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Do rádio às plataformas de streaming: confira as novas formas de consumir futebol
Reportagem Especial

Do rádio às plataformas de streaming: confira as novas formas de consumir futebol

Na Era do Streaming, o futebol é uma das atividades que mais passou por transformações na forma de chegar ao público. Há, também, impactos para os clubes

Do rádio às plataformas de streaming: confira as novas formas de consumir futebol

Na Era do Streaming, o futebol é uma das atividades que mais passou por transformações na forma de chegar ao público. Há, também, impactos para os clubes
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Como você acompanha seu time de coração? De formas tradicionais, como ir ao estádio e escutar rádio, às mais contemporâneas, como seguir as redes sociais e assistir aos jogos nas tevês ou celulares, são inúmeras possibilidades. Nos últimos anos, o fenômeno das plataformas de streaming, viral no campo do entretenimento, chegou ao futebol com força máxima e influenciou as transmissões esportivas e, por consequência, na forma dos torcedores assistirem às partidas.

“Gosto mais de ouvir no rádio, porque tem mais animação”, defende Francisco Sales da Costa, de 78 anos, morador do bairro Cristo Redentor, em Fortaleza, e torcedor do Ceará Sporting Club “de corpo e alma”, como gosta de definir. Com idade avançada, já não frequenta as arquibancadas, mas continua acompanhando o Alvinegro, paixão que permanece desde 1965 e o faz colecionar memórias, em especial as vividas no Estádio Presidente Vargas.

“Fui muito ao estádio, mas faz muito tempo que não frequento mais. Escuto o futebol do Ceará sempre pela rádio e algumas vezes quando passa na televisão”, conta Sales. Para ele, assistir na TV tem sido cada vez mais raro: só consegue ver as partidas com a ajuda do filho, uma vez que a maioria dos jogos são transmitidos via streaming.

Bola do Campeonato Brasileiro Série B 2023 (Foto: Rafael Ribeiro / CBF)
Foto: Rafael Ribeiro / CBF Bola do Campeonato Brasileiro Série B 2023

Para o jornalista e torcedor do Fortaleza, Renan Moreira, 23, as transmissões nas plataformas aumentaram as possibilidades de acompanhar o Leão do Pici, sobretudo nos jogos fora de casa.

“Gosto do serviço que é oferecido pela facilidade que é o de poder assistir em qualquer dispositivo com internet, como celular, TV e computador. O grande problema desses serviços é que o verdadeiro torcedor, que não perde um jogo, necessita assinar quatro ou cinco serviços para acompanhar todos os jogos do Fortaleza”, pontua.

Além de ser sócio-torcedor, Renan desembolsa, em média, R$ 150 mensais para acompanhar o Tricolor, assinando três streamings distintos. “Eu prefiro do jeito que é agora, pela facilidade e comodidade, mas o valor é salgado”, reconhece.

 

 

A lógica de mercado no futebol

As duas realidades coexistentes mostram os paradoxos do consumo esportivo em tempos tecnológicos. O fato é que o futebol, esporte mais popular do mundo, vai além da prática física e está inserido na lógica de mercado, ou melhor, da indústria esportiva. A ideia é defendida pelo jornalista e pesquisador Pedro Vasconcelos, que durante o mestrado estudou a participação do telespectador em programas esportivos e hoje se dedica aos estudos em Comunicação e Cultura Digital.

“Você pode pensar em diferentes ‘futebóis’, tem aquele praticado nas escolas, o de várzea, mas o que interessa, para esta discussão, é o futebol espetáculo. Já tem algumas décadas que o futebol se tornou um grande espetáculo produzido por uma indústria muito forte, com esses atores, e é consumida de forma muito voraz no Brasil”, contextualiza o pesquisador.

Os modernos canais de transmissão do futebol – redes sociais e plataformas de streaming – também têm seu custo(Foto: Staff Images/ CONMEBOL)
Foto: Staff Images/ CONMEBOL Os modernos canais de transmissão do futebol – redes sociais e plataformas de streaming – também têm seu custo

Ele defende que clubes do Sudeste, como o Flamengo e o Corinthians, são exemplos da força das transmissões esportivas em TV aberta. “O Flamengo se tornou um clube extremamente popular no Brasil justamente quando as transmissões esportivas também estavam ganhando dimensão de rede, entre os anos 1970 e 1980”, exemplifica. Hoje, um fenômeno semelhante acontece em relação aos clubes estrangeiros.

