Com a contagem de mortos ultrapassando os seis mil, a guerra entre Israel e o Hamas completa três semanas neste 27 de outubro. No dia 7 de outubro de 2023, o grupo Hamas, da Palestina, bombardeou Israel e vitimou 1.400 pessoas. Desde então, o estado israelense reforçou os ataques em território palestino, especialmente na Faixa de Gaza, causando a morte de mais de quatro mil palestinos. Entre os feridos, a contagem ultrapassa 15 mil de palestinos em Gaza e quatro mil israelenses.
No entanto, o conflito entre os territórios tem 75 anos, reforçado pela criação do estado de Israel e a consequente ocupação — em muitos casos ilegal — de Israel na Cisjordânia, território reconhecidamente palestino.
Essa é a sexta guerra envolvendo as nações desde o século XX: Primeira Guerra Árabe-Israelense, a Guerra de Suez, a Guerra dos Seis Dias, a Guerra de Yom Kippur e a Segunda Intifada (anos 2000).
Entre fake news e um embate de narrativas, o mundo se dividiu entre defender Israel e lutar pela liberdade da Palestina. O Brasil esteve à frente das tratativas de resoluções sobre a guerra no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), mas o projeto foi vetado pelos Estados Unidos por não mencionar "o direito de Israel de se defender". Foram 12 votos a favor e duas abstenções (de Rússia e Reino Unido) ao documento.
O país brasileiro se coloca em defesa do cessar-fogo, e o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) já afirmou em discursos que apenas uma Palestina livre trará paz à região.
Nos últimos cinco anos, o Brasil recebeu 845 migrantes dessas nações, sendo 532 palestinos e 313 israelenses. A maioria dos migrantes é familiar de refugiados reconhecidos pelo estado brasileiro, que chegaram ao País antes de 2018.
Morando no Brasil, palestinos e israelenses acompanham a guerra pelos noticiários e pelas redes sociais, em contato incessante com familiares ainda na zona de conflito. O POVO+ conversou com um palestino e um israelense residentes no Brasil para compartilharem relatos sobre a vida, a dor e a guerra envolvendo as nações. A seguir, você terá acesso à transcrição editada das entrevistas, sem intervenções adicionais da reportagem.
Eu me chamo Kais Husein, sou palestino, descendente de palestinos, nasci no Rio Grande do Sul. Sou formado em Jornalismo, sou fotógrafo e ativista pela libertação da Palestina e pelos direitos da diversidade no Brasil e na Palestina.
Eu cresci numa casa de árabes palestinos muçulmanos e a cultura palestina é intrínseca na nossa vivência, mesmo eu crescendo em solo brasileiro. Desde pequeno, eu visito a Palestina. Só que quando a gente é pequeno, a gente não entende o que é o conflito, o que é um apartheid, o que é humilhação, opressão. A gente sente, mas não entende.
Durante a minha vivência eu já passei por situações constrangedoras e opressoras pelas forças de ocupação israelenses. Eu já tive que me submeter a checkpoints para poder passar para Jerusalém, e vi os soldados da ocupação apontando uma arma gigante para minha mãe, ameaçando ela de prisão sem motivo. Já vi movimentos pacíficos com pré-adolescentes e adolescentes se tornarem conflituosos por conta de repressão militar israelense sobre o povo palestino. Eu vi muita coisa que me fez questionar se o povo palestino merecia passar por tudo aquilo e o porquê.
Quando a gente fala sobre a Palestina, e eu trago muitas a questão do 7 de outubro, a gente precisa entender que essa escalada do Hamas não vem da noite para o dia. São 75 anos de humilhação, opressão e apartheid. Somente quando a população entender esses contextos, ela vai compreender a escalada de ódio por parte dos palestinos com a repressão colonial.
Porque esse ódio não foi estruturado há 10 dias, há duas semanas. Ele vem de um povo que foi injustiçado durante a história e que teve sua voz calada mundialmente. Afinal, por mais que as organizações internacionais criem relatórios e apontem os erros e falhas de Israel, elas nunca sancionaram Israel de uma forma justa. Israel passa diariamente a cometer mais crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
O meu ponto como ativista palestino é entender onde a humanidade se tornou desumana, onde começamos a aceitar que uma boa parte de civis inocentes sejam assassinados.
