Aos 13 anos, o tráfico de drogas já estava presente na vida de um adolescente na periferia de Fortaleza. A infância tinha sido afetada por problemas familiares dentro de casa, que culminaram no abandono da mãe aos 11. Logo começou a usar entorpecentes e acabou se envolvendo com traficantes de uma facção criminosa instalada no Estado.
Entre os traumas vividos, está o dia em que foi abordado por policiais militares. Chegou a ouvir de um dos PMs que não chegaria à maioridade se continuasse ligado à criminalidade. Na época, o riso era raro no rosto do menino.
A vida deste garoto, que o O POVO preserva a identidade, teve mudança radical nos últimos dois anos. Hoje, ele sorri, joga bola e busca o sonho de ser jogador profissional de futebol. Integra atualmente as categorias de base de um grande clube de Fortaleza. A reviravolta está ligada ao programa das areninhas implementadas no Estado do Ceará, aliada ao funcionamento de projetos sociais nestes equipamentos.
As histórias de superação e inclusão através do esporte, com a possibilidade de ter acesso a equipamento de qualidade, se cruzam dentro das areninhas espalhadas pelo Estado. Tem jovem que seria batizado por facção, mas foi resgatado da criminalidade devido aos projetos sociais instalados nos campos de futebol. Assim como o garoto que fez a mãe largar o vício em álcool para se comprometer a levá-lo aos treinos ou superou o assassinato do pai.
Dentro das areninhas, crianças e jovens correm atrás da bola, ouvem orientações de professores e buscam balançar as redes. Os traumas e as dores ficam do lado de fora do gramado. Mais importante do que o gol é a oportunidade destes garotos e garotas superarem as dificuldades e se desenvolverem socialmente.
A construção de areninhas teve início em 2014, fruto da parceria entre o Governo do Estado e as prefeituras municipais. Em oito anos de programa, foram instalados 277 equipamentos no Ceará. Destes, 103 estão espalhados por bairros de Fortaleza. O projeto é considerado uma das maiores políticas públicas de esporte no Brasil e tem atraído interesse de gestões governamentais de outras regiões do país.
As areninhas são construídas em locais com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) ou alto índice de vulnerabilidade social (IVS). Os equipamentos modificaram espaços públicos e deram nova rotina atrelada ao esporte, além de melhorias para comerciantes.
"Quando veio a areninha, veio todo mundo querer participar. Impactou. É um atrativo para que conheçam, tem gramado sintético. É uma novidade para eles. Gerou empregos. Era muito escuro"
Os relatos ouvidos pelo O POVO evidenciam a valorização destes lugares. Antes das intervenções, eram espaços marginalizados com pouca iluminação, baixa movimentação, propício ao consumo de drogas e a assaltos.
"Quando tem novidade todo mundo quer participar. Tinha um campo muito ruim. Quando veio a areninha, veio todo mundo querer participar. Impactou. É um atrativo para que conheçam, tem gramado sintético. É uma novidade para eles. Gerou empregos. Era muito escuro. Tem não só a areninha, mas a praça ao redor. Várias famílias têm renda lá. O espaço ficou para a comunidade de lazer. Os próprios comerciantes ficaram felizes por sustentar a família e investiram mais no trabalho deles. Melhorou a segurança por causa da movimentação. Tem um guarda municipal ao lado. Ali ficou mais seguro", comenta Evandro Maracujá, professor de futebol e criador do projeto "Maracujá Mania", que funciona na areninha da Jurema, em Caucaia.
Evandro trabalha com projetos sociais de forma voluntária há mais de 20 anos. Atualmente, ele tem 500 inscritos, entre crianças e adolescentes. A cada treino, centenas de jovens se espalham no extenso campo. A empolgação de meninos e meninas dentro das quatro linhas é nítida pelo semblante. Nas arquibancadas do lado fora, parentes observam atentamente.
A manicure Rossicleia Souza, moradora de Caucaia, trouxe o neto de 10 anos depois de saber por amigas sobre o projeto "Maracujá Mania" na areninha. "Antes ele só ficava no celular em casa. Não tinha opção (de lazer na região). Ele estuda de manhã e faz reforço. O futebol ocorre em três dias da semana. Hoje, ele vai feliz para o reforço. Está fazendo o que gosta, mais ativo. Reza para chegar o dia do futebol", conta ela.
