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Dia dos Namorados: Amor e prazer são reinventados na maturidade
Reportagem Seriada

Dia dos Namorados: Amor e prazer são reinventados na maturidade

A busca por uma vida satisfatória, para algumas pessoas, perpassa pela vivência de grandes amores. Para elas, a idade não deve ser vista como impedimento para experiências amorosas
Episódio 1

Dia dos Namorados: Amor e prazer são reinventados na maturidade

A busca por uma vida satisfatória, para algumas pessoas, perpassa pela vivência de grandes amores. Para elas, a idade não deve ser vista como impedimento para experiências amorosas
Episódio 1
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O amor não tem tempo certo para começar. O sentimento pode vir na juventude, com pessoas compartilhando juntas mudanças, desafios e conquistas durante toda uma vida. Também pode chegar já na maturidade, quando a construção de uma nova relação pode dar sentido diferente às vivências e mudar o que era pensado sobre paixão. Apesar dos tabus sobre relações românticas na maturidade, pessoas com mais de 50 anos têm encontrado novos amores, buscado companheirismo e prazer, indo de encontro ao preconceito da sociedade.

Para a psicóloga Fernanda Marinho, especialista em saúde do idoso, ainda há um estigma de que na maturidade “não existe sexualidade” — ou que não deveria existir. Esse tipo de pensamento é carregado de julgamentos, tanto dos outros quanto da própria pessoa que compõe essa faixa etária. Nesses momentos, a pergunta “Será que tenho idade para isso?” chega a inquietar a mente de quem pensa em procurar um novo relacionamento ou ter novas experiências com um parceiro de anos.

Casal abraçado caminhando pela estrada(Foto: Unplasht)
Foto: Unplasht Casal abraçado caminhando pela estrada

“A grande barreira é o próprio preconceito. Muitas vezes, a pessoa não se permite viver e se abrir para determinadas experiências porque tem medo do julgamento do outro. Mas, muitas vezes, quando se abrem para isso, vão se descobrindo muitas possibilidades”, diz a psicóloga. Essa abertura leva a mudanças de comportamento já refletidas em dados de plataformas online de paquera.

Segundo levantamento do aplicativo Par Perfeito, antes da pandemia, 45% das pessoas que pagavam pela versão do app com recursos adicionais tinham mais de 50 anos. Com o período pandêmico, os clientes nessa faixa etária passaram a representar mais da metade de todos os assinantes. Eles também costumam encontrar um relacionamento sério mais rápido que os mais jovens. Enquanto estes passam de três a quatro meses na plataforma, os mais maduros entram em relações depois de dois meses de uso, de acordo com a empresa.

Casal sentado contemplando a natureza(Foto: Unsplash)
Foto: Unsplash Casal sentado contemplando a natureza

A psicóloga Cláudia Egypto afirma que, nos últimos tempos, as pessoas não têm “topado abrir mão da sexualidade” com a chegada de uma certa idade. Para muitas dessas pessoas, a saúde sexual dentro dos relacionamentos amorosos faz parte da vida entre casais juntos há décadas e de namoros recentes. Outra característica daqueles que buscam amores nessa idade é a seletividade. Saber o que querem, como gostam de se relacionar e conhecer os próprios limites favorece o encontro de pessoas mais compatíveis.

Para além do sexo, o companheirismo é um dos principais motivadores para a procura de relações. “Elas buscam relacionamentos com muito mais maturidade, não tem mais aquela pressa do jovem, aquela inconsequência. Ela está buscando companhia, o diálogo, viver coisas juntos, viajar, ir ao cinema, sair para jantar, tomar um vinho. Às vezes você vê que são pessoas que já perderam seus companheiros, tiveram uma relação feliz por anos e querem continuar vivendo isso, mais um grande amor”, diz Cláudia.

Cláudia, que é especialista em terapia de casal, também relata que pessoas casadas há anos têm buscado viver de forma mais satisfatória. A intimidade e a história construídas ao longo do período da relação faz com que a comunicação se torne mais fácil. Com isso, quando é chegada a hora de “desacelerar”, com obrigações como trabalho e cuidado com os filhos já concluídas, divertir-se individualmente e como casal se torna novamente uma prioridade.

“Aqueles que já estão há muito tempo juntos, já se conhecem, têm tempo para se curtir, fazer novos passeios, buscar novos projetos”, diz Cláudia. Fernanda também explica que, apesar de talvez serem necessárias adaptações das experiências conforme o contexto e as limitações dos dois, investir em algo que não foi possível viver na juventude e “se redescobrir” é um aspecto positivo das relações na maturidade.

