Às 5 horas da manhã, a movimentação de crianças na rua onde mora Mona Valeska já é um alerta que logo mais tem treino. Alguns jovens mais ansiosos a chamam da calçada para levar logo o material da atividade, como bolas e coletes, para o campo. O celular vibra com mensagens pedindo confirmação sobre o treinamento que se inicia às 7 horas.
Mona Valeska é agente mobilizadora do Futpaz, custeado pelo Governo do Estado. Moradora da Aerolândia, ela é o elo entre o poder estadual e a comunidade e responsável por administrar os horários do uso da areninha localizada na região, assim como os treinos das crianças inscritas no projeto social.
Todos os dias, Mona levanta cedo para levar os equipamentos essenciais para os treinos e monitorar a situação das crianças. Ela viu de perto a transformação na comunidade da Aerolândia com a construção da areninha. Antes da instalação do equipamento havia um terreno baldio ocupado por moradores em situação de rua. Na época, o espaço não tinha opções de lazer e era utilizado também por usuários de droga.
"Quando a areninha foi entregue, logo após a pandemia, eu, que estava presa em casa, vim por curiosidade. Antes da areninha, havia uma invasão no local. Tinha muita criança. Jogavam até no meio da rua, batia nos carros, batia na porta da casa das pessoas. Na época, eu estava em dúvida se era uma Upa ou Areninha. Todo mundo reclamou porque queria uma Upa. Mas a Areninha, com certeza, beneficiou muito mais do que uma Upa. A areninha modificou os pensamentos dos meninos, que pensavam em drogas, crimes, facções", explica Mona Valeska.
"Tirei menino que estava se envolvendo com a criminalidade através do esporte. Consegui resgatar não só um, mas vários"
O impacto das areninhas, segundo a profissional, é amplo, de dentro do campo para as casas das famílias. O contato com o esporte se torna uma ferramenta de desenvolvimento social e distancia dos caminhos tortuosos da criminalidade presente na comunidade.
"Um menino de 10 anos discutiu com a mãe dele. A mãe veio chorando até mim. Como pode o filho dela colocando ela na parede, pedindo para ela mudar a atitude dela, e ela bebendo. Ela disse que ia se comprometer com o filho dela para ele treinar. Tirei menino que estava se envolvendo com a criminalidade através do esporte. Consegui resgatar não só um, mas vários jovens que hoje estariam envolvidos e hoje estão desempenhando no esporte", conta a agente mobilizadora.
A avaliação de Mona é unânime entre os profissionais que vivem o dia a dia das areninhas e influenciam no desenvolvimento de jovens em comunidades. Criador do projeto social "Maracujá Mania", Evandro Maracujá acompanhou a mudança na Jurema, na Caucaia, onde dá aulas de futebol para centenas de crianças e adolescentes.
"Antes, tinha um campo muito ruim. Quando veio a areninha, veio todo mundo querer participar. Impactou. É um atrativo para que conheçam, tem gramado sintético. Gerou empregos. Era muito escuro. Tem não só a areninha, mas a praça ao redor. Várias famílias têm renda lá. O espaço de lazer ficou para a comunidade. Os próprios comerciantes ficaram felizes por sustentar a família e investiram mais no trabalho deles. Melhorou a segurança por causa da movimentação. Tem uma guarda municipal ao lado", afirma Evandro.
Ex-jogador de futebol, Gilson Ferrer vestiu camisas de clubes como Fortaleza, São Paulo e Cruzeiro. Hoje, ele ajuda no desenvolvimento de crianças através do futebol, assim como no sonho destes jovens de se tornarem um atleta profissional.
"Geração de 2005 a 2015, metade, foi ceifada pelo crime e pelas drogas. Depois dessa estruturação com os aparelhos, ajudou a diminuir a criminalidade"
Há quase 20 anos envolvido com projetos sociais, o educador físico presenciou muitas perdas para a criminalidade. Antes das areninhas, era mais complicado manter os atrativos do esporte em espaços com pouca infraestrutura.
"Esse serviço social é muito relevante. Tem livrado muitos, salvado vidas. Trabalhei muito na pracinha (do João XXIII). Geração de 2005 a 2015, metade, foi ceifada pelo crime e pelas drogas. Morreram muitos. Mas salvamos muitos também. Se não tivesse o trabalho, seriam mais vidas ceifadas. Na época de 2005 a 2015 foi um tsunami social. Depois dessa estruturação com os aparelhos, ajudou a diminuir a criminalidade. Não tem comparação. O clima é diferente", explica ele.
Atualmente, Gilson é professor do projeto Futpaz e atua nas areninhas localizadas no Parque 2 Irmãos e João XXIII.
"No Parque Dois Irmãos era terrão, vários buracos. Para criança, qualquer espaço já é bom, mas não tinha qualidade. Havia muitos campos distribuídos, mas foi acabando. Não tinha campo no João XXIII. Tem impactado não só para crianças, mas para adultos pela qualidade do aparelho. Não é só futebol, tem dança, entre outras atividades, é um espaço relevante. No João XXIII tem espaço de lazer, musculação, pista de caminhada. Estrutura para toda a pracinha. Ficou muito bom para toda a comunidade. Não só criança, mas adulto e idoso."
