Em 2006, um grupo de moradores da Parangaba uniu-se para evitar que parte da sua história fosse perdida. Por conta do metrô que chegaria à região, um prédio que remete ao século XIX seria demolido. Então, foi criado o Comitê Pró-Tombamento da Estação da Parangaba (CPTEP). Durou cerca de um ano e meio até que a Prefeitura de Fortaleza anunciasse o tombamento histórico e cultural do equipamento em caráter definitivo.
A atual estrutura da estação data de 1941. Hoje, 15 anos depois da mobilização pelo tombamento, ela tem pichações em sua fachada e conta tanto com prédios históricos, como a Igreja Matriz, quanto contemporâneos, como o Shopping Parangaba em seu entorno. Essa já é uma nova construção, feita após a derrubada do prédio original, em estilo neoclássico, que havia sido inaugurado em 1873. Foi a segunda inaugurada no Ceará, logo após a Estação João Felipe, no Centro de Fortaleza.
Era em Arronches — como então se chamava Parangaba — que terminava o primeiro trecho da Estrada de Ferro de Baturité, primeira ferrovia do Ceará, com cerca de 7 km de extensão. De lá, seguia para Maracanaú. A inauguração da estação ferroviária em Arronches impulsionou a economia na região e o deslocamento da população para outras cidades.
"As distâncias diminuíram, a velocidade de deslocamento das pessoas de Fortaleza para os arredores aumentou, e, depois que a ferrovia se prolongou até Baturité, esse fluxo foi aumentando. No entorno da estação, desenvolveu-se um pequeno comércio que aproveitava o momento de parada dos trens", explica o professor, pesquisador e guia de turismo Paulo Roberto Ferreira de Souza Júnior.
Além do trem, também passaram pela Parangaba bondes puxados a burros. Em 1895, foram assentados os trilhos na Estrada dos Arronches, que hoje é a avenida João Pessoa, ligando a Parangaba ao Benfica e ao Centro de Fortaleza.
O pesquisador fez parte do grupo de moradores da Parangaba que se opôs à demolição da estação ferroviária pela Companhia Cearense de Transporte Metropolitanos (Metrofor). Ele já vinha pesquisando a história do bairro desde 1999 e, naquela época, intensificou o estudo. "Essa pesquisa foi crescendo e fomos descobrindo várias informações importantes acerca da história de Fortaleza, acerca da história do Ceará que envolviam Parangaba. A gente espera que se torne um livro, em breve", conta.
O passado da Parangaba não diz respeito apenas a ela. Gledson Ribeiro de Oliveira, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), explica que, segundo indicam os documentos existentes, havia três núcleos de aldeamento quando os jesuítas chegaram ao território onde hoje está o bairro. "Um era mais perto do Mondubim; os outros dois, mais perto de onde está a Parangaba hoje. No final, os três se juntaram em um único aldeamento e depois foram separadas", conta.
O aldeamento de Parangaba teria, então, dado origem ao de Messejana e ao de Soure, hoje Caucaia. "Correspondem às três vias de interiorização: a via da estrada do Arronches, que hoje é a João Pessoa e a avenida da Universidade, que desde a colônia é um caminho de interiorização em direção à serra. A outra, que é a Visconde do Rio Branco e BR-116, que vai levar para o aldeamento da Paupina. E a Bezerra de Menezes, que vai dar em Caucaia", aponta.
Ferreira guarda consigo um acervo de fotografias de Parangaba na época em que se chamava Arronches e ainda não fazia parte de Fortaleza. São imagens que mostram construções históricas e paisagens que hoje já estão diferentes. Entre esses itens está o Álbum dos Padres, relíquia de 1915 com fotografias feitas por João Ribeiro Pessoa, o Fotógrafo Ribeiro, e que ele recebeu de Jehovah Sampaio Natalense, da família Pedra, tradicional moradora da região.
O Álbum dos Padres foi objeto de estudo de Gledson Ribeiro de Oliveira no artigo "Imagem e Oralidade: o bairro da Parangaba nas fotografias e nas lembranças dos seus moradores". Ribeiro havia sido contratado pela Diocese de Fortaleza, e algumas imagens foram publicadas no livro comemorativo dos 50 anos do Seminário da Prainha, em 1914, enquanto outras permanecem inéditas. Entre as 116 fotografias, 11 são de paisagem e pessoas da Parangaba.
Das mudanças que se pode ver observando as fotos antigas de Parangaba, Oliveira aponta a Praça da Matriz, que tinha características semelhantes à Praça dos Mártires, no Centro de Fortaleza. Diferentemente de hoje, ela era murada, contava com um moinho, um cata-vento e um cruzeiro. Ao fundo, na imagem, a lagoa da Parangaba.
Ali perto ficava a Igreja Matriz de Parangaba — a Paróquia Bom Jesus dos Aflitos —, que foi construída em 1607 para funcionar como uma capela. Ela recebeu reformas em 1780 e em 1886. Em junho de 1985, os fiéis depararam-se com um aviso na porta: "Devido ao perigo, a igreja está fechada, menos o altar. As missas estão sendo celebradas na Praça."
Havia sido atestado o risco de desabamento da estrutura, feita basicamente de barro e tijolos, e a recuperação da Matriz começou cerca de dois meses depois. Mais recentemente, em 2013, a Igreja de Bom Jesus dos Aflitos passou por restauração, após quase uma década de espera, e teve dificuldades para conseguir o valor para pagar profissionais capacitados para a função, em decorrência do tombamento do prédio.
Na Parangaba, ainda resiste um costume que surgiu quando ela ainda era um aldeamento indígena: a Festa do Senhor Bom Jesus dos Aflitos. Todos os anos, ela começa em setembro, com a retirada da coroa da imagem do Jesus crucificado, que segue em peregrinação até retornar em procissão para a Igreja Matriz.
Dá-se início, então, a uma novena até 31 de dezembro. No primeiro dia do ano, o dia do padroeiro, é celebrada a missa da paz. Por fim, a coroa retorna ao Bom Jesus dos Aflitos. O período da procissão coincide com as festividades de Natal e, durante muito tempo, houve quermesses e parques de diversões no entorno da Matriz.
"Na noite de Natal há trens especiais para Parangaba, e muitas famílias vão divertir-se na pequena vila, que se transforma num minuto em uma cidade populosa e comercial. Iluminações por toda a parte, foguetes a cada instante, vozeria geral. A praça enche-se de passeantes de todas as classes, de todas as posições, de todos os estados, de todas as condições: tudo em perfeita cordialidade", relatou Bezerra de Menezes em um texto que, segundo arquivo do Instituto do Ceará, data de 1901.
"É uma festa que foi instituída ainda na época dos jesuítas, mas não se sabe qual jesuíta introduziu, há algumas controvérsias. Mas há mais de 300 anos essa peregrinação e essa festa vêm envolvendo várias comunidades. Às vezes, ficava um engarrafamento enorme na avenida João Pessoa de pessoas que vinham de Fortaleza para Parangaba para participar da festa chegada da coroa, do Natal e do próprio dia do padroeiro", explica Paulo Roberto Ferreira de Souza Júnior.
As noites de Natal no bairro fazem parte das lembranças de Aila Maria Meireles Landim, de 61 anos, que mora na Parangaba desde que nasceu. Ela fala sobre como o bairro ficava movimentado e hoje "é só o deserto, cada um nas suas casas". "Tem a tradição, a cultura. Mas não é mais como antigamente." Aila diz que a primeira da família a chegar lá foi a avó, Maria Júlia Alves de Meireles, ainda na década de 1920, e que a rua onde mora, perto da Matriz, era mais residencial.
Dentre as mudanças pelas quais a celebração passou, está a data da procissão. Oficialmente, deve ser feita no dia 23 de dezembro, mas, atualmente, há dificuldade de realizá-la em dias da semana e ela tornou-se uma data móvel. Também já não há mais quermesse ou parques. Apesar das alterações, o professor ressalta que essa tradição é "muito preciosa" às pessoas de Parangaba.
A vocação da Parangaba era a pecuária. Com o passar dos anos, em meados do século XX, tornou-se uma área industrial de Fortaleza. Foram instaladas indústrias de diferentes setores na região: de confecção, de tecidos, de gesso, de sabão etc. À medida que as fábricas foram sendo transferidas para outros locais, foram vendidas ou fecharam, o bairro voltou a ser praticamente residencial, com alguns pontos de comércio, "principalmente no centro", aponta Ferreira.
O crescimento do bairro ao longo dos anos permitiu que o transporte urbano fosse sendo melhorado, segundo o pesquisador, com a instalação de estações de trem, de metrô e terminais de ônibus. Além disso, o tipo de moradia também foi sendo alterado. Com o tempo, foram sendo construídos condomínios, tornando o bairro mais verticalizado. "Infelizmente, o bairro foi perdendo um pouco do seu espaço verde", complementa o professor.
Perto da Matriz, José André, 56, lavava um carro na manhã da sexta-feira, 15 de outubro. Ele mudou-se de Maracanaú para Fortaleza com a esposa e as duas filhas há 22 anos e, desde então, está à frente da churrascaria Recanto da Parangaba. Para o comerciante, Parangaba "já foi melhor", apesar de gostar do bairro. Diz que, com a chegada do shopping center em 2013, os comerciantes do entorno esperavam que o movimento melhorasse para eles também, mas que "não melhorou muito". Além disso, viu aumentar a violência e a quantidade de pessoas vivendo em situação de rua.
Ao atravessar a rua, volta-se à antiga e histórica estação da Parangaba. Mais de uma década depois da mobilização popular pelo tombamento do imóvel, ela encontra-se fechada, aparentemente sem uso, com pichações na fachada e lixo no entorno. Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria Regional 4 informou que enviará uma equipe para realizar a limpeza nos próximos dias, sem especificar datas. "A secretaria reforça ainda que a população deve ser parceira da gestão municipal e não jogar lixo de forma irregular na rua", complementou.
A Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza (Secultfor) confirmou que o equipamento está desocupado. Até 2020, lá funcionava o Centro de Referência em Direitos Humanos do Estado do Ceará, da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS), que agora funciona no Papicu. A Secultfor não tinha conhecimento da mudança até o contato feito pelo O POVO.
Em nota enviada ao O POVO, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informou que a Polícia Militar do Ceará (PMCE) tem, ao longo dos últimos anos, intensificado o policiamento preventivo e ostensivo na Parangaba Área Integrada de Segurança 5 (AIS 5), bem como as investigações das ações criminosas na região, por meio da Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE).
De acordo com a SSPDS, a PMCE, por meio do 6º Batalhão (6º BPM), conta com viaturas do Policiamento Ostensivo Geral (POG) e da Força Tática (FT) na Parangaba, realizando um intenso patrulhamentos nas principais vias do bairro.
"O 5º Distrito Policial (5º DP), unidade da Polícia Civil do Estado do Ceará, é responsável pelas investigações dos crimes instaurados por inquéritos policiais. O polo plantonista da região corresponde ao 10º Distrito Policial (DP)", complementa.
Além disso, a PMCE e a PC-CE tem auxílio de câmeras do Núcleo de Videomonitoramento (Nuvid) da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Atualmente, o Estado conta com mais de 3.300 câmeras integradas.
O POVO solicitou dados sobre ocorrências de homicídios, roubos e furtos nos últimos anos, mas essas informações não foram enviadas.
Atualizado às 16h46min de 28 de outubro de 2021
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