Quase 350 mil seguidores testemunharam a promessa do artista Gabriel Lúcius, de Salesópolis (SP): plantar 465 árvores até o final de 2024. O número foi calculado a partir de uma premissa simples, mas difícil de ser explicada em palavras. É o que a matemática chama de escala logarítmica.
Se com 1 ano ele plantasse uma árvore e com 2 anos plantasse duas árvores, ele teria contribuído com o plantio de três árvores. Se ele fizesse isso ano após ano, ao alcançar os 30 anos, Gabriel já teria plantado 465 árvores ao todo.
O cálculo mexeu a consciência do artista. Ele estava crescendo nas redes sociais em razão dos murais de pássaros e dos conteúdos a favor da causa ambiental, mas à medida que chegava seu aniversário, a comichão virou um projeto. Afinal, ele nasceu no dia 21 de setembro, Dia Nacional da Árvore.
“O desafio da árvore é muito difícil de começar”, concorda o também influenciador digital e guardião da natureza. “Mas você vai aprendendo, errando e plantado. É viciante, igual fazer tatuagem.”
Por mais que a meta seja numericamente intimidadora, a verdade é que ela acaba funcionando como motivação em um contexto utilitarista. O valor da natureza é constantemente atrelado aos serviços que ela presta para a humanidade, raramente pelo direito intrínseco à vida.
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Da mesma forma que se criam metas de leitura anual, contabilizam-se os dias idos à academia e contam-se os passos diários, é possível adicionar no rol de metrificações o número de plantas fixadas ao solo. “Então você passa a perceber que está plantando vida”, descreve Gabriel.
“A gente tem muito o pensamento utilitário, de plantar coisa que vamos consumir… Mas nem sempre precisa ser útil (para o humano)”, pontua. “Outro dia, a gente plantou uma árvore que é frutífera, mas uma fruta que a gente não come, só passarinho. Olha, eu tô contribuindo para um ecossistema. A meta mesmo é mais para (forçar) o humano (para a ação).”
Até o dia 16 de dezembro, Gabriel plantou cerca de 160 árvores, a maioria no quintal de casa. “Esse é o mês que a gente vai meter o louco, vamos plantar 300 árvores. Tem que ser! A plantação vai começar forte”, garante.
Parte do desafio tem sido arrecadar fundos para adquirir mais mudas, e uma das soluções foi abrir a loja virtual De Papo Cheio, com artes e adesivos limitados. A loja está em funcionamento, apesar de uma semana antes do lançamento a gráfica responsável pela impressão dos produtos ter sofrido uma inundação e ter perdido metade da produção de Gabriel.
Como todo viral, Gabriel conquistou 30 mil seguidores no Instagram do dia para a noite. O contexto era o seguinte: formado em Letras, ele decidiu não seguir a carreira de professor. Sempre foi artista e, de adolescente, encantou-se pela imagem do artista “boêmio”, o que o motivou a perseguir o ideal.
Aos 25 anos, faculdade finalizada, atuou por um ano como tatuador… Mas não vingou. “O tatuador é um bicho que faz muito o que a outra pessoa quer, e no começo desse ramo, você faz muito nome, estrela, coisas aleatórias…”, relembra. Enfim, desgostou do cotidiano pintando a pele.
O encanto voltou ao pintar muros. Em meados de 2019, começou a fazer grafite com temáticas ambientais, inspirado na infância de Mata Atlântica beirando o quintal, de nascentes limpas e de aves cantando no amanhecer.
Quando se mudou para Mogi das Cruzes (SP), encontrou um muro cinza em uma praça e pintou um enorme passarinho azul. Era um saí-azul (Dacnis cayana), espécie de ave que Gabriel notou passeando pela praça.
“Então eu coloquei minha camerazinha vagabunda que eu tinha na época para filmar e comecei a fazer o passarinho… E eu dei a maior cagada do mundo de conseguir filmar a interação com a dona do muro”, relembra o artista.
Era Viviane Sanchez, dona do estúdio de pilates onde Gabriel pintava, desavisado. Ela sentiu o cheiro da tinta e, informada por uma aluna de que um rapaz estava na praça focado no muro, foi para o fundo averiguar.
“Ela falou assim: ‘Que você tá fazendo aí?’, e daí na hora, muito sagaz, eu falei ‘um passarinho’. Levantei o folder que eu tava tirando de base e ela abraçou a ideia.” Foi um alívio e uma sorte. Publicado o vídeo, as condicionantes foram perfeitas para viralizar.
Acordou no outro dia com 30 mil seguidores no Instagram, muito além dos “800 seguidores fiéis” para quem ele já produzia vídeos religiosamente.
