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Sucesso além do gramado: Pelé como marca, ativista e homem
Reportagem Seriada

Sucesso além do gramado: Pelé como marca, ativista e homem

Durante a carreira, Edson Arantes do Nascimento explorou o nome "Pelé" como uma marca inovadora, mas que não o impedia de aparecer nas notícias como o Pelé homem e pai. O maior jogador de futebol de todos os tempos morreu neste 29 de dezembro de 2022
Episódio 3

Sucesso além do gramado: Pelé como marca, ativista e homem

Durante a carreira, Edson Arantes do Nascimento explorou o nome "Pelé" como uma marca inovadora, mas que não o impedia de aparecer nas notícias como o Pelé homem e pai. O maior jogador de futebol de todos os tempos morreu neste 29 de dezembro de 2022
Episódio 3
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O sucesso da carreira esportiva de Edson Arantes do Nascimento, o rei Pelé, não ficou apenas nos campos de futebol. Pioneiro, Pelé transformou seu nome em uma marca lucrativa em várias frentes. 

Atualmente sob administração da empresa Legends 10, a marca Pelé foi criada em 1970. Foi quando assinou o primeiro contrato com a Cia. Cacique de Café Solúvel, garantindo o surgimento do Café Pelé, presente até hoje.

Desde então, o jogador virou garoto propaganda de todo tipo de comércio, menos para marcas de cigarro ou de bebidas alcoólicas. A fama, é claro, foi internacional: participou até de comerciais norte-americanos para o videogame Atari, falando inglês e tudo.

Outro caso famoso é a propaganda para a Pfizer. Sim, a das vacinas. Mas que, antes da pandemia, era conhecida pelo medicamento Viagra, usado para reverter a impotência sexual. “Fale com seu médico. Eu falaria”, recomenda no final do vídeo, marcando uma geração.

Na foto: Pelé em 15/11/1995.(Foto: Juca Varella /Folha de SP, em 15/11/1995)
Foto: Juca Varella /Folha de SP, em 15/11/1995 Na foto: Pelé em 15/11/1995.

 

Amigo do “Rei”, o cantor cearense Fagner relatou ao O POVO em 2020 que “nunca tinha visto uma chuva de flashes tão grande” até o dia em que o jogador recebeu o prêmio de Atleta do Século, em Paris (1981). 

Diante de uma produção tão prolífica para além do futebol, Pelé se eterniza como um símbolo que ultrapassou as quatro linhas dos gramados em que brilhou. A relevância do Rei é ressaltada por Thiago Minhoca, comentarista esportivo da Rádio O POVO CBN:

“Pelé é, pra mim, o maior símbolo brasileiro que já existiu. Além de ter sido escolhido como o atleta do século passado, a imagem de Pelé será sempre associada ao esporte que mais se popularizou no mundo. A Copa de 70 fez o futebol ser alavancado como maior evento mundial e isso veio muito pela performance dele naquele ano. Pra quem ama futebol, como é meu caso, só tem que agradecer pelo tanto que ele fez ao esporte”.

 


Pelé, o garoto propaganda

 

 

A atuação no universo das artes

Pelé também foi para o mundo artístico ao marcar presença em músicas, filmes, novelas, livros e até nos quadrinhos com o personagem Pelézinho, em parceria com Maurício de Sousa.

Nos cinemas, foi retratado pela primeira vez em 1962 com o filme “O Rei Pelé”, logo no ano em que conquistou dois mundiais, sendo um pelo Santos e outro pela Seleção Brasileira. O longa narra a trajetória do jogador, que chega a fazer algumas aparições na obra.

A produção alavancou convites para que o camisa 10 participasse de outros filmes, e menos de dez anos depois fez sua estreia como ator no filme “O Barão Otelo no Barato dos Bilhões” (1971). Na película, ele interpreta o personagem Dr. Arantes. 

Pelé na telona

Uma série de produções cinematográficas contou com a participação do Rei do Futebol, algumas com mais e outras com menos destaque, entre documentários e ficções. Entre as principais, “Os Trombadinhas” (1979), em que, além de atuar, contribuiu com o roteiro; “Fuga Para a Vitória” (1981), na qual contracena com nomes como Michael Caine e Sylvester Stallone; “Os Trapalhões e o Rei do Futebol” (1986) e “Pelé Eterno” (2004).

No auge da carreira como jogador, Pelé também se dedicou à teledramaturgia brasileira ao interpretar o jornalista Plínio Pompeu na novela “Os Estranhos”, exibida pela extinta TV Excelsior em 1969. Ele atuou ao lado de nomes como Regina Duarte, Stênio Garcia e Rosamaria Murtinho. (Miguel Araújo)

 

 

As incursões de Pelé na música

Não satisfeito, Pelé enveredou para outras facetas artísticas, mas ligadas à música: foi cantor e compositor e chegou a ser parceiro de nomes expressivos da música brasileira. Como não citar, então, a sua estreia em colaboração com a “Pimentinha” Elis Regina?