“Temos uma geração de pessoas mais jovens que torcem para times da Espanha, da Inglaterra, às vezes só para clubes de outros países. Isso porque a indústria do esporte é muito forte no exterior então as marcas chegam com muita força”, explica.

O leque de possibilidades para ver os jogos do time do coração aumentou e mudou a lógica de consumir o futebol(Foto: Felipe Oliveira / EC Bahia)
Foto: Felipe Oliveira / EC Bahia O leque de possibilidades para ver os jogos do time do coração aumentou e mudou a lógica de consumir o futebol

A definição de um esporte espetáculo “praticado por outros e visto e financiado por mim”, como define Pedro, consolidou-se bem antes das plataformas de streaming. Elas, por sua vez, encontraram no futebol uma forma de aumentar seus rendimentos, fato que promoveu rupturas com modelos tradicionais de transmissão.

“É a saída desse modelo oligopolista, de concentração dos direitos de transmissão em pouquíssimas emissoras, para uma profusão de possibilidades e plataformas que oferecem esse tipo de serviço. E a gente consegue encontrar problemas nesses dois modelos”, analisa Vasconcelos. “As pessoas têm condições? Ou estaríamos elitizando o acesso ao futebol? Sobretudo em um momento que os estádios também são elitizados”, provoca o pesquisador.

Dos desafios da inclusão digital, caso de Francisco Sales, à flexibilidade de assistir em qualquer lugar, destacado por Renan, a era do streaming impacta não somente torcedores, como também clubes. E é, pelo que tudo aponta, um caminho sem volta.

 

 

Altas e baixas para o clubes na indústria do futebol

O rebaixamento do Ceará para a série B do Campeonato Brasileiro provocou uma queda de arrecadação de R$ 60 milhões para aproximadamente R$ 10 milhões em direitos de transmissão. Os dados são uma mostra do impacto orçamentário das transmissões esportivas, que servem como vetores financeiros para boa das agremiações.

Anna Beatriz Maia, contadora, doutora em Administração e controladora Executiva de Futebol pela CBF Academy, observa que há espaço, na era do streaming, para os clubes driblarem as baixas financeiras e passarem a arrecadar mais com as plataformas.

As transmissões de jogos de futebol se ampliaram e deixaram de ser oferecidas somente pelos canais tradicionais (Foto: Staff Images/ CONMEBOL)
Foto: Staff Images/ CONMEBOL As transmissões de jogos de futebol se ampliaram e deixaram de ser oferecidas somente pelos canais tradicionais

“Nos próximos anos, mais clubes procurarão essas oportunidades por meio das plataformas de streaming (com monetização de eventos esportivos, documentários, séries, por exemplo), considerando não apenas o impacto negativo que tiveram nas finanças durante a pandemia e recentes crises, mas, principalmente, como diversificação de fontes de receitas”, aposta.

Ela explica que uma possibilidade é o fortalecimento da marca como uma “estratégia valiosa para internacionalização”. “Desde que os clubes de futebol começaram a se tornar gigantes comerciais, várias indústrias criativas também mergulharam no esporte para extrair mais receita. As plataformas de streaming, fechadas e abertas, têm crescido ao longo dos anos e o bloqueio devido à pandemia deu a elas um impulso ainda maior em termos de receita, incluindo seus produtos esportivos”, sugere Anna.

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Outras experiências em transmissão de jogos

Em agosto de 2022, Fortaleza Tritões e Ceará Caçadores se enfrentaram em partida válida pela Liga Brasil Futebol Americano. O duelo contou com transmissão ao vivo no canal oficial do Fortaleza Esporte Clube, no YouTube, resultando em mais de 17 mil acessos. Embora não fosse inédita, a iniciativa de exibir o campeonato foi um marco e somou-se às experiências de transmissões experimentadas por clubes brasileiros nas mais diversas modalidades.

No Norte do País, a prática foi amplamente adotada como forma de encurtar distâncias entre torcedores e equipes. A primeira divisão do Campeonato Paraense de 2023 conta com transmissões próprias da maior parte dos clubes. Entre os pioneiros, está a Sociedade Esportiva Caeté, da cidade de Bragança (PA), que fez parceria com uma produtora local para realizar as transmissões e oferecer o serviço de forma gratuita e com acesso via YouTube aos torcedores.

