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Mulher, negra e jovem: o perfil demográfico dos professores cearenses
Reportagem Seriada

Mulher, negra e jovem: o perfil demográfico dos professores cearenses

Hoje referência nacional em educação pública, o Ceará conta com o trabalho de centenas de docentes todos os dias, e os dados levantados pelo O POVO+ mostram quem são as pessoas que constroem, na prática, os números do sucesso
Episódio 3

Mulher, negra e jovem: o perfil demográfico dos professores cearenses

Hoje referência nacional em educação pública, o Ceará conta com o trabalho de centenas de docentes todos os dias, e os dados levantados pelo O POVO+ mostram quem são as pessoas que constroem, na prática, os números do sucesso
Episódio 3
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No primeiro episódio desta série, falamos da trajetória que o Ceará percorreu até ser nacionalmente reconhecido como uma referência nas políticas públicas educacionais.

Desde o governo Tasso Jereissati, o modelo educacional do Ceará segue um sistema em que a educação básica é de responsabilidade compartilhada entre Estado e municípios, que trabalham juntos para definir as políticas e projetos públicos. 

Essa estrutura, consolidada ao longo dos anos, tem rendido resultados expressivos. Em 2023, o Ceará alcançou 4,6 pontos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A meta para o período era de 6 pontos e o Estado ficou com o terceiro estado com melhor desempenho do Brasil. 

Dentre indicadores, exames avaliativos e também controvérsias, o sucesso cearense no campo educacional depende, no fim das contas, daquilo que acontece dentro da sala de aula, entre professores e estudantes.

Neste episódio, usamos dados públicos do Ministério da Educação para traçar o perfil docente do Ceará, e entender quem são as pessoas que constroem, na prática, os número que fazem do Estado uma referência nacional em educação pública. 

 

 

Com quantos paus se faz uma canoa?

Um princípio básico para o funcionamento de qualquer instituição é ter pessoal qualificado para executar o trabalho. E para chegar onde o Ceará chegou, o trabalho não foi feito do dia para a noite, muito menos a poucas mãos. Então, quantos são os docentes cearenses?

Entre 2010 e 2023, o número total de professores de ensino médio no Ceará apresentou oscilações, refletindo períodos de contratações e crises. Entre 2010 e 2015, o aumento no número de docentes foi constante, com um pico em 2013, quando havia 20.426 professores.

Esse crescimento inicial está associado às contratações realizadas após o concurso público de 2010. No entanto, a partir de 2016, o número de professores começou a cair.

Confira a variação no número de professores

 

Quando se olha para o número total de professores no início do período (2010) em comparação com 2023, verifica-se um aumento global de cerca de 12%.

Os anos de 2016 e 2020 foram destacados como anos em que o número total de professores diminuiu, sendo a redução mais acentuada em 2021, quando havia apenas 17.670 profissionais em atividade. 

 

Eventos específicos podem influenciar na quantidade

 

Em 2022, começou uma recuperação no número de docentes, com 19.230 profissionais, número que subiu para 19.763 em 2023, resultado das convocações de aprovados no concurso de 2018.

Essa recuperação tem sido fundamental para suprir as demandas do ensino médio, que se mantém uma prioridade para o estado, visando à continuidade dos bons resultados educacionais. 

Além do número, é preciso destacar também uma variação na formação dos docentes. Nos últimos anos, tem crescido o número de professores com pós-graduação atuando na educação básica. Os profissionais que, além da graduação, possuem pelo menos uma especialização lato sensu cresceu aproximadamente 65% entre 2010 e 2023.

Já o aumento no número de mestres foi o mais expressivo, saindo de menos de 150 para mais de 780 profissionais. Enquanto ao número de professores com doutorado atuando na rede pública, o aumento também foi significativo; em 13 anos, o número foi de 15 para 100 profissionais. 

 

Veja no gráfico o aumento no número de docentes com pós-graduação

 

 

Agora é que são elas: a predominância feminina na Educação

No que diz respeito à composição de gênero, o cenário nas escolas de ensino médio cearenses é marcadamente feminino. O número de professores homens cresceu de 7.389 em 2010 para 9.307 em 2013, estabilizou-se em torno desse número até 2017, quando caiu para 8.539.

A partir desse ponto, houve um novo crescimento, alcançando 9.617 em 2023. Por outro lado, o número de professoras mulheres também oscilou ao longo dos anos. Em 2010, havia uma leve queda em relação ao ano anterior, mas o número voltou a subir até atingir 11.119 em 2014.



Confira a variação de homens e mulheres atuando como professores 

 

 A partir de 2017, houve uma redução considerável no total de professoras, chegando a 9.586 naquele ano. Contudo, assim como nos homens, o número voltou a crescer gradualmente até alcançar 10.146 professoras em 2023.

