O telescópio espacial James Webb capturou mais uma imagem inédita da galáxia. Desta vez, o equipamento fez um registro de uma estrela recém-nascida, ou uma protoestrela, denominada Herbig-Haro 211, equivalente ao que seria o nosso Sol quando era “criança”.
O Herbig-Haro 211 está a mil anos-luz da Terra, na constelação de Perseu, e o estudo aponta que o astro teria alguns milhares de anos de idade. Apesar disso, a estrela ainda não está totalmente formada e, futuramente, poderá se tornar o que seria o Sol, uma "estrela anã".
A imagem em alta resolução foi divulgada pela Administração de Aeronáutica e Espaço dos EUA (Nasa) e pela Agência Espacial Europeia no dia 19 de setembro de 2023 e mostra o astro, que é considerado uma das estrelas mais jovens observadas pelos cientistas, expelindo dois jatos supersônicos em direções opostas.
O doutor em Astrofísica e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Daniel Brito de Freitas, explica que as estrelas nascem de gás e poeira, também chamadas de nebulosas, e conseguem se contrair devido à força gravitacional.
Para nascer, é necessário que a estrela tenha uma determinada "massa crítica" — composta geralmente por hélio, carbono e oxigênio —, possibilitando a queima do hidrogênio e a formação da fase inicial de protoestrela. Massa crítica é a quantidade mínima necessária para que um material continue uma reação nuclear após o início.
“O primeiro ponto é ter uma determinada massa crítica para alcançar o que chamamos na Astrofísica de equilíbrio hidrostático. Ela por si só forma essa protoestrela no interior e, futuramente, promove a ignição de hidrogênio. A matéria na qual é formada esse gás e poeira é muito diversificada... Isso vem de gerações anteriores de estrelas que explodiram, contaminaram o meio interestelar e o Sol, na região onde foi formada, tinha esses átomos disponíveis e acabou agregando à sua formação”, detalha.
Após essa etapa, a estrela entra em uma fase em que está completamente formada, que é conhecida como "sequência principal". Uma estrela como o Sol, por exemplo, com cerca de 4,5 bilhões de anos, está passando por essa “adolescência”, que deverá durar até dez bilhões de anos.
No caso da Herbig Haro 211, que já tem uma “estrela bebê” formada e é da mesma categoria do Sol, é estimado que a idade seja da ordem de centenas de milhões de anos, um pouco mais de 8% da idade total que essa estrela terá.
Após o Big Bang, o universo registrava altas temperaturas e era extremamente concentrado, com apenas a presença de algumas partículas subatômicas. As condições eram tão densas que nem mesmo átomos poderiam existir, devido à intensa energia que não permitia a coesão entre as partículas.
Cerca de 100 milhões anos depois da grande explosão, o cosmos se expandiu e passou a esfriar. A mudança possibilitou o surgimento do hidrogênio e de nuvens aglomeradas com o elemento, que é considerado o mais leve e fácil de ser formado. A partir disso, as estrelas puderam surgir e são consideradas as primeiras estruturas a serem formadas no universo.
Romário Fernandes, professor de astronomia no Colégio Militar do Corpo de Bombeiros do Ceará e colunista do OP+, explica que as nuvens de hidrogênio contavam com quantidades homogêneas do elemento. A partir de uma perturbação — como o choque entre duas nuvens ou a explosão de uma estrela próxima —, a formação passava a ter uma reação gravitacional.
Essa nuvem sofria uma fragmentação e pequenas regiões de maior densidade se formaram. Com uma maior densidade, mais massa e gravidade em uma área menor, o pedaço formado se torna um centro de gravidade, que passa a atrair o que está “fora”, formando uma estrela.
Inicialmente, as estrelas eram formadas apenas por hidrogênio, composto por um próton e um elétron. Porém, por conta da alta temperatura, os prótons remanescentes eram obrigados a se fundir, formando o hélio.
Conforme vão envelhecendo, as estrelas perdem o hidrogênio original e ganham hélio. Segundo o professor Romário Fernandes, a temperatura necessária para fundir hidrogênio em hélio é a partir de 10 milhões de graus Celsius, mas para fundir hélio em outros elementos químicos o número chega na ordem de 100 milhões de graus.
A temperatura original da maioria das estrelas não é suficiente para fundir o hélio e, por isso, elas vão encolhendo durante o processo de envelhecimento.
“Quando acabar o hidrogênio elas vão encolher, porque elas vão perdendo o processo energético que empurra de dentro para fora e as mantêm equilibradas. A gravidade da estrela vai fazer ela colapsar sobre si mesma e a maioria das estrelas do universo para aí”, explica.
Após esse encolhimento, a estrela pode virar uma anã branca que é um remanescente estelar. Segundo o especialista, seria como o “cadáver” de uma estrela que terminou o ciclo de vida e segue desgastando muito lentamente.
O Sol, por exemplo, passará por um processo semelhante, porém o encolhimento pode demorar em comparação às outras estrelas. A estrela central do Sistema Solar consegue alcançar a temperatura necessária para fundir o hélio em outros elementos, como carbono, nitrogênio e oxigênio.
Estrelas mais massivas também podem originar estrelas de nêutrons, que se fundem para criar outros elementos, ou explodir, resultando na chamada Supernova.
A partir do surgimento desses astros em um universo que ainda era muito novo e da criação de outros elementos a partir da fusão, o professor Romário Fernandes aponta que o ciclo de vida e morte das primeiras estrelas foi responsável pela formação das galáxias e de partes do Sistema Solar que existem hoje.