Torcedores do Fortaleza assistem ao jogo contra o Cerro Porteño em bares e restaurantes de Fortaleza(Foto: Mateus Moura)
Foto: Mateus Moura Torcedores do Fortaleza assistem ao jogo contra o Cerro Porteño em bares e restaurantes de Fortaleza

Sócio da DRX Produtora, Bruno Reis vê de forma positiva esse modelo de transmissão esportiva. “O impacto disso é justamente a democratização da informação, porque hoje a gente já consegue alcançar um público que talvez não conseguiríamos antes. E um diferencial é justamente a interação com os telespectadores, que é o bate-papo em tempo real, que não se tinha na TV”, compara.

Outro exemplo recente é o do streamer Casemiro, com a Cazé TV, um canal no YouTube retransmitido na plataforma Twitch, especializado na transmissão de eventos esportivos.

“A gente vê uma transmissão um pouco mais leve, com teor de resenha, e um exemplo que isso tem dado certo é o Casemiro, que transmitiu uma Copa do Mundo. É um caminho sem volta, hoje quase todos os clubes profissionais têm os seus próprios canais”, completa Bruno.

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>>Entrevista

O que diz a legislação sobre transmissões esportivas

Em entrevista ao O POVO, o advogado Breno Gondim, presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-CE, fala da Lei 14.205, conhecida como Lei do Mandante, e suas implicações nos clubes de futebol. Aprovada em 2021, a legislação permite ao clube mandante o direito de negociar a transmissão da partida.

O POVO - Sabemos que a chamada Lei do Mandante modificou a dinâmica de transmissão de partidas de futebol. Do ponto de vista dos clubes, quais as maiores mudanças?

Breno Gondim - Antigamente, a prerrogativa de negociar, de conceder autorização para transmissão e retransmissão das partidas era das entidades esportivas que participavam da respectiva partida ou campeonato. A Lei do Mandante dá a prerrogativa exclusiva do clube mandante para negociar a captação, transmissão e retransmissão das partidas. Ou seja, antes pertencia às duas equipes e agora é exclusividade da equipe mandante.

Essa alteração de lei trouxe a classificação dos atletas profissionais, porque antigamente a lei só discriminava atleta profissional, então existia uma discussão entre atletas e sindicatos de quem receberia o direito de arena. Se reservas teriam direito ou só titulares, e essa mudança classificou os profissionais dizendo que são os jogadores relacionados, sendo eles titulares ou não. Então não há mais discussão, todos os relacionados recebem direito de arena.

A Lei 14.205, conhecida como Lei do Mandante, foi aprovada em 2021, e dá ao clube mandante o direito de negociar a transmissão da partida(Foto: Staff Images/ CONMEBOL)
Foto: Staff Images/ CONMEBOL A Lei 14.205, conhecida como Lei do Mandante, foi aprovada em 2021, e dá ao clube mandante o direito de negociar a transmissão da partida

OP - Apesar da lei, quando se trata de Série A, não há iniciativas de transmissão própria dos clubes. Essa possibilidade tem impactos no aumento das transmissões via streamings e, por consequência, da diminuição em TV aberta?

Breno Gondim - A gente viu que, desde essas mudanças legislativas, alguns clubes tentaram transmitir suas próprias partidas, isso não durou muito tempo, porque o clube precisa se dedicar e prestar um serviço de qualidade para o torcedor, porque futebol é entretenimento. Então é mais viável as equipes venderem suas partidas para empresas que fazem as transmissões, até para entregar uma qualidade melhor, tanto de imagem como de som e profissionais que participam.

Nem todos os clubes têm um poder financeiro para oferecer um produto de qualidade, porque isso requer um enorme gasto para os clubes, que muitas vezes não têm esse retorno. Nesse ponto, foi até melhor porque abriu mais o mercado, estamos vendo diversas empresas de diferentes equipes de televisão e de streaming tentando comprar competições. Hoje a gente tem um campeonato brasileiro que é transmitido por uma empresa, uma Libertadores por outra, um Campeonato Cearense que é por outra. Então aumenta a concorrência e faz com que os clubes procurem a empresa que pode fornecer uma qualidade maior à sua torcida.

O POVO - Quais as saídas para os clubes valorizarem seus direitos de imagem sem onerar torcedores?

Breno Gondim - A melhor saída para os clubes valorizarem suas imagens é manter um excelente padrão de gestão, cumprindo com suas obrigações extracampo para transmitir uma boa imagem e poder fortalecer a marca do clube. Outra alternativa é manter elencos fortes para se preparar para as competições e isso valoriza a imagem do clube.

 

 

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