"Era um campo que ficava escuro à noite, uma área de risco. E agora se transformou na vitrine para o bairro"
No Planalto Ayrton Senna, Rafael Fernandes dá aulas de futebol para crianças e adolescentes entre 5 a 17 anos. O profissional explica que a areninha localizada no bairro virou o grande atrativo da região.
"Nossa, é um exemplo. Era um campo que ficava escuro à noite, uma área de risco. E agora se transformou na vitrine para o bairro. É o ponto de felicidade do bairro, têm brinquedos para as crianças, área de futebol."
Dos campos de areia do José Walter para os gramados do futebol profissional. A trajetória do goleiro Jefferson Carvalhal foi marcada por momentos importantes no esporte local. Ele vestiu a camisa dos três principais clubes do Estado: Ceará, Fortaleza e Ferroviário. Entre os pontos altos da carreira, estão o tetra do Estadual em 1999 pelo Alvinegro e o acesso pelo Tricolor em 2002.
Hoje, o ex-goleiro segue ligado ao futebol. Com a experiência de 20 anos de carreira no esporte, ele agora atua diretamente na gestão das areninhas de Fortaleza, palco de sonhos e de transformação social de milhares de jovens nas periferias da capital cearense. Desde 2016, Jefferson é coordenador de equipamentos esportivos da Secretaria de Esporte e Lazer (Secel).
"É um trabalho desafiador, mas muito satisfatório. Não tem nenhuma em área nobre. Todas estão em locais de muita vulnerabilidade. Pude conhecer na raiz, por ser da periferia, todas as fases de atleta. Tive experiência até chegar ao profissional. Aliada a minha formação, consegui ser uma peça importante dentro desse projeto desde início. Fiquei marcado na história do nosso futebol. Agora na área social e de gestão do esporte, estou deixando minha contribuição", diz o ex-jogador, que tem formação acadêmica em Economia e pós-graduação em Gestão Esportiva.
Jefferson atua diretamente na conexão entre as comunidades e as areninhas. Quando o Governo do Estado entrega o equipamento, a Prefeitura de Fortaleza passa a gerir a estrutura via Secel. A partir deste momento, a equipe comandada pelo ex-goleiro faz reuniões com a população, dá treinamento, organiza o cronograma e mantém monitoramento nos espaços.
"A gente faz triagem, explica para a comunidade saber a cultura daquele campo. Agora com areninha todo mundo quer usar. Times que jogavam fora do bairro, agora querem usar. Dá um conflito grande de horário. Aí entro chamando a comunidade, as lideranças locais para reuniões. Vou no local das reuniões para formatação da agenda. Depois de formatada, a agenda pode até ter certo conflito, mas estabiliza. Depois que monta, controlamos os protocolos e todos horários de quem joga dentro da arena", explica ele.
Disputa de projetos sociais é alta e clubes olham com atenção para talentos nas areninhas
Nascido e criado no José Walter, Jefferson precisou superar as dificuldades da falta de estrutura e de oportunidades escassas para se tornar jogador profissional. Apesar de na época existir vários campos, nenhum tinha a qualidade das areninhas.
"Há um respeito das comunidades pelos equipamentos. Em todas as crises de segurança pública, as areninhas ficaram intactas. Isso me marcou muito"
Como coordenador na Secretaria, o ex-goleiro tem visto de perto a evolução dos trabalhos sociais e o impacto na vida dos jovens das periferias de Fortaleza.
"Tinham muitos campos, poucos projetos, poucos trabalhos de base. A oportunidade era rara para se tornar profissional jogando no bairro. Quem ia ver os meus lances se não tinha internet? Não tinha o bombardeio de informação como hoje. Uma imagem no celular já faz o jogador aparecer. Aí o que acontece daquela época para cá: diminuíram os campos e se tornaram areninhas. A utilização dos campos na época era pequena, só fim de semana", conta.
"Hoje, eu tenho areninhas com qualidade melhor. Existe uma disputa muito grande de projetos sociais para treinar dentro das areninhas. As areninhas foram completamente utilizadas por todas as categorias", completa.
"Oi! Aqui é o Lucas Mota, editor de Esportes do O POVO. O que você está achando do assunto? Vamos conversar sobre nos comentários? Mande sua mensagem que responderei."
Jefferson conta ainda que os próprios clubes de futebol passaram a olhar com cuidado para o que acontece dentro das areninhas à procura de novos talentos.
"Ficou mais visível. Os clubes fazem seletivas dentro da areninha. A areninha trouxe qualidade. Não tinha perigo do clube ir ao campo de areia para fazer peneirada no terrão. Agora os clubes estão indo. Eles procuram mensalmente", afirma.
Há seis anos na linha de frente do projeto, o ex-goleiro ressalta a importância da implementação do equipamento esportivo nas comunidades da capital cearense.
"Todos sabem que o esporte salva. Salva não só o físico, mas o social, a cidadania. Me impactou muito o futebol feminino, por mais que tenha dificuldades, mas você vê as areninhas dando oportunidades a essas meninas. A quantidade de projetos sociais que se reúnem nesse equipamentos, tiram muitos garotos da criminalidade. Há um respeito das comunidades pelos equipamentos. Em todas as crises de segurança pública, as areninhas ficaram intactas. Isso me marcou muito."
Com Pedro Mairton
Especial vai mostrar como o esporte é capaz de mudar a vida de pessoas e comunidades, a partir de projetos como o Areninhas