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A visita começa no nemorial Rosita Paiva - inaugurado em 2023, e que abriga os pertences da religiosa nascida no Amazonas, em 1909, criada em Fortaleza - co-fundadora da congregação das Josefinas e responsável por espalhar 64 comunidades em boa parte do Nordeste e Norte do Brasil.
À esquerda da sala, a cama estreita de madeira escura está coberta por um lençol branco onde repousa um rosário. Ao lado, a mesinha de estudos de dona Rosita (1909–1991) expõe alguns dos seus objetos pessoais: porta-canetas, blocos de papel, os óculos. Num armário, os vestidos de corte reto acinturados com bolsos laterais ainda guardam um azul tão novo que parecem à espera da religiosa.
Nas paredes do memorial as fotos contam a história da freira Josefina que figura no rol dos brasileiros que devem se tornar santos. Atualmente, é considerada serva pela Igreja Católica. Este é o primeiro degrau do processo que poderá levá-la ao altar.
A conversa segue para a capela, a dois passos do memorial. Ambos estão na Casa Mãe, lugar onde Rosita Paiva morou a maior parte da sua vida em Fortaleza. Ladeados na capela estão os restos mortais da religiosa e do monsenhor Luiz Rocha (1886–1949), sacerdote que a acompanhou durante toda a vida de religiosa e, com ele, fundou a congregação das Irmãs Josefinas.
A filósofa e josefina Marly Carvalho, professora de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (Uece) é quem está responsável para narrar a história de dona Rosita que será analisada pelo Vaticano para o processo de canonização. E, segundo ela, os fatos em torno da religiosa a têm surpreendido. “A gente está descobrindo muita coisa que ela não contou pra gente. Por exemplo, dona Rosita só se tornou religiosa aos 40 anos”.
Bem antes de ser josefina, Rosita Paiva já havia se firmado como educadora em Fortaleza. Estudou no Colégio da Imaculada Conceição na mesma época da escritora Rachel de Queiroz (1910–2003), formou-se professora e trabalhou em várias escolas em Fortaleza, além de atuar como jornalista, escrevendo para o jornal O Nordeste, reduto dos intelectuais religiosos de sua época. Entre as centenas de artigos e cartas do acervo deixado por dona Rosita, encontram-se textos nos quais ela defende o voto feminino e uma pedagogia moderna para as escolas da Cidade.
Marly Carvalho também conta que as josefinas inovaram ao se tornarem freiras sem a tradicional vestimenta do hábito. A perseguição e a violência praticadas contra religiosas no México, nos anos de 1920, fizeram monsenhor Luís Rocha idealizar um grupo de moças leigas com atuação religiosa vivendo normalmente em sociedade, a fim de protegê-las em caso de perseguição política. No início, eram apenas sete mulheres e dona Rosita era uma delas.
“O processo foi para o Vaticano, mas não foi aceito dessa forma. Para ser uma congregação, teriam de se reunir numa casa e foi assim que começou a Congregação das Josefinas”, afirma Marly Carvalho, doutora em Filosofia, e que se tornou a primeira mulher a ser professora no Seminário Teológico Católico da Prainha, hoje Faculdade Católica de Fortaleza.
A filósofa conheceu dona Rosita quando era adolescente, aos 14 anos, em Pinheiros, no interior do Maranhão. A religiosa visitava o município como parte do seu trabalho de evangelização e expansão das comunidades josefinas.
“Meus irmãos achavam que se eu fosse ser freira, teria de interromper os estudos e eu gostava muito de estudar. Falei com dona Rosita sobre minha vocação, mas também sobre o desejo de continuar estudando. Ela disse, sim, você continuará seus estudos”. Marly cumpriu todo o processo de formação religiosa ao mesmo tempo em que seguia os estudos acadêmicos até doutorar-se em Filosofia, em Roma.
Mesmo antes de sua morte em 1991, dona Rosita já era chamada de “santa” pelas religiosas que a rodeavam e pela comunidade eclesial, incluindo padres e bispos, conforme Marly. A morte dela intensificou o movimento para torná-la santa.
A disponibilidade para o serviço religioso, a obediência à Igreja e aos sacerdotes, a liderança na expansão da comunidade das Josefinas, a busca incessante pelas vocações religiosas e o cuidado que tinha pelas pessoas em situação de vulnerabilidade fizeram de dona Rosita um exemplo de amor pelo próximo.
Marly Carvalho aponta ainda o que ela chama de "virtudes heróicas" de Rosita Paiva. “Ela vivia da Providência Divina. Era pobre. Não tinha nada dela. Dormia nessa casa, num quartinho aqui atrás. Era uma casa bem pequena, que depois foi ajeitando. Ela tinha uma fé inabalável e a caridade estava acima de tudo. Quando ela ia falar para nós, citava a carta de São Paulo aos Coríntios (I Coríntios, capítulo 13) e dizia que a caridade é a maior das virtudes. Ela viveu a pobreza, a castidade, a obediência”, relata Marly Carvalho.
Levar dona Rosita ao altar dos santos exige um processo em que a filósofa Marly está envolvida como vice-postuladora junto a mais dois religiosos — um postulador e outro vice. No momento, estão escrevendo um memorial sobre a vida da religiosa. A divulgação do processo e das graças alcançadas com mediação de Rosita também faz parte do ritual da Igreja, assim como um milagre comprovado.
“Ela merece chegar aos altares para mostrar como é possível, porque viveu a palavra de Deus, sim”, enfatiza. “Embora isso seja o que o coração e a inteligência da gente dizem, ter Rosita como santa é bom também para o Brasil. A gente pensa que só existem pessoas santas na Europa, mas não. Estamos mostrando que no Brasil nós temos pessoas santas, que realmente merecem o nome de santidade”, explica a filósofa.
Atualmente, está em processo de canonização a jovem cearense Menina, vítimas de feminicídio. Com dona Rosita, o processo de santificação aconteceu durante toda a sua vida. Segundo Marly Carvalho, a religiosa se tornará santa por amor.
As histórias de três mulheres que se tornaram ícones religiosos no Ceará são o tema do novo filme do O POVO+. Lançado no dia 17 de junho, na plataforma de streaming do Grupo de Comunicação O POVO, o documentário “Ela não queria ser santa” relembra a trajetória de Maria de Bil, Mártir Francisca e Menina Benigna.
Com depoimentos de parentes, amigos e populares que conviveram e conheceram as três personagens, o filme também discute a responsabilidade dos homens que assassinaram Maria, Francisca e Benigna, mas que, devido ao "imaginário popular e inconsciente coletivo dessas histórias" são tratados como se estivessem tomados por uma entidade maligna.
"Ela não queria ser santa" foi gravado nas cidades de Aurora, Várzea Alegre e Santana do Cariri e registrou momentos emblemáticos da história de cada mulher que foi santificada.
Um dos destaques na produção é a primeira procissão da Menina Benigna após a beatificação pelo Papa Francisco. Confira o trailer a seguir e assista ao filme completo no O POVO+: