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Messejana: de pacata a atrativo centro comercial
Reportagem Seriada

Messejana: de pacata a atrativo centro comercial

Autônoma duas vezes ao longo de sua história, Messejana já foi vila, cidade, distrito — esse último título até hoje ainda não extinto. Atualmente faz parte da Regional VI de Fortaleza, junto a 14 bairros da Capital. A professora aposentada Fátima Barreto de Araújo conta sobre a paixão que nutre pela "terra prometida", para onde mudou-se aos 22 anos e onde vive até hoje, aos 75
Episódio 3

Messejana: de pacata a atrativo centro comercial

Autônoma duas vezes ao longo de sua história, Messejana já foi vila, cidade, distrito — esse último título até hoje ainda não extinto. Atualmente faz parte da Regional VI de Fortaleza, junto a 14 bairros da Capital. A professora aposentada Fátima Barreto de Araújo conta sobre a paixão que nutre pela "terra prometida", para onde mudou-se aos 22 anos e onde vive até hoje, aos 75
Episódio 3
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Parte da Messejana de antigamente ficou na lembrança dos moradores. Memórias daquela Messejana pacata, dos sítios, que lembrava uma cidade do Interior e que atraiu a jovem Fátima Barreto de Araújo, recém-chegada de Acopiara, em 1968, com os pais e o irmão. De um passado rico, a história foi sendo substituída por prédios mais novos, as casas deram lugar a lojas, e o entorno da Igreja Matriz tornou-se um centro comercial.

"A gente podia sair, podia ir à missa tranquilamente. Hoje em dia não pode mais, porque à noite é tudo fechado, você não tem como se movimentar num lugar desse, só se for de carro", conta a professora aposentada, que hoje tem 75 anos. Apesar de reconhecer alguns problemas, continua apaixonada pela "terra prometida" onde mora desde os 22 anos e na qual seguiu carreira na educação pública.

 

 

Hoje localizada na Secretaria Executiva Regional (SER) VI junto a 14 bairros, Messejana já teve autonomia e foi extinta duas vezes ao longo de sua história. Em 1º de janeiro de 1760, foi fundada a Vila Nova Real de Messejana da América, que seria extinta quase 80 anos depois, em 22 de dezembro de 1839. O território foi dividido entre Fortaleza e a Vila de Aquiraz.

A segunda vez que Messejana viu-se autônoma foi no ano de 1881, quando, em 20 de fevereiro, a Vila foi reinaugurada. Mas não durou muito. Passaram-se pouco mais de 40 anos até que, em 31 de outubro de 1921, a Vila de Messejana, assim como a de Parangaba, foi anexada ao território de Fortaleza pelo então presidente do Ceará, cargo equivalente ao de governador, Justiniano de Serpa.

Casa Natal de José de Alencar, no Sítio Alagadiço Novo, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)(Foto: Bárbara Moira)
Foto: Bárbara Moira Casa Natal de José de Alencar, no Sítio Alagadiço Novo, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)


 

Rastros do descaso 

Em uma manhã nublada de quinta-feira deste mês de outubro, crianças brincavam no Sítio Alagadiço Novo, um dos existentes naquela época em que a vila de Messejana foi fundada. De máscara de proteção contra a Covid-19 e uniforme da escola onde estudam, elas corriam pelo jardim e se escondiam umas das outras entre as paredes da pequena e simples casa onde, em1829, nasceu o escritor José de Alencar.

Hoje equipamento cultural da Universidade Federal do Ceará (UFC), o sítio é um dos locais marcantes da história de Messejana — e também da vida de Fátima Barreto de Araújo. Era para lá que a pedagoga ia e vinha todas as noites, a pé, durante mais de duas décadas. "Trabalhei durante 26 anos na Escola de Iracema, no terreno da Casa de José de Alencar. Comecei minha vida profissional e me aposentei lá. Foi um tempo de realização", conta.

É criação do escritor a lenda da formação do Ceará, no romance que leva o nome da personagem que adorna a Lagoa de Messejana. Em 2004 foi instalada uma estátua de 12 metros de altura e 16 toneladas em homenagem a Iracema, mas o que se vê hoje, ao chegar ao entorno da lagoa, são rastros de anos de descaso.

Ao longo do calçadão, o guarda-corpo tem está enferrujado e tem partes danificadas(Foto: Bárbara Moira)
Foto: Bárbara Moira Ao longo do calçadão, o guarda-corpo tem está enferrujado e tem partes danificadas

De tão desgastado, quase não é possível identificar o que diz o painel que um dia a apresentou aos visitantes. O calçadão está esburacado, as grades estão enferrujadas, e algumas pessoas adotam o local abaixo da estrutura do calçadão como refúgio. "Falta muito o poder público, o poder político, interferir e investir no nosso bairro. É um bairro lindíssimo, histórico, mas infelizmente é muito esquecido", lamenta a pedagoga.

Em nota enviada ao O POVO, a Prefeitura de Fortaleza informou, por meio da Secretaria Municipal da Infraestrutura (Seinf), que as intervenções do projeto de revitalização da Lagoa da Messejana devem ter início em meados do primeiro semestre de 2022, quando for concluído o processo de licitação. Estão previstas construção de calçadão para caminhadas, instalação de equipamentos esportivos e de nova iluminação, recuperação do guarda-corpo e urbanização do entorno da Lagoa.

"O bairro Messejana tem recebido diversas melhorias através do Programa de Infraestrutura em Educação e Saneamento (Proinfra), que realiza serviços de drenagem, saneamento e urbanização em comunidades da periferia da Capital. Neste ano, por meio da Secretaria da Gestão Regional (Seger), mais de 30 ruas receberam o trabalho de recuperação asfáltica. Messejana também foi contemplada com a construção de três areninhas e a reforma de praças", continua a nota.

A Prefeitura acrescenta, ainda, que a Autarquia Municipal de Trânsito (AMC) ampliou a malha cicloviária no bairro e que, atualmente, a região conta com 9,2 km de ciclofaixa, 3,6 km de ciclovia e 0,6 km de ciclorrota, além de oito estações do Programa Bicicletar.

O Hospital de Messejana começou a ser construído em 1930 e foi inaugurado em 1933. À época, chamava-se Sanatório de Messejana(Foto: Bárbara Moira)
Foto: Bárbara Moira O Hospital de Messejana começou a ser construído em 1930 e foi inaugurado em 1933. À época, chamava-se Sanatório de Messejana

 

 

"O que você quiser, aqui tem"

Nesses 100 anos que sucederam a anexação de Messejana à Capital, novos serviços foram chegando ao território, que antes era majoritariamente rural. Foram os casos da inauguração do Sanatório de Messejana — hoje Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes —, em 1933; do Seminário Seráfico, em 1934, e da Panificadora Nogueira, em 1938.

"A única coisa pública foi a junção das escolas, que eram espalhadas em todo o distrito e que foram reunidas e transformadas no Colégio José de Alencar. É o que se pode dizer que foi uma intervenção pública, o resto foi mais iniciativa privada", comenta Edmar Freitas, autor do livro sobre Messejana da Coleção Pajeú, lançada em 2014 pela Prefeitura de Fortaleza.

Na obra, ele narra a história de Messejana de antes mesmo da fundação como vila, passando pelos momentos em que teve autonomia até chegar ao atual cenário, em que o bairro passou por crescimento econômico e consequentes problemas ambientais.

"A urbanização de Messejana realmente só veio ganhar corpo na década de 1950, 1960, principalmente com o grande número de sertanejos que vieram pra Fortaleza a partir dessa época", conta o poeta, em entrevista ao O POVO.

Inaugurado em 1992, o terminal de Messejana passou por obras de ampliação e reforma e foi entregue em junho de 2018(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Inaugurado em 1992, o terminal de Messejana passou por obras de ampliação e reforma e foi entregue em junho de 2018

"Até então, Messejana tinha sítios, tinha canaviais. Tinha um aspecto e um clima rural. A partir daí, não. A partir daí começou a se integrar." Começaram, então, a ser construídos colégios; o prédio do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), no Cambeba, foi inaugurado em 1986; além de hospitais, como o Hospital Gonzaga Mota de Messejana — o Gonzaguinha Messejana, que foi construído no mesmo ano —; e o terminal de ônibus, em 1992.

No volume que assina da Coleção Pajeú, Freitas narra a história de Messejana desde antes da fundação da então Vila, quando ainda era uma aldeia indígena, e chega aos tempos de crescimento populacional e econômico — com consequente prejuízo ambiental.

Atualmente, Messejana oferece aos moradores todo tipo de atividade e serviço e é reconhecida pelo comércio vibrante. Nos arredores da Igreja Nossa Senhora da Conceição, a Igreja Matriz, há de lojas de móveis a serviços de odontologia, passando por farmácias, lojas de autopeças, consultoria imobiliária e vendedores ambulantes.

