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Cooperativismo: trabalho coletivo impulsiona economia e transformação social
Reportagem Seriada

Cooperativismo: trabalho coletivo impulsiona economia e transformação social

| ECONOMIA SOLIDÁRIA | Impacto das cooperativas não se limita ao aspecto econômico; transformação alcança núcleo social de famílias
Episódio 1

Cooperativismo: trabalho coletivo impulsiona economia e transformação social

| ECONOMIA SOLIDÁRIA | Impacto das cooperativas não se limita ao aspecto econômico; transformação alcança núcleo social de famílias
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O cooperativismo é como uma grande roda. Cada pessoa traz algo único para o círculo e, ao invés de competir, soma forças para girar mais forte e mais longe. É a transformação do “eu” em “nós”, onde cada conquista é compartilhada e cada desafio é enfrentado coletivamente. Ninguém é deixado para trás, e o sucesso de um é o sucesso de todos.

Este sistema envolve mais de 160.000 famílias diretamente no Ceará, com 147.805 cooperados e 12.216 empregados. E, considerando os impactos indiretos, beneficia cerca de meio milhão de pessoas no Estado, promovendo a colaboração entre indivíduos com interesses comuns em diversas atividades econômicas.

Nos municípios com presença de cooperativas, há incremento de R$ 5,1 mil no Produto Interno Bruto (PIB) por habitante (hab), 28,4 empregos a mais por dez mil habitantes, 14,8 estabelecimentos a mais por mil habitantes, US$ 344,4/hab a mais em exportações, US$ 121,5/hab a mais em importações e R$ 96,2/hab a mais no resultado comercial.

Cooperativas devem faturar R$ 7 bilhões em 2025 no Ceará.(Foto: Freepik/Uso Gratuito)
Foto: Freepik/Uso Gratuito Cooperativas devem faturar R$ 7 bilhões em 2025 no Ceará.

Os dados são do AnuárioCoop 2024, o qual reúne as informações mais recentes sobre o setor, referentes a 2023, repassadas pelo Sistema OCB-CE, que inclui o Sindicato e a Organização das Cooperativas no Ceará, o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Ceará e a Federação dos Sindicatos e Organizações das Cooperativas dos Estados do Nordeste.

“O rendimento gerado por essas cooperativas é distribuído entre os associados e circula dentro do próprio município. Isso fortalece o comércio local e quebra o ciclo em que municípios pequenos alimentam os grandes, os grandes alimentam os gigantes e, no final, o lucro vai parar fora do Estado ou do País”, avalia o presidente do Sistema OCB-CE, Nicédio Nogueira.

Nos municípios com presença de cooperativas, há incremento de R$ 5,1 mil no Produto Interno Bruto (PIB) por habitante.(Foto: Freepik/Uso Gratuito)
Foto: Freepik/Uso Gratuito Nos municípios com presença de cooperativas, há incremento de R$ 5,1 mil no Produto Interno Bruto (PIB) por habitante.

A diretora de economia popular e solidária da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece), Silvana Parente, concorda: “A economia precisa rodar de forma que não dependa apenas das grandes empresas. Estamos falando de pequenas fábricas, mas que já nascem com um processo mais justo de distribuição de renda.”

O Sistema OCB destaca que, ao longo dos anos, o movimento em torno do cooperativismo tem crescido e muitas dessas entidades foram constituídas em momentos de adversidades ou escassez de recursos, no intuito de promover melhores condições econômicas, sociais e de trabalho aos seus cooperados. Esta é a razão pela qual foram constituídas.

O Sistema OCB destaca que, ao longo dos anos, o movimento em torno do cooperativismo tem crescido.(Foto: Freepik/Uso Gratuito)
Foto: Freepik/Uso Gratuito O Sistema OCB destaca que, ao longo dos anos, o movimento em torno do cooperativismo tem crescido.

A diretora da Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários no Ceará (Unisol Ceará) e de economia solidária na Central Única dos Trabalhadores no Ceará (CUT-CE), Lúcia Silveira, salienta que o impacto das cooperativas não é só econômico, mas faz a diferença, principalmente, para os indivíduos com menor renda e suas famílias.

“O Ceará tem se destacado porque as pessoas aqui entenderam que, sozinhas, não conseguem avançar. É necessário se organizar e buscar acesso às políticas públicas. O Estado também tem sido pioneiro na criação de programas e conselhos que fortalecem essa rede. Espero que outras regiões possam seguir esse exemplo e perceber a importância de fortalecer a economia solidária para transformar vidas”, segundo Lúcia.

A chamada economia solidária tem sido vista, também, como “muito promissora” pelo governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT). Ele cita as cooperativas como “instrumentos fundamentais para que o pequeno empreendedor tenha a capacidade de alavancar investimentos”. Todavia, frisa que ainda há muito a desenvolver.

Gestão das cooperativas é desafio.(Foto: Unsplash/Uso Gratuito)
Foto: Unsplash/Uso Gratuito Gestão das cooperativas é desafio.

