutuação hídrica destes corpos d’água. A superfície de água cearense corresponde a 1% de toda a brasileira.
Diferente do aporte hídrico dos açudes, que começa a cair em 2012, o aporte das superfícies de água do Ceará enfrentam queda desde 2009. Isso explica também as dificuldades enfrentadas pelo Estado durante a seca de 2012 a 2016.
Em 2017, assim como nos açudes, a água superficial volta a crescer. Em 2022, ela ocupou 182.652,95 hectares (ha), ainda abaixo do que foi registrado dez anos antes. O pico de área coberta por água no Ceará ocorreu em 2004, um ano após a seca de 2002 e 2003, com 295.146,23 ha molhados.
Para esta análise foram utilizados dados da Superfície de água no Ceará e no Brasil por Ano, disponibilizados na Plataforma MapBiomas, e registros do volume diário de todos os reservatórios do estado do Ceará, entre janeiro de 2004 e 23 de maio de 2023, através de uma coleta automática a partir do mapa disponível no Portal Hidrológico do Ceará.
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