Comércio na praça em frente à Igreja Matriz. É possível encontrar roupas, acessórios e comidas, entre outras opções(Foto: Bárbara Moira)
Foto: Bárbara Moira Comércio na praça em frente à Igreja Matriz. É possível encontrar roupas, acessórios e comidas, entre outras opções

Aos domingos, ocorre a tradicional feira livre, que, por conta da pandemia de Covid-19, precisou adaptar-se. O número de barracas diminuiu, assim como o de serviços ofertados. Mas algo no comportamento de quem vai às compras também mudou. Se antes o normal era jogar conversa fora e pesquisar preços, agora há certa urgência em terminar a obrigação.

"Uma diferença muito grande. Não tem mais aquela relação pessoal", conta Fátima Barreto. A pedagoga não costuma frequentar a feira assiduamente, mas fez questão de ir uma ou duas vezes após as flexibilizações das medidas restritivas para observar as mudanças nessa atividade tão tradicional. "Gosto de estar antenada com as coisas", declara.

Naquela mesma quinta-feira nublada em que visitamos Messejana, seu Paiva, 70, vendia água em frente ao Hospital Dr. Carlos Alberto Studart Gomes, na entrada da avenida Frei Cirilo. Professor aposentado, ele conta que trabalhava em Horizonte e, em busca de mais facilidade de deslocamento, mudou-se para Messejana. O tempo passou, ele aposentou-se, mas resolveu ficar. Pegou gosto pela disponibilidade de serviços oferecida pelo bairro. "O que você quiser, aqui tem", diz.

 

 

"Só presente" e descaso com a memória

Fátima Barreto também destaca a "independência" de Messejana, que proporciona acesso a serviços que vão de hospitais de referência a escolas e faculdades. "Nós não precisamos sair de Messejana para fazer compras em qualquer lugar, aqui nós temos tudo", crava.

Mas ela reconhece defeitos. "Messejana tem uma coisa que considero negativa: ela não guarda história do seu passado, ela é só presente. O passado foi todo destruído. Aqui nós tínhamos uma Câmara de Vereadores, uma das primeiras do estado do Ceará, e isso foi demolido. Quer dizer, não se conserva nada, se destrói e faz outras coisas em cima."

Igreja Nossa Senhora da Conceição, a Igreja Matriz de Messejana(Foto: Bárbara Moira)
Foto: Bárbara Moira Igreja Nossa Senhora da Conceição, a Igreja Matriz de Messejana

Também conta que alguns trajetos que antigamente fazia a pé, tarde da noite, não podem mais ser feitos pelo aumento da violência urbana. Esse problema também impacta a realização de eventos culturais, como pré-carnaval e festa junina, relata o poeta Edmar Freitas. "A causa é a falta do investimento na cultura e na educação, o efeito é falta de segurança", afirma. "Apesar de tudo isso, continuo amando Messejana", finaliza a pedagoga.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informou que a Polícia Militar do Ceará (PMCE), ao longo dos últimos anos, intensificado o policiamento preventivo e ostensivo em Messejana – Área Integrada de Segurança 3 (AIS 3), bem como as investigações das ações criminosas na região, por meio da Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE).

Segundo a SSPDS, o 16º Batalhão da Polícia Militar do Ceará (16º BPM) é responsável pelo Policiamento Ostensivo Geral (POG) de Messejana, por meio de viaturas em jornadas diuturnas. A segurança da área conta com reforço diário de outras viaturas das Força Tática (FT). "Os corredores comerciais da região são motopatrulhados e policiais em bicicletas circulam pelos quadrantes do bairro", complementa.

 

Paralelo ao trabalho do 16º BPM (Batalhão da Messejana), a região conta com o apoio de equipes do Comando de Policiamento de Choque (CPChoque), do Comando de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio) e de equipes do Comando de Policiamento da Capital (1° CRPM), que atuam diariamente realizando rondas, blitze e saturação em pontos que apresentam aumentos na mancha criminal de crimes contra o patrimônio.

Já as investigações dos mais diversos tipos de crimes ficam sob a responsabilidade do 6º Distrito Policial (6°DP), unidade da Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE), que apura os casos em inquéritos policiais a fim de elucidar a autoria dos crimes. O 30º DP é o polo plantonista que atende à região.

A PMCE e a PC-CE também têm, em Messejana — assim como na Parangaba — auxílio das câmeras do Núcleo de Videomonitoramento (Nuvid) da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Atualmente, o Estado conta com mais de 3.300 câmeras integradas.

O POVO solicitou dados sobre ocorrências de homicídios, roubos e furtos nos últimos anos, mas essas informações não foram enviadas.

 

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