Enquanto outra parte que infelizmente foi assassinada pelo Hamas (que é, sim, um grupo terrorista) se torna mais importante, como que a gente coloca isso numa balança e acha que um ser humano é mais valioso que outro?
E é injusto para ambos os lados, porque eu acredito muito que todos os civis inocentes e que são manipulados por um sistema colonial são vítimas, porque a gente tá falando sobre colonização, assentamento ilegal, ocupação. Estamos falando de genocídio neste momento. Estamos vendo isso de forma calada, mais de cinco mil palestinos mortos.
Ao mesmo tempo vemos, em um mundo ocidental, as pessoas zombando e pedindo mais. Pedindo mais força, mais brutalidade à população palestina de Gaza que já vivia em bloqueio desde 2005 e passou para uma prisão a céu aberto em 2007.
Eu estive na Palestina entre 2020 e 2021 na pandemia, fui para cuidar da minha avó. Ela, infelizmente, faleceu por Covid-19 enquanto os israelenses estavam tomando vacina. A gente tem que entender que a Palestina está sob colonização e Israel controla todas as entradas e saídas de qualquer coisa. Enquanto a população israelense estava sendo vacinada, a vacina da Covid-19 era negada aos palestinos. E a minha avó foi infectada pela Covid e faleceu por conta da falta de saneamento básico em hospitais palestinos, porque não temos os mesmo direitos de recursos básicos de saúde para poder ter um hospital limpo, com fornecimento de remédios e medicamentos eficazes. A gente teve que criar locais para colocar a população Palestina em quarentena, foi um negócio terrível de ver, a população morrendo na frente dos nossos olhos. Eu peguei Covid. Quase morri, tive problema respiratório e só aguentei para tentar ajudar minha avó também nesse processo.
Foi muito revoltante porque logo após que a minha avó faleceu, Israel decidiu entregar as vacinas, mas já quase no seu vencimento. Vocês têm noção dessa atrocidade desumana? Quando a gente fala de desumanidade, é isso. A gente vê aquelas cidades palestinas em chamas, com ataques sendo apoiados pelo próprio primeiro-ministro israelense que fala e repete sobre a aniquilação de palestinos. Que desumaniza corpos palestinos e fala que nós somos animais.
Infelizmente, eu venho recebendo denúncias de amigos que vivem na Europa e nos Estados Unidos que simplesmente estão perdendo emprego porque o chefe não apoia a causa da Palestina. Os palestinos são linchados dentro de escolas e universidades, são chamados de terroristas.
Estamos vendo uma falta de interpretação das narrativas quando a gente coloca quem são os reais terroristas. Porque, no meu ponto de vista, os reais terroristas são países coloniais imperialistas que têm um ódio inteiro a pessoas que são de cores diferentes, de raças e etnias diferentes, desvalorizando o corpo do não branco e valorizando o corpo do branco. Então, se eu não sou branco, eu valho menos. Se eu morrer hoje, amanhã eu sou nada. Eu sou somente um número, um dado.
É revoltante e as pessoas precisam entender essa revolta do povo palestino.
A dor dos palestinos é uma dor conjunta. Nós, aqui na diáspora, estamos proibidos de voltar aos nossos territórios, dos nossos ancestrais. E a gente tem que ver os nossos familiares, amigos e toda a nossa população morrendo nesse genocídio televisionado e repugnante. Por uma mídia hegemônica, que preferiu ficar parcial ao conflito e a todo esse sistema negligente. Eu como jornalista fico indignado quando vejo que a narrativa da agenda não muda.
Eu quero um dia ainda estar vivo para ver a Palestina sendo livre e poder ir ao meu território em paz. Sem ter que parar em um checkpoint humilhante, sem ter que passar por catracas para poder ir para Jerusalém. Sem ter que passar por uma humilhação de um soldado da ocupação, sem ser apedrejado por um colono ilegal israelense que está colonizando e roubando o território do meu povo.
Pequenininho eu não entendia o que era uma ocupação, para mim era tudo normal. Mesmo lá sendo tão violento quanto agora, as memórias de infância são de brincar, de viver com a família em tradição.