Um ano antes do Tri da Seleção veio o compacto duplo “Tabelinha”, com duas composições assinadas por Pelé, sendo elas “Perdão Não Tem Vez” e “Vexamão”. Nesta última, por sinal, como sua voz anuncia: “Foi um tremendo dum vexame / Mas o engraçado / É que eu cantava errado / E os puxa achavam bom”.

Até com outro “Rei” Pelé dividiu seus caminhos na música, como em 1977, quando se encontrou com Roberto Carlos em um especial de TV. Na ocasião, eles tocaram violão na faixa “Meu Mundo É Uma Bola” . No mesmo ano, contribuiu para o álbum “Pelé”, produzido por Sergio Mendes feito para trilha de documentário homônimo sobre o craque, com seis composições, a exemplo de “Cidade Grande”, gravada posteriormente por Jair Rodrigues.

Há 16 anos, lançou o LP “Ginga”, com 12 músicas autorais em um trabalho produzido pelo maestro Rogério Duprat. Em 2016, para os Jogos Olímpicos do Rio, lançou a faixa “Esperança”, que apresenta mensagem de motivação para os atletas que participariam da Olimpíada daquele ano.  (Miguel Araújo)

 

Álbuns de Pelé

  

 

Pelé político?

Por outro lado, o rei também explorou o lado ativista. O período mais ativo da carreira foi durante a Ditadura Militar brasileira. O fato de nunca ter se posicionado sobre o regime gerou muitas críticas ao jogador. Segundo ele, é protocolo os atletas receberem os presidentes.

Na foto: Pelé e Jô Soares, durante entrevista.(Foto: Moacyr dos Santos /TVSBT, em 16/04/1990)
Foto: Moacyr dos Santos /TVSBT, em 16/04/1990 Na foto: Pelé e Jô Soares, durante entrevista.

Provavelmente por isso, não faltam imagens de Pelé ao lado dos petistas Lula e Dilma e até assinando uma camiseta do Santos dedicada para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Também foi ministro do Esporte durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995.

Ao mesmo tempo, usou sua imagem para atuar como embaixador. Em 1992, foi nomeado embaixador de Ecologia e Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas (ONU) e, em 1994, embaixador da Boa Vontade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Ainda, Pelé atuou pelo combate da fome e pelo combate da corrupção no meio esportivo.

 

 

A vida amorosa do Rei

A vida amorosa de Pelé também foi agitada. Casado três vezes e pai de sete filhos, o nome do jogador foi parar em manchetes por paqueras com celebridades e por negar o reconhecimento de filhas extraconjugais.

De 1966 a 1980, esteve casado com Rosemeri dos Reis Cholbi, com quem teve os filhos Kelly Cristina, Jennifer e Edinho, também jogador de futebol. Edinho chegou a receber o nome de "príncipe" pelo legado do pai, o que a princípio o incomodava por querer desvincular-se da imagem de Pelé. 

Na foto: Pelé durante o primeiro casamento, com Rosemeri.(Foto: Foto: Divulgação)
Foto: Foto: Divulgação Na foto: Pelé durante o primeiro casamento, com Rosemeri.

Depois, de 1981 e 1986, Pelé namorou com a apresentadora Xuxa Meneghel, quando ela ainda era modelo. O relacionamento durou seis anos, dos 17 aos 23 anos de Xuxa, e nesse meio tempo ela afirma ter sido traída diversas vezes pelo jogador. Em entrevista à Eliana, no SBT, a apresentadora também contou que só atuou no filme erótico "Amor Estranho Amor", em 1982, a pedido do atleta. 

Após o fim do relacionamento com a rainha dos baixinhos, Pelé também namorou com a ex-Miss Brasil Flávia Cavalcanti.

O segundo casamento veio em 1994, com Assíria Nascimento. Eles já namoravam desde 1990 e se divorciaram em 2008. Do relacionamento, nasceram os gêmeos Joshua e Celeste, em 1996. Desde 2010, o rei está casado com a empresária Marcia Aoki. 

Mas enquanto era idolatrado nos campos, alguns aspectos da vida pessoal de Edson são pouco aplaudíveis. Durante o casamento com Rosemeri, dois casos de relações extraconjugais colocaram o nome de Pelé nas notícias.

Em 1964, nasceu Sandra Regina Machado, filha de Pelé com a empregada doméstica Anisia Machado. Em 1970, Flávia Kurtz, fruto de relacionamento com a jornalista Lenita Kurtz. Em ambos os casos, o atleta se recusou a reconhecer as filhas e somente o fez após ser obrigado judicialmente.

Mesmo após o reconhecimento de paternidade trinta anos tardio de Sandra, Pelé nunca quis conhecê-la ou manter contato com a filha. A ex-vereadora de Santos pelo PSC morreu em 2006 em decorrência de um câncer de mama e falência múltipla de órgãos.

