Era 1919 o pintor norueguês Edvard Munch representou a si mesmo em uma pintura. Tinha a pele amarelada, a exemplo de sua obra mais famosa, “O Grito” (1893). No auto retrato, ele estava sentado em uma cadeira, com um cobertor a cobrir parte do corpo convalescente, o que ressaltava a aparência frágil do artista que sobreviveu à Gripe Espanhola (o pintor austríaco Gustav Klimt, seu contemporâneo, não teve a mesma oportunidade). A pandemia daquela época varreu da face da Terra impressionantes 50 milhões de pessoas, cerca de 3% da população mundial, segundo estimativas.
2020 chega e, com ele, outra pandemia. Graças ao trabalho dos profissionais da saúde e aos pesquisadores que desenvolveram as vacinas, aos poucos os números estão arrefecendo, o que motivou o artista de rua Banksy a grafitar no mesmo ano a imagem de uma criança brincando com uma enfermeira transformada em super-heroína de brinquedo. Em 2021, cá para os lados brasileiros, Marisa Monte e Chico Brown escreveram o verso "Sei que logo vem a alvorada" para a música "Calma", e indica que para pensar o futuro é preciso driblar a madrugada, uma clara alusão ao momento em que passamos. E assim, a passos curtos, como se de fato driblassem a madrugada, nossos artistas têm caminhado rumo à reabertura que engrena juntamente à publicação de decretos estaduais e a evolução do controle da covid-19.
“Essa retomada das atividades artísticas simboliza a superação da pandemia e nos aproxima da retomada da vida. Talvez porque elas tenham sido as primeiras a parar, quando a Covid-19 ficou forte. Mas também há outro viés. O isolamento imposto pela pandemia é a desconexão, a introspecção. As atividades artísticas e culturais simbolizam a alegria, a vida, o contato, a troca e a conexão — tudo o que nos faz humanos”, afirma o jornalista Sérgio Sá Leitão, secretário da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo e ex-ministro da Cultura na presidência de Michel Temer.
Questionado sobre como ele imagina que deve ser esse retorno da cultura, Sérgio faz algumas análises sobre o que tem experimentado à frente da secretaria do estado mais populoso do Brasil: “Houve um aumento de consumo de audiovisual, e não estou me referindo aqui a filmes e séries e sim, a conteúdos culturais diversos transmitidos online, como teatro, dança, museus e música, da popular à ópera. Isso foi positivo, inclusive para a saúde mental das pessoas e para a cena cultural e a economia criativa. Claro que o desafio sobre como monetizar essas atividades permanece”, enumera.
“Imagino que daqui por diante as apresentações artísticas e os conteúdos culturais sejam compartilhados de maneira híbrida, inclusive de forma simultânea, ou seja, presencial e online ao mesmo tempo. Mas estamos no campo das incertezas, já que houve uma interrupção dos hábitos de fruição da cultura por parte do público. Vai ser preciso desenvolver maneiras de estimular isso. Eu defendo o investimento público na cultura, mas é preciso também o investimento privado e a construção da lógica de indústria cultural autossuficiente”, destaca.
Em dez anos, o o orçamento destinado à área da cultura pelo governo federal caiu quase pela metade — era R$ 3,34 bilhões em 2011 e em 2021, R$ 1,73 bilhões. Os motivos para as reduções continuadas seriam a crise fiscal, a rotatividade de quadros e a descontinuidade de políticas no governo federal, de acordo com análise feita em 2019 pelo IBGE sobre o Sistema de Informações e Indicadores Culturais.
Segundo um levantamento realizado pela Fundação Getúlio Vargas em 2018, só a Lei Rouanet reverte R$ 1,59 para cada R$ 1 investido em projetos culturais por meio da legislação. Ou seja, fechar a mão para o setor deixa de gerar retorno para a sociedade na forma de renda, emprego e arrecadação de impostos. É um passo em falso não só para o desenvolvimento da cultura mas também para a própria economia.
O setor cultural já esteve em situações difíceis em vários momentos da nossa história mas também conseguiu se estabelecer em alguns períodos.
Levantamento mostra algumas iniciativas de âmbito nacional e também das locais (municipais e estaduais). Os editais do governo estadual tiveram em 2021 um acréscimo no orçamento em relação ao de 2020, o qual foi cancelado em virtude da pandemia, e terão assim mais artistas contemplados. Confira também informações sobre editais que deverão ser abertos ainda neste ano, de acordo com informações obtidas nas próprias instituições (com exceção da Funarte, que, até o fechamento dessa reportagem, não respondeu aos emails enviados pelo O POVO com solicitação de informações.
O POVO conversou com artistas de diversas áreas de Fortaleza e do Interior sobre como será a retomada da cultura para 2021-2022 e quais os desejos, estratégias e marcas que a pandemia deixou na arte.
A série de reportagens analisa como o Governo Bolsonaro tem desarticulado a pasta da Cultura a partir de gestores inexperientes e cortes em orçamentos