O efeito dos vitrais de igrejas inspiradas no estilo gótico é único. O sol bate nos vidros coloridos e, de repente, hipnotizam com a dança multicor da luz dentro das catedrais. O resultado vem do trabalho incansável dos artesãos que aperfeiçoaram a moagem de diferentes compostos para alcançar cores como o laranja, o vermelho, o roxo e o verde (essas, usando ouro).
Da mesma forma, os egípcios do passado produziram o pigmento sintético mais antigo já registrado na história da humanidade: o azul egípcio (silicato de cobre e cálcio). Simbolizando realeza e divindade, esse pigmento e os vitrais compartilham a mesma origem científica — a nanotecnologia.
Tudo bem, há mil e tantos anos a nanotecnologia não era um conceito, mas ela já era utilizada. Afinal, materiais nano são, simplesmente, aqueles com tamanho entre um e 100 nanômetros (nm). É o mesmo que ver, no papel, nove zeros atrás da vírgula. Ou, comparativamente, “o grão de areia está para a praia como um nanômetro está para um metro”.
Desde os anos 90, os nanomateriais deixaram de ser uma existência desconhecida e viraram foco de inovação científica. Hoje em dia, ela está em eletrônicos como computadores e celulares, e também em outros artigos do cotidiano, como os protetores solares.
Para responder, vale lembrar que a escala nanométrica (por ser um universo pequeno) é dominada pelos fenômenos da física quântica, incluindo o efeito da superfície. “Se você pegar uma sala de aula de 200 cadeiras e contar as cadeiras que estão perto da parede, vai dar um certo número comparado, vamos dizer que 50 estão próximas da parede. Então eu vou dizer que essas 50 representam a superfície da sala”, começa a explicar o professor
“Se eu diminuir o tamanho da sala para cinco cadeiras, então o que vai acontecer é que quatro cadeiras estão próximas da parede. Os nanomateriais dependem muito da superfície”, conclui. Ou seja: grande, a superfície representa apenas 25% da sala. Pequena, o valor sobe para 80%! É justamente essa ampliação da superfície que ajuda a nanotecnologia.
E muitas vezes a redução do tamanho vem com uma mudança na estrutura morfológica dos materiais. “Vamos dizer que você tem uma esfera de um material que é ótimo para fazer um corante”, propõe o químico Ricardo Tranquilin, pesquisador associado do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF/Fapesp).
Essa esfera, quando analisada em nível nanométrico, começa a apresentar estruturas em formato de placas. Após muitas análises, você descobre que essas estruturas em placa potencializam o efeito da superfície, e, por consequência, a qualidade do corante. A partir daí, começa-se a utilizar nanotecnologia para realçar as propriedades morfológicas do material.
Além do setor de eletrônicos, a nanotecnologia tem servido muito às pesquisas e inovações em saúde e meio ambiente. Mas antes de abordar isso, vamos mergulhar no universo nanométrico:
Essas imagens são algumas das finalistas de 2020 na NanoArtography, uma competição científica internacional que combina nanociência e arte.
“A gente tenta puxar para o nosso mundo macro o que a gente vê, para as pessoas poderem fazer associações”, conta. “Eu e o Ronivaldo (técnico do laboratório que contribui com as nanoartes) chegamos a fazer exposições em escolas de ensino fundamental, médio e até em faculdade… E são pessoas que não tiveram acesso (à nanociência), mas perguntam o que é, qual o material, o que têm esses materiais”, orgulha-se.
A nanotecnologia tem sido aplicada na saúde desde os anos 80, no desenvolvimento de medicamentos. Alguns para tratamento de câncer, por exemplo, conseguem utilizar a ferramenta para garantir que os produtos atinjam células específicas. Como células cancerígenas costumam ter pH ácido, é possível desenvolver substâncias que afetem apenas as partículas com mais acidez. Quem explica é a química Regina de Paula, professora no Laboratório de Polímeros do departamento de Química Orgânica e Inorgânica da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A tecnologia também pode garantir que os remédios sejam mais eficazes e menos tóxicos. Para o tratamento da leishmaniose, uma doença infecciosa causada pelo protozoário leishmania, o fármaco usado era pouco solúvel e acabava agredindo os rins, por necessitar de alta dose. Mas com a nanotecnologia, os cientistas conseguiram criar um medicamento revestido por uma camada externa hidrofílica — ou seja, mais solúvel —, o que ajudou a reduzir a quantidade necessária.
De acordo com Regina, já existem 50 medicamentos aprovados como nanos e 60 em testes clínicos. O problema é que o custo de produção e pesquisa usando a técnica é caro, exigindo mais investimento na ciência. “É uma área competitiva, em que o número de patentes sobe exponencialmente com a nanotecnologia nos fármacos. No Brasil, o problema é a falta de recursos e os cortes (na ciência) estão atrapalhando”, analisa a pesquisadora.
Durante a pandemia, a nanotecnologia também mostrou seus potenciais. Muito provavelmente você se deparou com notícias sobre tecidos que matam o vírus Sars-Cov-2. Para isso, usa-se nanopartículas de prata, um agente sanitizante. O metal também foi utilizado, na mesma função, em outros materiais além de tecidos, como em máscaras e em produtos de limpeza.
Até mesmo as vacinas podem ter um detalhe de nano aqui e ali. As vacinas de RNA mensageiro, uma revolução na Medicina que veio justamente contra a Covid-19, têm um invólucro de nanopartículas em volta do RNA para protegê-lo; isso pode ser chamado de nanocápsulas.
Os maiores desafios do mundo na modernidade estão relacionados à crise climática, impulsionada pela poluição, entre outros fatores. Já em 2004, o químico Frank H. Quina, membro titular da Academia Brasileira de Ciência (ABC), escreveu uma carta à revista científica Química Nova comentando as potencialidades e riscos da nanotecnologia para o meio ambiente.
“As três principais áreas nas quais podemos esperar grandes benefícios provenientes da nanotecnologia são: na prevenção de poluição ou dos danos indiretos ao meio ambiente; no tratamento ou remediação de poluição; e na detecção e monitoramento de poluição”, definiu na carta.
Conforme o professor Antonio, o fato de os nanomateriais terem muita superfície e pouco volume os transforma em bons sistemas de absorção e filtração. “A aplicação é muito grande na absorção de poluentes, principalmente na água. A vantagem é que você trabalha a superfície para ter a propriedade química que você deseja”, afirma.
Por outro lado, a carta de Quina pontua que as nanopartículas podem ter o efeito contrário ao serem lançadas no meio ambiente, já que o tamanho reduzido facilita a difusão delas na atmosfera, nas águas e no solo. Além disso, "pode facilitar também a entrada e o acúmulo de nanopartículas em células vivas", como já ocorre em maior escala com os microplásticos.
"A nanossegurança é um assunto levado muito a sério, porque a toxicologia clássica não serve para analisar os efeitos das nanopartículas", destaca Antonio. Nesse caso, as metodologias são readaptadas, e os produtos sempre são submetidos aos critérios das agências reguladoras. "Uma coisa interessante é que os nanomateriais nunca são utilizados de forma livre. Eles são imobilizados", destaca.
“É claro que, uma vez descartados ao ambiente de forma não segura, eles são perigosos também”, analisa. Para o cientista chefe, isso apenas reforça a importância da ética e da regulação nacional e internacional adequada do descarte dos materiais.
Bom, fato é que, como muitas outras tecnologias, o universo nano resguarda inovações ao alcance da imaginação. Além das aplicações científicas, o nano expande as percepções humanas sobre o mundo em que vivemos e de quê ele é constituído — basta admirar as artes desta matéria.
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