Matéria atualizada às 10h23 do dia 27 de setembro, com ajustes de dados relacionados à "temperatura máxima no horário anterior (AUT) (ºC)"
Depois de recordes históricos de temperaturas altas em julho de 2023 no hemisfério Norte, foi a vez do Brasil enfrentar ondas de calor drásticas. Especialmente no Sudeste e no Centro-Oeste, as temperaturas alcançaram os 42ºC.
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Do dia 18 ao dia 24 de setembro, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) registrou que Água Clara (MS) foi o município mais quente do Brasil. Com a temperatura escalando durante toda a semana, a cidade atingiu o pico de 42,2ºC no dia 23, às 15h. Um dia depois, 24/9, Porto Murtinho (MS) marcou 42,1 graus, às 14h.
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O POVO+ analisou os dados disponibilizados pelo Inmet durante a semana passada, considerando as 511 estações automáticas espalhadas pelo País. Não foram encontradas estações automáticas do Inmet no estado de Roraima:
Durante o período analisado, 49 destas estações registraram temperaturas maiores ou iguais a 40ºC. No total, foram 195 registros de temperaturas maiores ou iguais a 40ºC (cada estação possui registros em intervalos de 1 hora).
Todas as estações que superaram os 42ºC são do Mato Grosso do Sul: Água Clara, Paranaíba, Porto Murtinho e Três Lagoas.
Em nota, a MetSul Meteorologia já havia previsto que o final de semana (23 e 24 de setembro) registraria o pico de intensidade no calor, que deve também se prolongar durante a semana do dia 25/9.
O recorde de maior temperatura brasileira ocorreu em Nova Maringá (MT), com 44,8ºC nos dias 4 e 5 de novembro de 2020 — na época, o município mato-grossense ultrapassou Bom Jesus (PI), que em 2005 registrou 44,7°C.
No Nordeste, foram Bahia e Piauí os mais quentes, ambas com registros nos dia 24 de setembro. Às 16h desse domingo, Oeiras (PI) registrou 41,5ºC, enquanto Iboritama (BA) marcava 40,7ºC.
O Ceará foi menos afetado pela onda de calor, mas ainda assim alcançou os 39ºC. Sertão Central, Inhamuns, Maciço de Baturité e Cariri foram as regiões com maiores registros; Jaguaribe (CE) foi o município mais quente, com 39ºC no dia 20 de setembro, às 15h. Uma hora depois, Sobral marcou 38,8ºC.
“Vale lembrar que, no Ceará, principalmente nos meses de setembro, outubro e novembro (período chamado de BR-O-Bró), as temperaturas máximas registradas são historicamente mais altas, sendo estas concentradas pela tarde”, reforça a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) em nota.
Enquanto o Ceará mais ou menos prevê altas temperaturas a partir de setembro, a causa da onda de calor no Brasil não é um padrão. A climatologista Karina Bruno Lima, doutoranda pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e divulgadora científica, explica que o País se viu envolvido por um domo de calor.
O fenômeno ocorre quando uma área de alta pressão permanece por um tempo na mesma região, prendendo o ar quente. É como uma enorme bolha/cúpula sob o Brasil, forçando o ar quente nos estados. “Esse domo de calor foi bem comum no verão do hemisfério Norte”, comenta a pesquisadora. Em junho, países do norte global enfrentaram máximas de calor.
Fenômenos como a doma do calor podem ser impulsionados pelo El Niño: ele “contribui para a elevação das temperaturas impulsionando ondas de calor, assim como promove mudanças em padrões de circulação atmosférica, reduzindo chuvas no Norte e Nordeste e aumentando no Sul”, descreve Karina.
No entanto, a climatologista considera que ainda faltam estudos de atribuição mais detalhados para compreender quais fatores realmente estão relacionados à formação do domo de calor dessas semanas. “O que eu acho muito importante frisar é que, ainda que seja importante um estudo de atribuição para cada caso, a gente está vendo de forma sistêmica os eventos extremos ocorrendo com maior frequência e intensidade. Isso já é um cenário de mudanças climáticas”, frisa.