Quando eu fui agora dessa vez, eu percebi que os meus primos, que tinham todos aqueles sonhos e metas, têm agora uma percepção de vida muito diferente da minha. Eles não têm esperança. Agora eu entendo quando eles falam que as crianças palestinas não têm infância e de que os jovens não podem crescer sendo jovens. Para eles aquilo é comum, aquela humilhação toda é constante. Eles já não têm mais esperança, e para a gente é revoltoso.
Se as pessoas tiverem um pouco de senso e saírem um pouco dessa ignorância, podemos lutar por todas as vidas humanas. A gente tem que dar o direito à vida e mostrar para os nossos governantes que eles estão errados em apoiar uma guerra, em apoiar um genocídio, porque isso que vai acontecer. A quantidade de mortes que vai sair daí vai ficar marcado na história como genocídio palestino. E é disso que as pessoas não estão preparadas para ver, essa culpa as pessoas não querem levar. Mas elas vão levar se continuarem cúmplices, se não exigirem dos seus os seus governantes a criminalização de Israel também.
A gente precisa pelo menos lutar pela humanidade, lutar pelo direito das pessoas de viver, de acordar de manhã, respirar e não levar uma bomba na cara. Eu quero estar numa Palestina livre junto com a minha família, com meus amigos, eu quero estar feliz tendo liberdade dentro da Palestina. É isso que a gente busca, é por isso que a gente grita “Palestina livre”.
Meu nome é Haim Erel, sou israelense, sou médico e moro em Fortaleza há mais ou menos uns 40 anos. Nasci em Israel: é um país fantástico. Israel é um milagre do século XX. De uma terra totalmente inóspita, que só tinha pedra e areia, virou um paraíso tanto na parte agrícola, como na parte tecnológica. Israel hoje detém muitas patentes mundiais, inventou muitas coisas que provavelmente você já viu, o telefone celular, microcâmeras, o Skype, o Waze… Tanto na vida normal da gente como na medicina, e como na tecnologia. É um país que inventa, é um país vibrante, que você tem uma vida social, tem uma vida cultural muito intensa.
Há um ou dois anos, Israel foi considerado um dos países mais felizes do mundo, mesmo com toda a tensão que a gente vive. Economicamente, foi um país que saiu da pandemia de Covid-19 de uma maneira até muito melhor do que muitos outros países. E você vê que a renda per capita é um dos maiores que tem. Ou seja, é um país muito legal para se viver.
Ver as notícias de 7 de outubro foi chocante. Foi uma surpresa muito grande para todo mundo, a maneira que isso aconteceu, a brutalidade. Porque jogar mísseis a gente tá acostumado, se é que dá para dizer que dá para se acostumar com uma coisa dessas… E o mundo calado, porque era todo dia, toda semana eles jogam mísseis e ninguém faz nada. Então de vez em quando existe uma explosão, de vez em quando o Hamas dá uma trégua, mas não é uma vida normal.
Eu quero lhe dizer uma coisa, para vocês aqui no Brasil é muito difícil imaginar a dimensão do espaço, mas é como se você estivesse aqui na Aldeota e no Dionísio Torres tem o Hamas jogando uma bomba na sua casa. As distâncias são essas. Para você ter uma ideia, da Faixa de Gaza para Tel Aviv são 60 e poucos, 70 quilômetros de distância. Ou seja, Pecém para Fortaleza, entende? As distâncias são muito curtas e todo mundo sente isso. O pessoal que sofreu muito agora também foram aqueles kibbutzim e moshavim que vivem em torno do Gaza, a vida diária deles era de bombas.
É até difícil descrever esse dia a dia, né? Todos esses anos, desde que o Hamas assumiu a Faixa de Gaza em 2007, se não me engano, ele recebia muito dinheiro da Organização das Nações Unidas (ONU) e de países árabes. Israel deixava centenas de milhares de árabes palestinos trabalhar para ter o sustento deles.
Todo esse dinheiro a mais, todos esses anos fez uma coisa: fortalecer militarmente, em vez de dar o benefício. Porque com todo esse dinheiro dava para fazer a Faixa de Gaza uma pérola; eles recebiam, se não me engano, em torno de 800 milhões de dólares. Dá para fazer muito numa faixa de terra tão pequena… Eu não me lembro exatamente, mas são números astronômicos. E a única coisa que fizeram foi exatamente para criar mais armamento, mais túneis.