O presidente do Sistema OCB-CE relata alguns desafios, especialmente nas pequenas cooperativas. Muitas vezes, essas entidades são geridas pelos próprios associados, que não possuem conhecimentos aprofundados sobre gestão. Diferentemente das grandes cooperativas, que contratam especialistas do mercado.

Já a diretora da Unisol Ceará menciona a dificuldade de acesso à crédito como um empecilho, mesmo que o cenário seja facilitado por meio das cooperativas. O próprio governador do Ceará reforça que o Estado tem buscado participar de um edital do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para fortalecer tais organizações com recursos.

 

 

Cooperativas rumam aos R$ 7 bilhões em faturamento no Ceará

As cooperativas projetam alcançar um faturamento de R$ 7 bilhões no Ceará em 2025, segundo o presidente do Sistema OCB-CE, Nicédio Nogueira. “Se classificássemos o cooperativismo do Ceará como uma única empresa, poderíamos até estar, talvez, entre as maiores do Estado”. No Brasil, a expectativa é de alcançar R$ 1 trilhão até 2027.

Economia, Moeda Real,Dinheiro, Calculadora(Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil)
Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil Economia, Moeda Real,Dinheiro, Calculadora

Atualmente, este montante anual já ultrapassa R$ 6 bilhões no Ceará. O Sistema OCB-CE pretende, inclusive, apresentar propostas detalhadas à Secretaria do Desenvolvimento Econômico (SDE) para a construção de parcerias, a fim de fomentar o cenário estadual. Representantes das entidades se reuniram no último dia 14.

O novo secretário da SDE, Domingos Filho, destacou, na ocasião, o desempenho das cooperativas do Ceará e reafirmou a necessidade de captar mais investimentos para a produção. “Nosso foco é fortalecer o setor produtivo, e o cooperativismo desempenha um papel fundamental nesse cenário”, explicou em comunicado.

Novo secretário do Desenvolvimento Econômico do Ceará, Domingos Filho.(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Novo secretário do Desenvolvimento Econômico do Ceará, Domingos Filho.

A diretora de economia popular e solidária da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece), Silvana Parente, afirmou que o órgão tem, ainda, conhecido pequenos grupos produtivos voltados à economia solidária, os quais podem ser “embriões para futuras cooperativas”, bem como alavancar perspectivas econômicas.

A Adece dispõe de uma linha de microcrédito, denominada Ceará Credi, que fortalece o segmento e capacita microempreendedores. Até dezembro de 2024, o programa havia financiado R$ 9,2 milhões em 18 operações. Foram 12 cooperativas agraciadas, com três delas na segunda operação.

Dinheiro, Real Moeda brasileira(Foto: José Cruz/Agência Brasil)
Foto: José Cruz/Agência Brasil Dinheiro, Real Moeda brasileira

Especialistas esclarecem, todavia, que a modalidade do cooperativismo é diferente do assistencialismo. Nicédio advertiu que muitas pessoas ainda veem as cooperativas como sinônimo de instituições de ajuda. O modelo cooperativista atua, porém, na participação ativa via trabalho, na autogestão e na divisão de responsabilidades.

“Não é assistencialismo. Nós vemos a economia solidária como algo que pode organizar os trabalhadores em cooperativas e fortalecer essas pessoas”, acrescentou a diretora da Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários no Ceará (Unisol Ceará) e de economia solidária na Central Única dos Trabalhadores no Ceará (CUT-CE), Lúcia Silveira.

Nicédio Nogueira, presidente do Sistema OCB-CE.(Foto: Kardel Producoes Fotograficas)
Foto: Kardel Producoes Fotograficas Nicédio Nogueira, presidente do Sistema OCB-CE.

Neste cenário, o presidente da Junta Comercial do Estado do Ceará (Jucec), Eduardo Jereissati, explicou que as cooperativas cearenses exercem atividades em setores variados, com destaque para a saúde, que dispõe de 33 cooperativas. Entretanto, a agropecuária domina, com 35 cooperativas no Estado, conforme o Sistema OCB-CE.

“Essas instituições são muito valiosas na contribuição para a geração de emprego, assim como na distribuição de renda e na geração de riquezas e valores para o nosso Estado”, disse. Eduardo pontuou, também, que a Jucec registra as cooperativas. Elas passam por análises junto a entidades e sociedade civil para averiguar a conformidade jurídica de seus documentos.

 

 

ONU escolhe 2025 como Ano Internacional das Cooperativas

Com o lema “cooperativas constroem um mundo melhor”, a Organização das Nações Unidas (ONU) definiu 2025 como o Ano Internacional das Cooperativas, destacando o impacto global duradouro das entidades e enfatizando o modelo como uma solução crucial para enfrentar desafios em diversos países. O primeiro ano voltado ao tema foi instituído em 2012.

Nações Unidas.(Foto: Unsplash/Uso Gratuito)
Foto: Unsplash/Uso Gratuito Nações Unidas.

A entidade destacou o impacto das cooperativas na redução da pobreza, na geração de emprego e na integração social. A ONU ressaltou, também, o papel significativo das instituições no avanço da implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030.

Os principais objetivos para o ano incluem governos criando um ambiente favorável para as cooperativas e cooperativas promovendo a conscientização pública, desenvolvendo novos líderes e aproveitando a cooperação.