Seja em uma reconexão ou na formação de novos laços, Cláudia orienta que as pessoas que procuram amor na maturidade se apresentem como são. “Não precisa buscar se travestir de uma personalidade que não é a sua, não tem que parecer mais jovem”, diz a terapeuta. “Assim, ela vai atrair o que ela busca. Se a pessoa estiver aberta, isso vai acontecendo naturalmente”.

 

 

 

 

 

 

Quando o amor enfrenta a crise dos 40

 

Adriana Pimenta é escritora do livro "Quando o Futuro Chegou e Encontrei um Pentelho Branco", publicado pela Primavera Editorial. Ela é jornalista e pós-graduada em Formação de Escritores de Não Ficção pelo Instituto Vera Cruz. O livro, escrito em meio a uma crise pessoal, busca respostas sobre a chegada à maturidade, os desafios e medos de olhar para o passado e para o futuro ao se perceber na metade da vida.

Adriana Pimenta, escritora
Adriana Pimenta, escritora (Foto: Tadeu Brunelli/TBFoto)

O POVO - Por que você decidiu escrever o livro?

Adriana Pimenta - Na época eu estava vivendo uma crise dos 40, e eu queria entender se a crise existia mesmo ou se estava só na minha cabeça. Muitos falavam ‘Existe a crise dos 40’, outros falavam ‘É a partir dos 40 que a vida começa'. Eu vivi uma crise dos 40 por alguns motivos, algumas questões da minha vida, e uma delas foi o fato de aos 42 anos eu estar solteira. Eu me sentia bem oprimida por estar solteira dentro de uma sociedade que valoriza o matrimônio como escala social. E aí eu decidi fazer. Fui colocando o que eu sentia no papel, comecei a entrevistar especialistas para entender se a crise dos 40 existia, sociólogos, antropólogos, psicólogos. E tem um capítulo específico que trata da vida amorosa das mulheres na maturidade no contexto contemporâneo de hoje. Como a mulher madura é vista e como ela perde o valor na nossa sociedade ao passo que ela envelhece, que nada mais é do que estão chamando agora de etarismo.

 

"A mulher é muito afetada pela cultura sexista que existe hoje. E eu descobri nos meus estudos que essa questão da “solteirona” vem lá do século XVI."" Adriana Pimenta

 

OP - O modo como a sociedade vê mulheres nessa faixa etária influencia a existência dessas crises sobre relacionamentos amorosos e vida sexual?

Adriana - Eu acho que sim, tem muito para mudar ainda. Às vezes a gente vê o assunto sendo discutido em uma novela e pensa que está mudando. Mas tem muito o que mudar. E quando eu comecei a fazer o livro, eu comecei a questionar por que a mulher tem essa pecha de "solteirona" e um homem de 40 e poucos anos é visto com bons olhos. Ele é um bom partido que não foi fisgado, e a mulher solteira com 40 e poucos anos é encalhada. Ela perde o valor, isso vai afetando a autoestima dela. A mulher é muito afetada pela cultura sexista que existe hoje. E eu descobri nos meus estudos que essa questão da “solteirona” vem lá do século XVI.

Naquela época, se as mulheres não se casavam, elas eram consideradas um fardo porque a família tinha que sustentar. Então é uma visão capitalista. E depois, lá para o final do século XIX, as mulheres solteiras eram um problema social porque, além de serem sustentadas, elas eram vistas como uma ameaça para as mulheres casadas. Surpreendentemente, isso existe até hoje. Isso afeta a mulher que veste essa carapuça. Ela se acha velha demais para se relacionar, para se casar, ter filhos, muitas acham que o tempo já passou. E isso não é verdade.

 

"Elaborar essas questões dentro de mim, colocar no papel e conversar com especialistas me fez ter uma nova perspectiva de vida para mim e para os outros." Adriana Pimenta, escritora

 

OP - Como você acredita que as pessoas podem superar isso? O que você fez para fazer as pazes com essa nova fase da vida e com as mudanças que ela traz para as suas relações amorosas?

Adriana - Tem umas pesquisas que também falam que a nossa vida segue um fluxo como se fosse a letra "u". Naquela curvinha, seria quando todos nós estamos com 40 a 50 anos. Como a gente está na fase mais baixa, a nossa ascensão começa depois dos 50. Com 40 e poucos anos, a gente olha para trás, vê tudo que construiu. Muitos ficam insatisfeitos com o que conseguiram realizar e percebem que muitos dos sonhos não foram realizados. Como eu acho que a gente pode resolver isso? No meu caso, eu escrevi um livro, e isso foi muito terapêutico para mim.

