Passa do número de dedos das suas mãos a quantidade de mulheres rainhas — não consortes, mas que realmente tinham poder de decisão — que você consegue nomear? Nos livros de história, quantas mulheres são mencionadas como líderes de movimentos catalisadores de grande mudanças no Brasil? Mesmo presentes, elas levam os créditos?
Ao longo de milhares de anos, o conceito de ser mulher na sociedade mudou. Reprodutora, esposa, mãe, cuidadora, símbolo sexual, indivíduo com direitos, vivências sociais e culturais, cidadã. Para vencer o apagamento histórico, é preciso que a lista inclua líderes, chefes e revolucionárias.
Não foram poucas as que sonharam muito além do que lhe era permitido no tempo em que viviam. As Marias, Antônias, Anas e Fátimas que foram pioneiras na política e na dinâmica social que, em primeiro plano parecia ser apenas familiar ou local, mas que foram estratégicas para impulsionar movimentos de libertação não só para outras mulheres, mas para homens também.
Pioneiras, elas inauguraram novos momentos e foram protagonistas de histórias que ecoam. Bárbara de Alencar, Fideralina Augusto Lima, Jovita Feitosa, Preta Tia Simoa, Elvira Pinho, Aldamira Guedes Fernandes, Auri Moura Costa, Heloneida Studart, Maria Luiza Fontenele, Maria da Penha e Cacique Pequena.
Do Ceará, seja de nascimento ou por vivência, elas deixaram marcas com suas trajetórias de vida em períodos ainda mais difíceis para mulheres. E as alcunhas dadas a elas iam, quase sempre, em vias de termos masculinos. Fideralina era “coronel de saia”, Maria Luiza escutava críticas para “diminuir seu ímpeto”.
“Por mais que a gente tenha uma linguagem diferente, uma aceitação diferente, um debate público sobre o lugar das mulheres mais recentemente. Os desafios para as mulheres no espaço público ainda é uma questão. Ainda é recheado de problemáticas. Eu acho que era difícil ter mais participação política e segue sendo”, avalia Gleidiane de Sousa Ferreira, professora do Curso de História da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA).
Ela destaca que, principalmente na figura de mulheres em cargos de liderança do passado, há uma associação com características masculinas e, a partir disso, uma desqualificação por ocuparem determinados cargos. “Às vezes, as mulheres são nominadas, são tachadas, vistas e desqualificadas a partir desses atributos de masculinidade. Grande parte de tudo aquilo que a gente acha que é relacionado ao poder ou é símbolo de poder, símbolo do espaço público, dessa vida social de quem pode falar tudo é, simbolicamente, na prática, foi entendido como uma equivalência masculinidade”, ressalta.
Ela avalia que essas mulheres que se apropriam dos espaços públicos, mais associados a homens, ao demonstrarem firmeza, convicção em suas ideias e o desejo de seguir suas próprias decisões sofrem repressões. “A gente se pergunta justamente porque uma mulher que é firme, que tem uma voz, uma posição clara na sociedade, que se articula politicamente, que luta pelos seus direitos, que não aceita determinados lugares ou determinadas coisas, essas mulheres são tidas como mais próximas de um comportamento masculino, né? Então quem que definiu que é um comportamento masculino?”, questiona.
“Por que que a luta, a fibra, a certeza, a posição bem demarcada, a segurança numa fala, a segurança da vida profissional, porque que isso não pode ser entendido como atributo também feminino. Há historicamente também uma usurpação patriarcal dos adjetivos usados para pensar no espaço público,”, avalia ainda, ela que é coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa, História, Gênero e América Latina (GEHGAL).
A professora aponta ainda o apagamento das mulheres na História. Preta Tia Simoa e Elvira Pinho, mesmo com participações fundamentais em seus tempos históricos, têm poucas informações disponíveis e são pouco lembradas. Epistemicídio. “A academia tem várias palavras para pensar essa não visibilidade de alguns sujeitos, alguns pensamentos. Isso para mulheres tem pelo menos meio século que dentro da historiografia a gente discute isso”, ressalta ela, ao mencionar o trabalho coletivo que pesquisadoras têm feito para consolidar estudos que resgatam a vida de diversas personagens femininas na História.
“Por que a gente ainda tem invisibilidades? Por que as pessoas conhecem menos a história das mulheres ou sequer pensam sobre a história das mulheres? Por que as pessoas conhecem muito pouco essas personagens que deveriam estar numa memória coletiva das mulheres? Porque há muito pouco interesse público na própria produção histórica profissional”, ressalta a professora.
Se hoje, ainda é desafio para os tribunais eleitorais e para os legislativos aumentar a presença feminina na política, há 100 atrás quase impossível. Isso porque fazem 90 anos que mulheres podem votar e serem votadas. O voto feminino no Brasil foi reconhecido em 1932 por meio de decreto e ainda com diversas restrições. A possibilidade só foi incorporada à Constituição de 1934, ainda facultativa. Em 1965, mais de 30 anos depois, tornou-se obrigatório, sendo equiparado ao dos homens.
O fato atrasou em décadas, quase um século, o engajamento das mulheres na tomada de decisões da vida pública. Para se ter um parâmetro, o número atual de prefeitas à frente de gestões cearenses representa apenas 16,85% dos municípios do Ceará, um índice superior à média nacional, que é de 12%, mas bem longe dos 51% de mulheres no Estado. A bancada no legislativo, entre federal e estadual, é a maior já registrada, mas fica na casa dos 17%, ocupando 12 das 68 vagas em disputa no Estado.
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