“Vi que tinha uma oportunidade de ouro na minha mão. Eu tinha ficado um ano fazendo vídeo basicamente todos os dias para ‘ninguém assistir’, mas foi uma grande escola de contação de história, de como fazer roteiro, de como editar vídeo… Aprendi a editar vídeo em 2023, fazendo conteúdo todos os dias”, reflete.
O saí-azul mudou a vida de Gabriel; em agradecimento, ele decidiu melhorar a vida de toda a natureza que pudesse.
“Vejo que tem muita gente que pinta natureza, mas o meu diferencial é que ela é contextualizada. Não dá para separar o artista do seu tempo. E o que os artistas vão falar hoje? De questões sociais, um boom de vozes dos povos originários… Eu olho para o que tá acontecendo no mundo e penso qual espelho vou levantar para o público.”
Do alcance, vem o peso da responsabilidade em promover uma comunicação séria e focada na educação ambiental. O projeto de plantar as 465 árvores também surge do ímpeto de ser um exemplo para o público que o acompanha.
“Nasci no Dia da Árvore, sempre subi em árvore… Na época, as queimadas (no Brasil) estavam em alta, era um assunto que eu tinha que comentar”, explica. No entanto, mais do que focar na dor, ele optou pela esperança e por parte da solução: reflorestar.
Segundo o MapBiomas Brasil, foram queimados 22,28 milhões de hectares entre janeiro e setembro de 2024. O valor é 150% maior que o de 2023, quando 8,88 milhões de hectares foram perdidos pelo fogo. Concentrados na Amazônia, 73% da área queimada correspondia à vegetação nativa, especialmente formações florestais (21%).
“Vai ser um peso que tiro das minhas costas (conseguir plantar as 465 árvores)”, confessa o artista. A próxima meta é plantar mais 5 mil árvores — dessa vez, o valor foi estabelecido para garantir que Gabriel viva até os 100 anos.
É claro, nem todas essas árvores serão plantadas somente pelo artista. Ele recomenda que as famílias e amigos juntem-se para fazer mutirões de plantio, contribuindo com a meta de todos. “Você pode colocar na sua conta uma árvore de plantio coletivo. Até porque é um ato coletivo, não dá pra plantar árvore sozinho”, pontua.
Após a viralização, Lúcius tem publicado vídeos diários sobre arte e natureza. Criou o podcast De Papo Cheio para conversar com especialistas e outros guardiães da natureza sobre educação ambiental, e voltou a viralizar com um corte sobre abelhas idosas.
Nele, Fábio Souza, monitor ambiental do Parque Estadual Serra do Mar - Núcleo Caraguatatuba, explica o ciclo de vida das abelhas da espécie Apis melifera e como elas só saem das colmeias quando estão idosas e viram campeiras.
O vídeo acumula mais de 1.624 comentários. “Até as abelhas têm plano de carreira”, brinca uma seguidora. “Que interessante”, diz outra. “Como ajudar as abelhas que estão em extinção a se multiplicar????”, questiona mais uma.
“Viralizar é meio que uma consequência (do trabalho duro), então eu sempre foco na produção, não no resultado”, destaca o artista. Para ele, os vídeos diários são como produzir 365 filmes ao ano. “Eu sempre tô dormindo com essa questão na minha cabeça (de como seguir inovando). A comunicação é uma arte e eu respiro esse bagulho.”
Por meio da mensagem de proteção à natureza, Gabriel conseguiu alcançar o sonho de viver como artista. Está há um ano trabalhando unicamente com as redes sociais e já consegue pagar um editor para os podcasts. Com o grafitti e a educação ambiental, viajou o Brasil pintando muros — sempre contextualizados com o bioma do local — e dando palestras.
“A minha missão transborda um pouco a arte”, reflete, “mas eu uso a arte como catalisador. É um lugar para a gente ter discussões, conversar e eu não ficar só trazendo as minhas soluções para o mundo, mas falar com outros pontos de vista.”
Em sentimento de final de ano, a recomendação de Gabriel é começar, por mais difícil que pareça. “O desafio da árvore é muito difícil de começar, mas eu diria para as pessoas fazerem essa meta de vida. Você não precisa cumprir essa meta agora, você só precisa começar. Porque vai te fazer colocar a mão na terra, vai te fazer pesquisar sobre as espécies de árvores da sua região, sobre o que e como plantar… E isso te abre o mundo.”
"Oi, aqui é a Catalina, editora-adjunta do OP+. O que achou da história de Gabriel? Planeja aderir ao desafio da árvore? Vamos conversar nos comentários!"