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Será que existe um antiUniverso por aí? Conheça a antimatéria
Reportagem Especial

Será que existe um antiUniverso por aí? Conheça a antimatéria

Pesquisa com físico cearense demonstra que a antimatéria, a "irmã gêmea" da matéria, também está sujeita à gravidade. Descoberta redireciona questionamento sobre a formação do Universo

Será que existe um antiUniverso por aí? Conheça a antimatéria

Pesquisa com físico cearense demonstra que a antimatéria, a "irmã gêmea" da matéria, também está sujeita à gravidade. Descoberta redireciona questionamento sobre a formação do Universo
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Antes de o Universo existir, ele não era nada. Foi uma explosão repentina que jorrou átomos e energia em todas as direções, mais tarde reunindo-se em uma dança cósmica de nebulosas, galáxias e supernovas. Quando enfim chegou o momento de vivência dos humanos, e com eles o das inovações tecnológicas, passamos a explorar incansavelmente o que está no cosmos, sedentos por saber. Mas nem tudo que existe, é visível.

Desse conjunto de criações originadas no Big Bang, a antimatéria ainda é uma incógnita em existência — não se conhece qualquer galáxia ou estrela de antimatéria, mas ela foi teorizada e, depois, produzida em laboratório. Há décadas tentando desvendá-la, físicos do mundo inteiro debruçam-se sobre equações e experimentos que comprovem ou desaprovem hipóteses; entre eles, brasileiros fascinados.

 

 

O que é antimatéria?

Basicamente, a antimatéria é o oposto da matéria.

Tudo que você vê e sente é feito de matéria, composta por uma variedade de átomos. Esses átomos, por sua vez, são compostos por elementos como os prótons (com carga positiva), elétrons (carga negativa) e nêutrons.

Um átomo de lítio ilustrado usando o modelo planetário. Os elétrons estão em órbitas circulares ao redor do núcleo.(Foto: Modelo atômico planetário from Wikimedia Commons, CC-BY-SA 3.0)
Foto: Modelo atômico planetário from Wikimedia Commons, CC-BY-SA 3.0 Um átomo de lítio ilustrado usando o modelo planetário. Os elétrons estão em órbitas circulares ao redor do núcleo.

Na antimatéria, as cargas desses elementos são trocadas. Significa que existe um antielétron "Chamado 'pósitron'." , que em vez de carga negativa, tem carga positiva. Da mesma maneira, existe um antipróton, com carga negativa em vez de positiva. É como colocar um átomo em frente ao espelho e reconhecer tudo: a massa molecular é a mesma, o tamanho é o mesmo, o número de ‘elétrons’ e ‘prótons’ é o mesmo, mas todos estão invertidos.

Ou seja, se existe um átomo de hidrogênio, também existe o anti-hidrogênio.

Mas há um problema. Se a matéria e a antimatéria são exatamente iguais em sua oposição, quer dizer que elas se anulam ao entrarem em contato. É como uma conta matemática: quanto é -1 + 1? Zero.

Esse fenômeno é chamado pelos físicos de aniquilação, e ele é responsável por tirar a paz e atiçar a curiosidade das mentes de cada um deles.

 

 

Onde está o anti-Universo?

“Por que o mundo é feito só de matéria?”, questiona o físico cearense Claudio Lenz César, especialista em antimatéria e professor titular do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Não se conhece qualquer galáxia ou estrela de antimatéria. Não encontramos rastros de antimatéria primordial "Originada no Big Bang" (no cosmos)”, pontua. Então onde ela está?

Claudio Lenz César é técnico em Eletrotécnica pelo IFCE, antiga Escola Técnica, e graduado em Física pela UFC.(Foto: Edimar Soares / O POVO 2012)
Foto: Edimar Soares / O POVO 2012 Claudio Lenz César é técnico em Eletrotécnica pelo IFCE, antiga Escola Técnica, e graduado em Física pela UFC.