E onde estão esses túneis? Abaixo de casas e prédios de civis, abaixo de mesquitas, abaixo de hospitais e colégios… E você nota isso, quando você vê disparos dos mísseis, você vê que eles saem de área totalmente populacional, de área civil, não saem da base militar. É um grupo que só tem um objetivo, eliminar o Estado de Israel.
Ou seja, fica muito difícil você fazer um acordo com um grupo desse, que o tempo todo prega para destruir você. Hoje a população de Gaza sofre muito em todos os aspectos. Primeiro porque eles são escudo humano desse grupo terrorista, e não existe outro nome pra isso. As atrocidades que fizeram no dia 7 de outubro; mataram por matar, mataram crianças, com maior requinte de perversidade… Não passa na minha cabeça como um ser humano pode chegar, amarrar pai e filho e queimar vivos. São requintes de crueldade que realmente não existem, só animal pode fazer isso. O que está acontecendo hoje em Gaza é a repercussão disso.
Por que Israel não dá energia? Como é que eu vou alimentar o meu inimigo? Em todos esses anos, a energia que é fornecida à Gaza vem de Israel. O combustível, a maior parte da alimentação, chegava de Israel. Em vez de usar isso aqui para o bem, usa para o mal. Então como é que o mundo quer que eu forneça energia para aquele que fez todas essas atrocidades?
O que impede o Hamas de devolver todo aquele combustível que ele roubou das bases da ONU na Faixa de Gaza, porque não estão pedindo isso? É muito difícil a gente aceitar ser bonzinho novamente. A gente sofre com todas as baixas que tem também entre os palestinos, porque a verdade é que eles escolheram o Hamas… Em uma eleição livre, não vou dizer democrática, mas ele é representante deles. Então que venham pedir as coisas do próprio grupo Hamas.
Eu sinto muito por tudo que está acontecendo. Lhe garanto uma coisa: ninguém quis essa guerra. Israel com certeza não quis. Essa guerra foi imposta e hoje a finalidade é realmente dizimar esse grupo terrorista, porque Israel é a entrada… Na verdade, esse aqui é um filhote do Irã, que todo mundo sabe que é o eixo do mal hoje. E a gente vê o que tá acontecendo na Europa com esse aumento do islamismo e o terrorismo que acontece. Então se esse grupo precisa ser exterminado.
Toda minha família mora em Israel. Todo dia a gente conversa, todo mundo está tenso, mas garanto que mesmo com a tensão lá, eles vivem de uma maneira muito melhor do que a gente aqui, que tá muito longe e recebe notícias. O povo lá está muito unido. Nos últimos meses, houve muitas manifestações contra o governo, mas agora o povo está altamente unido porque tem uma meta, derrubar o Hamas. Ninguém quer vingança. Querem derrubar porque sabem que se não derrubarem esse grupo terrorista, como o povo vai voltar para casa deles novamente na fronteira? Sabendo que do outro lado tem aquele grupo?
Na realidade, existem muitas fake news vindo do Hamas. Vou dar o exemplo do hospital que foi bombardeado. A primeira notícia, em menos de meia hora o Hamas publicou que tinham 500 mortos e foi um míssil israelense. Primeiro que você não consegue contar 500 mortos em meia hora no hospital. Segundo, foi comprovado que foi um míssil árabe que foi jogado, mas teve uma falha e caiu em cima do hospital. Pode pesquisar, a taxa de falha dos mísseis deles é 20% ou 25%, os próprios mísseis jogados para Israel cai em territórios deles também.
O exército de Israel é muito eficaz e muito preciso, e eu não conheço um exército tão humanitário quanto o de Israel. A gente manda recado antes de bombardear um prédio, mesmo sabendo que a gente perde a parte da surpresa. A gente faz isso, mas o Hamas não deixa sair exatamente para servir como escudo. Mas é guerra, não existe uma guerra sem baixa de todos os lados. Lhe garanto uma coisa, ninguém quer essas baixas, porque o israelense vai entrar mais e vai entrar em Gaza e vai ter também baixa da nossa parte. E se todo mundo já sente as 1.400 pessoas que morreram, imagine se morrer mais 500, 600, 800 soldados… Vai ser um trauma muito grande. Na verdade, essas 1.400 pessoas foram massacradas, hoje não tem nenhuma pessoa em Israel que não tenha alguém conhecido entre essas pessoas, entende? Todo mundo sofre e todo mundo está engajado nisso.