Além disso, instituições e agências de desenvolvimento promovendo cooperativas por meio da educação, fortalecendo capacidades e facilitando a colaboração internacional, e o público entendendo a identidade cooperativa e apoiando iniciativas cooperativas.

ONU define 2025 como ano internacional das cooperativas.(Foto: Unsplash/Uso Gratuito)
Foto: Unsplash/Uso Gratuito ONU define 2025 como ano internacional das cooperativas.

O subsecretário-geral do departamento de assuntos econômicos e sociais das Nações Unidas, Li Junhua, afirmou, em comunicado divulgado no site da ONU, que a decisão não poderia ser mais oportuna, citando contribuições inovadoras das cooperativas.

Ele acredita no poder da cooperação para criar mudanças transformadoras de forma duradoura. A ONU orientou, assim, a criação de comitês nacionais para coordenar e promover atividades neste ano em seus estados membros.

“O segundo Ano Internacional das Cooperativas será uma oportunidade para mobilizar todas as partes interessadas a apoiar e expandir as cooperativas em todos os lugares, fortalecendo suas contribuições para um mundo melhor”, detalhou Li.

"É um momento tanto para celebração quanto para ação. As cooperativas incorporam um modelo de empreendimento e comunidade onde a inclusão, o empoderamento e a resiliência social são tão valorizados quanto a receita e o lucro”, acrescentou.

 

 

Do trabalho solitário à força da união: A história de um catador no Ceará

 José Borges, catador em Fortaleza. (Foto: Aurélio Alves/Jornal O POVO)(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES José Borges, catador em Fortaleza. (Foto: Aurélio Alves/Jornal O POVO)

Ao passar por um “aperto” em 1985, José Borges Ferreira, hoje com 70 anos, decidiu sair com o filho nas ruas. O passeio tomou um rumo que mudaria a história da família. Após a criança começar a coletar materiais jogados no chão, o pai se juntou ao filho na brincadeira, que, pouco tempo depois, passou a ser rentável. De lá para cá, são 40 anos de trabalho.

O catador de materiais recicláveis faz parte da Rede de Catadores de Resíduos Sólidos Recicláveis do Estado do Ceará (Rede). Assim como no início da sua trajetória profissional, o homem, que se viu inspirado pelo filho, hoje conta com o apoio de outros catadores no trabalho coletivo, compartilhando, além do serviço, histórias e emoções.

“Eu acho que é melhor trabalhar junto com os outros. A convivência, a amizade... isso dá força para a gente continuar. E também você pode contar com os outros, a gente pode contar com a maioria. Por muitos anos, eu trabalhei sozinho, catando os materiais na rua, mas agora fico só na parte de triagem”, detalhou.

Representante do Movimento Nacional dos Catadores no Ceará e ex-presidente da Rede, Cícero Sousa. (Foto: Aurélio Alves/Jornal O POVO)(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Representante do Movimento Nacional dos Catadores no Ceará e ex-presidente da Rede, Cícero Sousa. (Foto: Aurélio Alves/Jornal O POVO)

O representante do Movimento Nacional dos Catadores no Ceará e ex-presidente da Rede, Cícero Sousa, 52, reforçou que a união dos catadores fortalece as lutas e ajuda a superar desafios. Na sua visão, o cooperativismo exige um trabalho coletivo, mas se torna um desafio para os catadores devido à burocracia e outros requisitos.

Embora o cooperativismo seja considerado o modelo ideal por Cícero, a realidade de muitos catadores ainda os leva a se reunir por meio de associações. A Rede é uma dessas associações, que tem fortalecido o trabalho dos catadores e se apresenta como um exemplo de como as associações podem funcionar como um passo inicial de organização em direção ao cooperativismo.

Borges trabalha há 40 anos como catador. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Borges trabalha há 40 anos como catador. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)

Sobre os desafios, o representante detalhou que é muito complicado o preconceito em torno dos catadores. “É um trabalho fundamental para a sociedade, e esperamos que, em breve, o nome “catador” não seja mais associado a lixeiro, mas sim a tratador ambiental, como parte da solução para o desequilíbrio ambiental e a emergência climática.”

“Nosso desejo é que, em 2025, possamos avançar mais, pois as mudanças climáticas estão se intensificando e a temperatura está aumentando, causando desequilíbrio ambiental. A questão das chuvas, do solo e dos bueiros contaminados também está piorando. Então, nosso desejo é que a Rede de Catadores continue se fortalecendo cada vez mais.”

A Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema) investiu R$ 15,4 milhões no serviço ambiental prestado pela categoria em 2024 no Ceará. Coletivamente, 3,6 mil catadores – de 101 associações e cooperativas – coletaram mais de 26 mil toneladas de recicláveis em 122 municípios.

“É uma política pública importante. Nosso maior problema no Ceará ainda são os lixões a céu aberto, e temos uma preocupação enorme em acabar com eles, inserindo os catadores nessa cadeia de forma profissionalizada”, detalhou a secretária Vilma Freire.

 

 

Economia sustentável: a força do cooperativismo

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