A antimatéria foi teorizada em 1928, pelo físico inglês Paul Dirac. Ele estava trabalhando em uma equação capaz de unir a mecânica quântica com a teoria da relatividade geral de Einstein. Tecnicidades à parte, o importante é saber que o resultado dessa conta matemática admitia duas respostas verdadeiras: uma com partículas negativas (-), outra com partículas positivas.

As positivas (+) equivalem à matéria. O problema eram as negativas, e foi assim que antimatéria “nasceu” para a ciência. Ela foi observada em 1932, quando o estadunidense Carl Anderson descobriu o antielétron, chamado de pósitron, enquanto examinava trilhas deixadas por raios cósmicos em uma câmera de nuvens.

“Ao ter proposto a antimatéria, o Diac dobrou o nosso Universo físico”, comenta Lenz. A dúvida é por que não podemos detectar esse Universo de antimatéria. Nos anos 1990, relembra o físico, surgiu a hipótese de existir uma antigravidade.

A ideia tentava responder o mistério da ausência de antimatéria no cosmos. Algumas das sugestões postas à mesa consideram que, no Big Bang, produziu-se mais matéria que antimatéria — por causa da aniquilação, a antimatéria foi destruída e os remanescentes de matéria formaram o que conhecemos hoje em dia.

Outra possibilidade é que existisse uma antigravidade, responsável por repelir toda a antimatéria para tão longe que não podemos detectá-la. Como teorias físicas “não se provam, apenas se desaprovam”, o professor Claudio Lenz idealizou, em 1997, um experimento para analisar a reação de um átomo de anti-hidrogênio à gravidade.

 

 

O experimento da antigravidade

Demorou mais de 20 anos para a colaboração Alpha, nome da equipe internacionalista da qual Lenz faz parte, conseguir desenvolver o experimento de fato. Antes disso, foi necessário resolver vários pormenores (não tão pequenos assim).

Representantes da colaboração Alpha no Desacelerador de Antiprotons no Cern. Atrás da equipe está o equipamento Alpha-g, uma armadilha magnética na vertical onde se estudou o comportamento dos anti-átomos de hidrogênio, se escapariam para cima ou para baixo dependendo do minúsculo efeito da gravidade terrestre frente aos campos magnéticos de aprisionamento.(Foto: Arquivo pessoal / Claudio Lenz)
Foto: Arquivo pessoal / Claudio Lenz Representantes da colaboração Alpha no Desacelerador de Antiprotons no Cern. Atrás da equipe está o equipamento Alpha-g, uma armadilha magnética na vertical onde se estudou o comportamento dos anti-átomos de hidrogênio, se escapariam para cima ou para baixo dependendo do minúsculo efeito da gravidade terrestre frente aos campos magnéticos de aprisionamento.

Em 2002, conta Claudio, eles aprenderam a fazer o anti-hidrogênio. Depois, descobriram como aprisioná-los em uma armadilha magnética — lembre-se, a aniquilação é forte e, por isso, manter o antiátomo aprisionado é difícil.

Em 2010, eles conseguiram fabricar os antiátomos dentro da armadilha magnética, usando uma energia bem baixinha, a meio Kelvin de temperatura (-272,65 °C). A partir daí, em 2013, começou a saga pela projeção do equipamento do teste, todo projetado por 50 pesquisadores, incluindo estudantes.

Em 2018 ele estava finalizado, mas as instalações da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear ( Cern "O Cern é a única organização detentora de um complexo de aceleradores de partícula potente o suficiente para a criação de um anti-hidrogênio." , na sigla em inglês) onde seria o experimento foram fechadas por dois anos e meio para manutenção. Foi em 2020 que os esforços deram resultado.