Mesmo que o El Niño seja influente, o cenário de aquecimento global e eventos climáticos sistêmicos é comprovação da emergência climática que o planeta enfrenta. A Terra já está 1,2ºC mais quente, impulsionando mais eventos extremos de calor, de chuva e de seca.
No começo de setembro, o Rio Grande do Sul enfrentou fortes ciclones, resultando em mais de 40 mortos em desastres no estado. Nesta semana, outro ciclone extratropical deve se formar na costa do Rio Grande do Sul, com rajadas de vento superando 70 quilômetros por hora.
“As ondas de calor também se relacionam com eventos extremos de chuva e de seca, porque uma atmosfera mais quente consegue reter mais umidade. A cada um grau Celsius de aumento da temperatura, o ar consegue reter cerca de 7% a mais de umidade”, explica Karina. “Ao mesmo tempo, a atmosfera carregada de muito mais vapor de água provoca eventos extremos de chuva em algum outro lugar.”
O tempo seco também foi sinal de alerta durante a última semana. Segundo os dados do Inmet, analisados pelo OP+, os estados com menos taxa de umidade relativa do ar foram Paraná e Minas Gerais, com 7% de umidade.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a umidade ideal para humanos é entre 50% e 60%.
Apenas Sergipe conseguiu se manter na faixa segura. Lá, a menor taxa foi registrada foi de 50%, na cidade de Nossa Senhora da Glória (SE), às 14h do dia 24 de setembro.
Já no Ceará, Morada Nova chegou aos 16% de umidade relativa no dia 21 de setembro, às 16h. A gerente de meteorologia da Funceme, Meiry Sakamoto, comentou ao OP+ que as taxas de setembro foram “muito abaixo do valor climatológico”, citando Iguatu como uma das menores no começo do mês, com 22% de umidade do ar.
Geralmente, ondas de calor têm um impacto subestimado na saúde pública. Enquanto desastres em consequência de chuvas e secas extremas têm impacto visual, os efeitos sociais e de saúde provocados pelo calor são menos veiculados.
Idosos, crianças e outras pessoas frequentemente expostas ao sol ficam vulneráveis à desidratação, à insolação e até a desmaios e maus súbitos. A climatologista Karina também chama a atenção para futuras ondas de calor úmidas.
Enquanto nas ondas de calor secas a temperatura registrada pelos termômetros costuma ser mais ou menos a mesma da sensação térmica, nas ondas úmidas ocorre o inverso. A umidade impede que o corpo humano auto regule a temperatura interna pelo suor, fazendo com que a sensação térmica seja maior do que a medida pelos instrumentos climáticos.
Para avaliar essas diferenças, usa-se a temperatura de bulbo úmido, que calcula a temperatura mais baixa alcançada pela evaporação da água. “Até o final do século, a perspectiva é bem terrível: a temperatura de bulbo úmido vai ser 35 graus, o limite da sobrevivência humana. Mesmo 26º no bulbo úmido já pode matar pessoas”, comenta. “Ondas de calor matam muito e dói não só idosos e crianças, mas pessoas que têm que ficar muito tempo ao ar livre em atividades extenuantes.”
No Brasil, ainda é necessário investir em estratégias de adaptação para enfrentar as mudanças climáticas. No que tange as ondas de calor, qualquer medida que vise ao acesso ao conforto térmico (como a compra de ar-condicionado e a construção de casas com boa ventilação) deve ser pensada.
Aumentar a arborização nos centros urbanos, informar por vários meios sobre os riscos à população e orientar como lidar com o calor e facilitar o acesso a atendimento médico são outras medidas que o País deveria priorizar.
“Isso precisa ser tratado como questão de saúde pública também”, defende Karina.
Para este material foram utilizados dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Realizamos o download dos dados por hora, no Banco de Dados Meteorológicos do Inmet, com filtros para todas as estações meteorológicas automáticas, no período de 18 a 24 de setembro de 2023. A variável analisada foi a de "temperatura máxima no horário anterior (AUT) (ºC)".
"Oie! Aqui é a Catalina Leite, repórter do OP+. O que você achou do conteúdo? Vamos conversar na área de comentários da matéria!"