O metalúrgico Hugo Silva, que assistia ao treino, explica que o espaço ganhou "vida" com a chegada da areninha. "Antigamente não tinha criança, não tinha caminhada", afirma ele.
Esporte, economia e convivência social. A soma destes três fatores resume a concepção das areninhas, conforme o secretário do Esporte do Estado, Rogério Pinheiro. Pelo menos 30 mil crianças são impactadas diretamente pela implementação dos equipamentos esportivos e projeto sociais custeados pelo Governo do Ceará e pela Prefeitura de Fortaleza.
"Vai do esporte à requalificação urbana, integração social da família. Abre mais um espaço para lazer de família do nosso estado e transforma a realidade urbana onde é inserida. Ela vai do esporte, passando pela economia à convivência social. É uma concepção excepcional do equipamento. É um exemplo para os demais estados da nossa federação. Estive em várias reuniões com secretários de esporte, perguntando como é a concepção do equipamento", afirma Rogério Pinheiro.
Titular da pasta Secretaria do Esporte e Lazer de Fortaleza, Ozires Pontes faz questão de destacar que a areninha não está ligada apenas ao esporte. Ele destaca a inclusão social através dos equipamentos instalados em áreas vulneráveis.
"As areninhas, sem dúvidas, são a maior política pública da nossa cidade. São verdadeiros cases não só aqui, mas a nível nacional. Impacta muito na vida dessas pessoas, não só de quem pratica, mas das famílias também. A areninha junto com os projetos sociais executados nelas trazem os jovens para a sociedade, inserem novamente no contexto de sociedade familiar. Evita que crianças passem para o caminho errado, oportuniza e proporciona segurança", reforça Ozires.
Para a construção do equipamento esportivo, o Governo do Estado desembolsa até R$ R$ 1.718.000 dependendo do tamanho do campo e o espaço cedido pelas prefeituras municipais. As arenas são compostas de campo society com grama sintética, vestiários com banheiro, acessos pavimentados, calçada com piso intertravado, torres de iluminação, alambrado e rede, bancos de reserva e depósito para materiais esportivos.
"Oi! Aqui é o Lucas Mota, editor de Esportes do O POVO. O que você está achando do assunto? Vamos conversar sobre nos comentários? Mande sua mensagem que responderei."
Após a conclusão da obra, as estruturas são entregues às prefeituras para execução e manutenção. A maioria das areninhas também recebe intervenções no entorno, investimento este custeado pelo poder executivo municipal, com requalificação do espaço, instalação de área infantil, academias e quadra poliesportiva.
"Você imagina municípios pequenos que não têm equipamentos esportivos. Você chega com a parceria e constrói equipamento de padrão altamente elevado com materiais excepcionais, grama sintética padrão Fifa. E com iluminação para fazer a prática noturna. É um diferencial de grande porte dos nossos equipamentos. Areninha do Castelão, por exemplo, é ocupada até 3, 4 horas da manhã", conta Rogério Pinheiro.
Ademais dos jovens que treinam diariamente nas areninhas através de projetos sociais, os campos são utilizados pela própria comunidade para "rachas". Todo o cronograma de funcionamento dos equipamentos é ajustado pelo poder municipal em parceria com os próprios moradores.
Em Fortaleza, a Copa Arena reuniu entre 12 mil e 13 mil atletas espalhados por 500 times, fazendo o intercâmbio entre os bairros da cidade. "É o maior evento de futebol amador do Nordeste. Um evento muito desejado pelas comunidades", diz Ozires Pontes.
"Fortaleza foi a cidade pioneira a criar esse modelo de campo. Recebo frequentemente secretários de todos os cantos do país."
Os dois secretários reforçam a procura de outras gestões estaduais e municipais sobre a política pública das areninhas. "Fortaleza foi a cidade pioneira a criar esse modelo de campo. Recebo frequentemente secretários de todos os cantos do país. Estive recentemente com os secretários de Recife e Brasília. Todos querem entender e aprender", afirma Ozires.
"Estive em várias reuniões com secretários do esporte perguntando como é a concepção do equipamento, os custos. Recebemos visitas também de gestões do Pernambuco, da Bahia e do Rio Grande do Norte", completa Rogério.
Veja as diferenças entre as areninhas construídas pelo Governo do Estado. São dois tipos:
Com Pedro Mairton
Especial vai mostrar como o esporte é capaz de mudar a vida de pessoas e comunidades, a partir de projetos como o Areninhas