Embora a diferença entre o número de professores homens e mulheres esteja diminuindo, as mulheres continuam sendo maioria. Além disso, a presença feminina é ainda mais marcante em cargos de liderança e gestão nas escolas estaduais.

 

Historicamente, as mulheres sempre foram maioria na categoria docente

 


São cerca de 350 diretoras, 970 coordenadoras pedagógicas e 2.700 servidoras ocupando diversas funções nas instituições. Nas Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação (Crede) e na Superintendência das Escolas Estaduais de Fortaleza (Sefor), a presença feminina também é significativa, com 10 coordenadoras e mais de 150 funcionárias.

Na Secretaria da Educação do Estado (Seduc), das 15 coordenadorias existentes, 12 são chefiadas por mulheres, incluindo a própria titular da pasta, Eliana Estrela, que exalta a presença feminina na gestão.

“Ser mulher e estar à frente da Secretaria da Educação é, ao mesmo tempo, um desafio e motivo de muito orgulho. A rede estadual de ensino é formada por muitas mulheres fortes, corajosas e, acima de tudo, competentes nas áreas que ocupam. Sem dúvida o olhar cuidadoso e o comprometimento diário destas mulheres são fundamentais para o sucesso da nossa educação cearense”, considera a secretária.

Essa predominância feminina reflete não apenas as políticas públicas voltadas para o empoderamento das mulheres no campo educacional, mas também que, tradicionalmente, as mulheres são a maioria nos cursos de licenciatura. Em 2010, o número de mulheres recém-formadas era de 2.025, enquanto os homens totalizavam 1.249.

Nos anos seguintes, os números oscilaram, com as mulheres se mantendo sempre em maior número. Entre 2011 e 2016, o volume de egressos femininos variou entre 1.764 e 2.431, enquanto os homens permaneceram entre 1.117 e 1.377.

Em 2017, houve um aumento expressivo em ambos os grupos, com 3.493 mulheres e 1.979 homens se formando. Em 2019, outro pico significativo foi registrado, com 4.047 mulheres e 2.193 homens

 

Veja como o número de professoras é reflexo do ensino superior

 
 

Contudo, nos anos de 2020 e 2021, devido à pandemia, ambos os números caíram, especialmente em 2021, onde houve a menor quantidade de formados no período (2.407 mulheres e 1.200 homens). Em 2022, observou-se uma nova recuperação, com 3.143 mulheres e 1.538 homens formados.

Os aumentos nos egressos de licenciatura tendem a anteceder os períodos de crescimento no número de professores. Isso é especialmente evidente após os concursos públicos, como em 2010, 2014 e 2018.

Após o concurso de 2010, o número de professores aumentou até 2013; depois de 2014, houve um crescimento até 2017, ano que coincidentemente marca o aumento expressivo no número de egressos de licenciatura.

O concurso de 2018 também coincide com o crescimento do número de professores nos anos seguintes. As mulheres continuaram sendo a maioria tanto entre os egressos quanto no corpo docente, mas os homens aumentaram sua participação de forma mais acentuada a partir de 2017, o que reflete a maior participação masculina nas formações e concursos.

Essas tendências indicam que os picos de egressos estão alinhados com a entrada de novos professores no mercado, influenciando diretamente a composição do corpo docente no estado.


 

Antes dos frutos, as raízes: a composição étnico-racial dos professores

Outro aspecto importante que caracteriza o perfil do professor cearense é a diversidade étnico-racial. Em 2023, a maioria dos professores se identifica como negra (pretos e pardos), somando 81,2% do total.

Esse número é superior à proporção de negros na população geral do Ceará, que é de 71,5%. Essa representatividade pode ser atribuída, em parte, a políticas afirmativas e a uma maior conscientização racial, especialmente após 2020, quando o crescimento da participação negra no corpo docente acelerou.

A participação de professores brancos, que representam 29,1% do total, está em consonância com a proporção de brancos na população cearense, que é de 27,9%.

 

Veja o gráfico que mostra a mudança no perfil étnico dos professores

 



A maior variação nos dados é o aumento significativo de professores amarelos, que passaram de 360 em 2011 para 5.529 em 2023, representando 8,9% do total de docentes, muito acima dos 0,1% da população cearense que se identifica como amarela.

Esse crescimento pode ser reflexo de maior conscientização sobre identidade racial e autodeclaração. Os professores indígenas, embora em menor número, também têm uma representação significativa. Em 2023, eles somavam 779 professores, o que representa 1,3% do total, uma proporção maior do que a da população indígena geral, que é de 0,6%.

Esses números indicam esforços para a inclusão de indígenas no setor educacional, seja por meio de políticas afirmativas ou por iniciativas locais voltadas à formação desses profissionais.