O especialista explica que, na nuvem de hidrogênio que originou o Sol, por exemplo, já existia carbono, nitrogênio, silício, magnésio, ferro, ouro e prata, elementos que também originaram os planetas gasosos e rochosos e deram as condições para a diversidade de elementos químicos da Terra.
“(Hoje) a gente tem um universo muito mais rico de elementos químicos (...) No núcleo de todas as galáxias ou de quase todas, há buracos negros supermassivos que só poderiam ter se formado como subproduto ou como produto final da formação das primeiras estrelas do universo”, pontua.
O registro mais recente da estrela Herbig-Haro 211 feito pelo telescópio James Webb pode gerar ainda mais informações sobre a formação desses astros.
De acordo com pesquisadores do Instituto de Estudos Avançados de Dublin que lideraram a pesquisa, uma das principais descobertas é a formação de jatos supersônicos ao redor da estrela enquanto ela está em formação. Segundo a Nasa, esses objetos no Herbig-Haro são formados quando ventos estelares ou jatos de gás expelidos de estrelas recém-nascidas criam ondas de choque que colidem com gás e poeira em alta velocidade.
Esses jatos de partículas bipolares são emitidos nos polos das estrelas e a presença deles é o que classifica uma estrela como membro da categoria Herbig-Haro. Segundo o professor Daniel Brito de Freitas, esses jatos deverão desaparecer quando o astro se formar completamente e, em seguida, uma estrela como o Sol deverá ser formada.
“Como é uma estrela mais ou menos em torno da massa do Sol, ou (ocorre) até mesmo estrelas menores também, tem um caminho muito parecido. É possível que o resto de matéria que sobra em volta possa se condensar e formar planetas parecidos com o nosso Júpiter ou mesmo com a Terra, por exemplo”, afirma.
Além de compreender como ocorre a formação das estrelas, é possível apontar a possibilidade de que o Sol passou por esse mesmo processo e, a partir disso, entender a “infância” da estrela central do nosso sistema e outras questões que envolvem o cosmos.
“Um dos parâmetros que nós temos como objetivo é saber como é que o Sol vai evoluir, qual é o futuro do Sol, porque certamente também está relacionado ao futuro da humanidade, ao futuro da vida em nosso planeta”, destaca.
O astrofísico ainda aponta que esse registro do Herbig Haro 211 traz alguns resultados importantes para análise dos cientistas, como a possibilidade de que essa não seja uma estrela única, mas um sistema binário por conta da simetria dos jatos, além de ser possível perceber traços de moléculas que participam do composto que forma o gás.
A Herbig Haro 211 já foi observada anteriormente pelo Hubble, antecessor do James Webb, porém sem a alta resolução do supertelescópio.
“Existe uma ideia de que as próprias galáxias foram formadas pela explosão dessas primeiras estrelas, que eram estrelas extremamente densas com massas centenas de vezes, até milhares de vezes, maior do que a massa do Sol. A importância do James Webb é em tentar entender o segredo do universo em um tempo mais longínquo e, com isso, entender a evolução das estrelas”, explica Daniel.
Em julho, o Telescópio Espacial James Webb (JWST) completou um ano em atividade e, desde então, vem capturando diversas imagens inéditas e em alta qualidade, como o primeiro registro de um exoplaneta e imagens inéditas de Marte.
O observatório é o resultado de um projeto de 25 anos e que foi renomeado em referência ao ex-administrador da Nasa e supervisor do projeto Apollo, James Edwin Webb. A homenagem gerou protestos por parte da comunidade astrônoma devido a acusações de homofobia contra o ex-funcionário.
Com um investimento total de 10 bilhões de dólares — quase R$ 60 bilhões, o equipamento pesa cerca de seis toneladas e está instalado a mais de um milhão de quilômetros da Terra, no Segundo Ponto de Lagrange (L2).
De acordo com a Nasa, o observatório funciona como uma “máquina do tempo”, capaz de observar galáxias de 13,5 bilhões de anos atrás.
Além de ir a galáxias distantes e observar uma luz que viajou por muito tempo até ser perceptível, o JWST é capaz de ver objetos além da poeira interestelar e impossíveis de serem observados a olho nu.
Segundo o professor de Física e Astronomia, Heliomárzio Moreira, a capacidade do supertelescópio de registrar objetos tão distantes com uma riqueza de detalhes ocorre porque o equipamento capta a luz infravermelha. Para isso, o James Webb bloqueia a interferência da radiação emitida por ele mesmo, pela Lua, pelo Sol e pela Terra.
“O telescópio trabalha em frequência de infravermelho que é uma radiação eletromagnética não-visível e ele trabalha em resolução e temperaturas ideais para que os sensores e espelhos tenham o máximo de eficiência e nos deem a qualidade de imagem de objetos distantes a ponto de ver detalhes que não seriam distinguidos a partir da superfície terrestre”, diz.
Clique nos círculos coloridos para acessar informações sobre os diferentes componentes do telescópio:
O telescópio também servirá como legado para futuras missões, como a Plato (Trânsito Planetário e Oscilação de Estrelas), uma sonda espacial criada pela Agência Europeia e que deverá ser lançada em 2026. O astrofísico cearense Daniel Brito de Freitas representa a UFC e integra a equipe envolvida no projeto, composta por pesquisadores e profissionais de instituições de diversos países.
“É uma missão para a busca de exoplanetas em estrelas parecidas com o sol, dentro da classe que nós chamamos de classe G, que são estrelas que têm massa solar. [Estamos] investigando a possibilidade da existência de uma Terra 2.0, que faria uma órbita em torno dessa estrela tipo solar por volta de um período orbital em torno de um ano”, finaliza.