Como qualquer israelense, eu quero paz. Todo israelense, quando se encontra com alguém ou quando se despede de alguém, diz uma coisa: shalom. Quer dizer, paz. A gente quer isso, a gente tem isso no nosso subconsciente. Lamentavelmente, eles não querem isso, e não é os palestinos que não queiram, mas esse grupo.
Artigo de opinião
por Kamila Fernandes*
Há uma máxima que diz que a primeira vítima de uma guerra é a verdade. Mas não é exagero dizer que nem precisaria de uma guerra com armas e bombas para decretar a morte da verdade nos dias atuais. Infelizmente, as redes sociais se transformaram em um amplificador do confronto de “verdades”, exibidas com imagens chocantes, declarações e outras provas que, a uma primeira impressão, parecem irrefutáveis, mas que mascaram interesses políticos e econômicos.
Em uma guerra com armamento pesado, porém, a morte da verdade também significa a morte de seres humanos. Um exemplo recente: a informação de que o grupo terrorista Hamas não só matou e sequestrou várias pessoas, mas decapitou 40 bebês, gerou revolta dentro e fora de Israel, servindo de justificativa para a reação ultraviolenta dos israelenses contra os palestinos da Faixa de Gaza.
Quando procuramos a origem da informação das decapitações, não há imagens e tudo o que se sabe é absolutamente inconsistente: a notícia surgiu de uma repórter de um canal israelense, que ouviu essa informação de um militar (também israelense), que não apresentou qualquer prova da ocorrência. Tudo foi baseado em sua fala.
No fim, nas redes sociais, se houve ou não as decapitações de bebês pouco importa: o efeito de gerar revolta e ampliar o ódio contra os palestinos foi alcançado e ultrapassou os limites geográficos da região em conflito, ao ponto de a história ser mencionada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, como argumento para defender o “direito de reação” de Israel, que na prática significa o direito de bombardear aleatoriamente Gaza.
De posse da “verdade absoluta”, as pessoas que se envolvem em certas causas parecem cada vez mais dispostas a defender o que acreditam de forma agressiva e até odienta. Não basta condenar a guerra ou um adversário político: as convicções geram ojeriza em relação ao outro, o que se transforma em antissemitismo, ou islamofobia, ou ainda racismo, xenofobia, entre tantas outras expressões de ódio que temos visto se multiplicar no mundo atual. E do discurso chega-se às práticas mais absurdas, como ataques armados contra pessoas desconhecidas, apenas porque elas representam esse “outro”.
O problema é imenso e não tem solução simples, mas qualquer saída só pode começar pela construção de diálogos, que passam obrigatoriamente pela escuta do outro. E essa escuta deve ter como premissa que não há apenas um “outro lado” a ser levado em conta, mas vários. Tendo como exemplo a própria guerra entre Israel e Hamas, temos, para além desses dois atores, os habitantes civis dos dois países, grupos de ambos os lados que se opõem aos extremismos e que lutam pela paz, e gente que sim, apoia a guerra.
Do nosso lado, aqui do Brasil, nos cabe buscar a temperança, baseada na escuta, na busca por mais de uma fonte de informação para confirmar qualquer barbaridade que se propaga pelas redes sociais, e por evitar generalizações contra um povo ou um grupo social. Temos que ter a consciência de que, mesmo com toda essa distância geográfica, se adotarmos uma postura bélica e odienta, alimentada por preconceitos, estaremos contribuindo para agravar ainda mais um quadro humanitário dramático, que no fim das contas só se justifica por certos interesses político-econômicos que inclusive desconhecemos, mas que estão lá, encobertos por meias-verdades.
*Kamila Fernandes é jornalista, doutora em Estudos de Comunicação pela Universidade do Minho, professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará e coordenadora da UFC Informa