 

 

A voz da experiência: o envelhecimento da categoria docente

Uma tendência preocupante identificada ao longo dos últimos 12 anos é o envelhecimento da força de trabalho docente no Ceará. A faixa etária mais jovem, de 18 a 24 anos, teve uma queda expressiva, passando de 8.306 professores em 2011 para 4.615 em 2023.

Essa redução foi particularmente acentuada durante a pandemia, com o ponto mais baixo registrado em 2021. Da mesma forma, a faixa de 25 a 29 anos também diminuiu, embora de forma menos drástica. Em 2011, havia 14.444 professores nessa faixa etária, e em 2023, o número era de 12.601.

 

Veja os gráficos que mostram as mudanças no perfil etário 

 


Por outro lado, o número de professores mais velhos aumentou consideravelmente. A faixa de 30 a 39 anos manteve-se estável, com pequenas variações, passando de 32.808 em 2011 para 33.114 em 2023.

No entanto, as faixas etárias de 40 a 49 anos e de 50 a 54 anos apresentaram um crescimento significativo.

Entre 2011 e 2023, o número de professores entre 40 e 49 anos subiu de 24.116 para 33.230, enquanto a faixa de 50 a 54 anos praticamente dobrou, de 5.088 para 11.172 professores.

 

Veja no gráfico as tendências de mudança na faixa etária dos professores cearenses 

Esse envelhecimento da categoria docente pode gerar desafios para a renovação da profissão nos próximos anos.

A redução do número de professores mais jovens e a tendência de permanência dos profissionais mais velhos no setor indicam a necessidade de atrair novos profissionais, especialmente os mais jovens, para garantir a continuidade e a qualidade do ensino no Ceará.

 

 

Desafios para o Futuro: renovação e continuidade

O perfil do professor cearense de ensino médio em 2023 é complexo e multifacetado, mas trata-se, em sua maioria, de mulheres, pretas ou pardas e com mais de 30 anos de idade, que têm uma presença marcante tanto na sala de aula quanto nos cargos de liderança e gestão.

A categoria apresenta ainda uma diversidade étnico-racial crescente, com a inclusão de professores de diferentes origens, e também enfrenta o desafio do envelhecimento, com uma redução significativa do número de professores mais jovens.

Nesse sentido, as políticas e os concursos públicos têm desempenhado um papel crucial na manutenção e reposição do corpo docente, mas a necessidade de renovação e de atração de novos talentos permanece uma preocupação central para o futuro da educação no Estado, uma vez que a quantidade de alunos na rede pública tem crescido, e em algumas cidades, já não há mais escolas particulares. 

 

Veja a evolução da quantidade de estudantes matriculados na rede pública do Ceará

 

O fortalecimento da escola pública bate de frente com contradições, estimula a quebra ciclos, inicia tradições e conecta pessoas. Para ir além dos números e contar as histórias das pessoas que constroem e foram construídas pelo sistema público de educação do Ceará, confira o terceiro e último episódio desta série. 

 

 

Metodologia sobre uso de Inteligência Artificial

Para produção desta reportagem, O POVO+ utilizou duas ferramentas de Inteligência Artificial. A primeira foi o Notebook LM, IA do Google, para fazer pesquisas mais aprofundadas nos documentos disponibilizados pela Secretaria da Educação do Ceará e pelo Ministério da Educação.

A reportagem carregou os documentos na plataforma de IA e a partir disso foi possível fazer buscas por determinados assuntos nos documentos.

A segunda ferramenta utilizada foi a Julius AI, uma ferramenta de análise de dados inteligente que interpreta, analisa e sugere visualizações de dados complexos.

A Julius AI ajudou na raspagem, limpeza e análise de dados da planilha com dados do Censo Escolar fornecida pela Secretaria de Educação do Ceará. Para acessar a íntegra dos dados, clique aqui.

Nenhuma IA generativa foi utilizada para criar dados estatísticos, escrever texto ou gerar imagens ao longo desta reportagem.

"Olá, eu sou Mateus Mota, do O POVO+. Neste episódio fomos a fundo nos dados públicos do MEC e da Seduc-CE com a ajuda de Inteligência Artificial. Gostou da reportagem? Me conta aqui nos comentários! Até a próxima!"

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Educação no Ceará

Série de reportagens se debruça sobre dados do Ministério da Educação que indicam ser a rede pública de Ensino Fundamental cearense a melhor do País. Do modelo sobralense de alfabetização ao ambicioso projeto de educação em tempo integral, são mais de 30 anos de políticas públicas e um trabalho que envolve gestores públicos, professores e famílias. Vamos entender o que faz do Ceará uma referência nacional em educação