O que nos leva ao experimento: ele consiste em uma garrafa magnética de meio metro de altura, cilíndrica e vertical, com magnetos em cima e embaixo. O nome do equipamento é Alpha-g, e dentro dele estão os átomos de anti-hidrogênio que serão submetidos à força gravitacional. Ao redor do cilindro, os pesquisadores instalaram detectores capazes de acusar a aniquilação — assim eles saberiam se o átomo foi para baixo (sujeito à gravidade) ou para cima.

“Aí eu vou diminuindo o campo magnético, em cima e embaixo, bem devagarzinho. Se eu abrir de uma vez, praticamente metade vai pra cima, metade vai pra baixo, por causa da energia cinética”, descreve Claudio.

A principal complicação é garantir que os campos magnéticos dentro da garrafa estavam idênticos, por isso o teste foi realizado de várias maneiras, com desbalanços entre os magnetos e sem desbalanceamento algum. De resultado, a desaprovação da hipótese da antigravidade!

Representantes do grupo brasileiro – composto por Levi Oliveira Azevedo, Rodrigo Lage Sacramento, Álvaro Nunes de Oliveira e Cláudio Lenz Cesar, na foto, e Daniel de Miranda Silveira que não estava no Cern no dia desta foto – no experimento Alpha no Desacelerador de Antiprotons no Cern(Foto: Arquivo pessoal / Claudio Lenz)
Foto: Arquivo pessoal / Claudio Lenz Representantes do grupo brasileiro – composto por Levi Oliveira Azevedo, Rodrigo Lage Sacramento, Álvaro Nunes de Oliveira e Cláudio Lenz Cesar, na foto, e Daniel de Miranda Silveira que não estava no Cern no dia desta foto – no experimento Alpha no Desacelerador de Antiprotons no Cern

“Se a gravidade é pra baixo, eu tenho na ordem de 80% dos átomos vazando pra baixo e 20%, pra cima”, descreve Lenz. Foi exatamente isso que ocorreu, indicando que a antimatéria também responde à gravidade. Com essa descoberta, publicada na revista científica Nature, os cientistas anularam as especulações sobre antigravidade.

“Haveria todo um Universo muito longe da gente que teria sido repelido pelo nosso. Mas isso não existe, tá? Nós anulamos completamente essa possibilidade. Agora, a gente não provou que a aceleração da gravidade sobre o antiátomo é exatamente igual à do átomo. Porque a gente tem um nível de incerteza, e para provar a gente precisa de uma precisão infinita”, declara.

Ainda assim, a colaboração Alpha tem, atualmente, a medida mais precisa para a antimatéria. Eles já alcançaram 12 algoritmos significativos e continuam na busca por ampliar o valor. “Será que quando chegar nos 15 algoritmos, vai tudo bater certinho (com a matéria)?”, questiona, evidenciando a constante pulga atrás da orelha dos físicos.

 

 

Ciência básica para admirar e para conduzir

Para Claudio Lenz, a antimatéria é sinônimo de curiosidade. Ela o motiva a desvendar mistérios cósmicos e pavimentar a estrada da humanidade com conhecimento. Esses “detalhes” físicos e matemáticos serão a base para vários outros cientistas, principalmente aqueles focados na Saúde.

O processo de aniquilação entre antimatéria e matéria é responsável pela liberação de raios gamas importantíssimos para o PET-CT, o exame mais sensível de detecção de metástase em pacientes com câncer. A sigla PET significa, em inglês, “tomografia por emissão de pósitrons”.

Avançando nas perguntas basilares da antimatéria, Lenz e equipe seguem os passos de tantos outros pesquisadores que mudaram o mundo. A teoria da relatividade culminou nos GPS e relógios quânticos, e a mecânica quântica permitiu a criação do transistor e toda a rede de internet, celulares e computadores.

“É bacana saber que a gente está fazendo uma coisa que é histórica”, orgulha-se.

 

 

Páginas Azuis: Claudio Lenz César

O professor Claudio Lenz César já foi entrevistado pelo O POVO nas Páginas Azuis. Leia a entrevista na íntegra abaixo:

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