Elaborar essas questões dentro de mim, colocar no papel e conversar com especialistas me fez ter uma nova perspectiva de vida para mim e para os outros. Então primeiro precisa mudar dentro da gente. Por que tem aquele ditado que diz 'quando a gente muda, o mundo muda'? O mundo mudou porque a nossa perspectiva mudou. Fazer um mergulho interno ajuda muito, para a gente começar a desconstruir as coisas que a gente ouve desde criança, que mulher tem que casar para ser feliz, tem que ter filho para ser feliz, que mulher sozinha é mulher que ninguém quis, que é encalhada, solteirona, infeliz. Essa desconstrução tem que partir de dentro da gente.

OP - Você conseguiu encontrar impactos positivos desse processo nas suas relações?

Adriana - Não tenho dúvidas! E como mudou a forma como eu me relaciono hoje! Hoje eu me relaciono de outra maneira. Primeiro, eu não idealizo mais. É uma coisa que a mulher sempre faz. A mulher quando conhece um homem ou outra mulher sempre idealiza. Ela se pergunta 'Será que é esse?' ou 'Será que é essa, o amor da minha vida?'. E pro homem, quando ele conhece um homem ou uma mulher é só mais uma pessoa que ele vai conhecer e vai ver o que vai acontecer. Parar com essa idealização é um passo importante. Se respeitar também.

Uma coisa que acho que muitas mulheres fazem, e eu já fiz também, é namorar alguém que a gente sabe que não tem a ver com a gente, que a gente nem gosta tanto, mas fica para não ficar sozinha. É um outro exercício que temos de fazer: entender o que a gente quer e o que faz bem pra gente. Eu acho também que não existem receitas prontas. Esse mergulho interno às vezes é difícil de fazer, mas está dentro de nós.

 

 

 

>> Ponto de Vista

A sexualidade não acaba na juventude

Por Anne Joyce Lima Dantas


"Falar sobre envelhecimento hoje é algo urgente, pois por muito tempo discutimos sobre uma velhice, como se o processo de envelhecer fosse igual para todos, desconsiderando a interseccionalidade que essa discussão carrega. Por muitos anos, produções científicas apresentavam uma velhice historicamente marcada por limitações físicas, mentais, sexuais e, principalmente, ao processo de finitude, demarcando modos de vida e quais pessoas estavam autorizadas a vivê-los. Esta delimitação histórica envolve toda uma estrutura social, política e existencial de como a sociedade enxerga a velhice, quais políticas são direcionadas a estas pessoas, quem estuda o envelhecimento ((re)afirmando concepções) e quais significados a velhice tem para as pessoas idosas.

Casal longevo de mãos dados (Foto: Gert Stock Unsplash)
Foto: Gert Stock Unsplash Casal longevo de mãos dados

Precisamos considerar que a experiência do envelhecimento é diferente diante do gênero, da raça, da classe e das sexualidades que essas pessoas vivenciam, por isso a importância em falar sobre velhices. Homens e mulheres vivem experiências distintas no que diz respeito ao processo de envelhecimento, principalmente quando o assunto é o corpo.

Um exemplo disso está na maneira como se enxerga o cabelo grisalho em um homem ou em uma mulher, trazendo a ideia de que um homem grisalho é atraente/maduro e uma mulher que assume seus cabelos brancos é desleixada/largada. Isso impacta diretamente na saúde mental, no processo de envelhecimento de mulheres, na sua relação com o corpo, suas relações amorosas e sexuais.

Além da delicada relação com o corpo que envolve a velhice (principalmente de mulheres), temos o tabu diante das sexualidades de pessoas idosas, pois existe uma imagem social e cultural de que as experiências de sexualidades são “exclusivas” à juventude, ao corpo jovem. As relações eróticas e sexuais apresentadas por meios de comunicação e redes sociais não expõe corpos que envelhecem como potencial de vitalidade e sexualidades. Principalmente quando o assunto é a experiência da sexualidades na velhice de pessoas LGBTQIA+.

"Precisamos considerar não só a pluralidade diante das velhices, como diante das sexualidades e expressões de sexualidades. " Joyce Dantas, psicóloga

Falar sobre sexualidades na velhice é um tabu, mas as experiências de sexualidades de pessoas idosas que subvertem a norma social de gênero, identidade e sexualidade são ainda mais silenciadas. Precisamos considerar não só a pluralidade diante das velhices, como diante das sexualidades e expressões de sexualidades. A forma como pessoas idosas vivenciam o prazer, a eroticidade, a sexualidade se difere, muitas vezes, do que socialmente e culturalmente consideramos sexualidade, sexo, eroticidade ou prazer. Existem outras formas também plurais de vivenciar a sexualidade para além do que a indústria cultural/pornográfica desenha."

Anne Joyce Lima Dantas, psicóloga clínica, mestre e doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa gênero e sexualidade na velhice

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Amor na maturidade

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