 

 

Pelé e as polêmicas

Mesmo com os diversos adjetivos que engrandecem a história do Rei do Futebol, porém, sua figura não passou ilesa de questionamentos e polêmicas que atravessaram seu passado. Talvez fosse inevitável, até, tamanha era a visibilidade alcançada a cada conquista nos gramados, o que aumentava sua imagem para além do esporte.

As críticas ao jogador em torno da ditadura militar são diluídas em ressalvas mais enfáticas (como a de que ele permitiu que militares usassem sua imagem para aumento de popularidade) e apontamentos mais brandos (como o de que ele seria “alienado” por não se posicionar duramente ao regime, tendo em vista sua importância).

Na foto: Pelé (sem mais informações)(Foto: Foto: José Leomar, em 15/07/1995)
Foto: Foto: José Leomar, em 15/07/1995 Na foto: Pelé (sem mais informações)

Para o historiador Airton de Farias, autor de livros como “Uma História Das Copas do Mundo - Futebol e Sociedade", Pelé adotou uma postura “moderada” ao longo do tempo. Ele destaca a importância de analisar o contexto no qual ele surgiu para o futebol, em uma época em que “os jogadores, em geral, se curvavam e obedeciam ao que os cartolas e dirigentes determinavam”.

“Essa figura do bom moço, comportado, obediente e patriota logicamente atendia aos interesses dos cartolas, e o governo militar explorou isso claramente”, argumenta o historiador. Os exemplos mais evidentes desse uso da imagem do Pelé estão relacionados à conquista do tricampeonato mundial no México, em 1970, quando a seleção brasileira foi usada como propaganda política pela ditadura.

Pelé, porém, sabia dos interesses políticos que giravam em torno dele, e também “explorava” isso para sua imagem - “não à toa você percebe, ao longo do tempo, posicionamentos políticos dele muito discrepantes, que variavam de acordo com o contexto do momento”, afirma Airton de Farias. Se no início dos anos 1970 ele falava no exterior que não havia ditadura no Brasil, no final da década, com uma campanha mais articulada contra a ditadura, a postura era diferente.

Entretanto, nem mesmo o Rei deixou de ser atingido pelo endurecimento do regime militar e, ao se aposentar da Amarelinha em 1971, teve “alguns arranhões” com o governo - na época, o presidente era Médici. “O regime acompanhava de perto o Pelé. Ele tinha uma ficha no DOPS, porque temia-se que o Pelé, como brasileiro mais conhecido do mundo, criticasse por algum motivo o governo”, relata Airton. Dessa forma, ele e familiares eram vigiados pela ditadura.

Na foto: Pelé(Foto: Foto: Divulgação)
Foto: Foto: Divulgação Na foto: Pelé

Outro assunto que foi bastante comentado sobre Pelé foi o pouco engajamento na luta antirracista demonstrado ao longo da carreira, ainda que ele próprio tenha sofrido com o racismo - em entrevista, admitiu ter sido chamado de “macaco” e “crioulo” em partidas.

Ainda que tenha percorrido caminho mais próximo à pauta antirracista nos últimos anos de vida (como em 2020, quando apoiou o movimento “BlackOut Tuesday” em referência a Georgle Floyd), a recusa de Pelé em abordar mais enfaticamente a questão na carreira foi marcante em sua biografia.

É acrescentada à lista de “polêmicas” envolvendo Pelé a rejeição a Sandra Nascimento, ex-vereadora de Santos (SP) que entrou na Justiça em 1996 para ser reconhecida como filha do ex-jogador. Ela faleceu em 2006, aos 42 anos, e Pelé não a visitou mesmo diante de pedidos durante o leito de morte para que o fizesse.

“Não há como dissociar o homem do jogador, embora Pelé tentasse - tanto que ele se referia ao ‘Edson’ e ao ‘Pelé’ como figuras distintas. Era uma forma de tentar desvincular o jogador. Na prática, o mundo real não é assim. Ele tinha questões sérias com familiares e filhos que não reconheceu, questões políticas que não encarou de frente e a questão também do racismo, com críticas ‘cosméticas’, ou seja, que não se aprofundavam”, demarca.

Ao refletir sobre possíveis motivos que levaram Pelé a ser bastante cobrado por posicionamentos mais “enfáticos”, Airton de Farias aponta para a “importância futebolística, histórica e social” que o jogador teve para o Brasil. Assim, havia grandes expectativas que ele se manifestasse “mais abertamente” e de forma mais profunda em temas importantes, como racismo, e não se restringisse a “críticas cosméticas” - que, na análise do historiador, seriam rasas.

“O mundo mudou. Muitas pessoas não aceitam mais posturas preconceituosas. O Pelé é muito importante, queiram ou não os seus críticos, e como ele não havia até então se posicionado mais abertamente, as pessoas, naturalmente, exigiram uma postura dele, somando-se a isso o fato de ele ser negro em um País em que o racismo ainda é muito presente”, pontua.  (colaborou Miguel Araújo)

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