O amor de uma mãe por um filho pode se manifestar em gestos antes mesmo do início da nova vida no útero materno. Escolher desafiar o desconhecido, que chegou em forma de pandemia, foi a primeira prova de amor enfrentada pela enfermeira Ana Carolina Ribeiro, 32 anos, que decidiu não desistir da gravidez que havia planejado, mesmo diante de um cenário incerto.
"Nós estávamos planejando a gravidez para esse momento e veio a pandemia, no meio de tudo isso, claro que deu muito medo e muita dúvida, não a dúvida em si de engravidar nesse momento, mas do que poderia vir a acontecer", relata.
A descoberta da gravidez veio em julho de 2020. Em meio a tantas dúvidas, a gestação da pequena Ana Lílian era uma das poucas certezas que Carol tinha para sua vida durante os próximos nove meses. O caminho não foi fácil, além de todas as privações impostas pela pandemia, mesmo mantendo todos os cuidados, o vírus chegou até a casa de Carolina.
"Eu não faltava a pré-natal, fazia todos os exames, além de tomar todas as precauções para não adquirir a doença, ficava muito tempo em casa, usava máscara nos ambientes que eu ia, álcool em gel sempre, tentava sair o mínimo possível, somente quando necessário. Com isso, a gestação ocorreu bem até mais ou menos as minhas 36/37 semanas, que foi quando eu adquiri a Covid-19"
Além de estar acometida pela doença, Carol também foi contaminada pelo medo. As orientações clínicas que recebia davam conta do risco elevado de gestantes, no terceiro trimestre de gravidez, sofrerem uma trombose venosa profunda em decorrência da Covid-19. Mesmo com sintomas leves, a enfermeira sentiu falta de ar moderada, mas não precisou ser hospitalizada. Até hoje, as lembranças dos riscos enfrentados assustam.
"Quando eu lembro que o que eu sentia afetaria diretamente a minha bebê, ainda me dá um arrepio e um frio na barriga, porque eu vivi momentos muito tensos, eu não sabia o que estava acontecendo e não sabia o que poderia acontecer com a bebê", desabafa.
"Eu acho que, de modo geral, para todas as gestantes que passaram pela doença, foi um período de muitas dúvidas, muito medo, de muita insegurança, no qual tiveram que ter muita fé e paciência para passar por isso."
Ana Carolina conta que foi contaminada pelo marido, que também atua na área da saúde e trabalha como médico. Ambos mantiveram o isolamento social em casa durante o período da doença. Carol conta que o seu momento de maior insegurança ocorreu quando precisou de assistência dos serviços de saúde. O temor era motivado pelas adaptações hospitalares para receber pacientes contaminados pelo vírus.
"Meu maior medo, onde eu senti muita insegurança, foi nos serviços que eu procurei para atendimento. Eu precisava fazer exames, avaliações obstétricas e percebi que, quando eu chegava em determinado serviço, sentia que as adequações que eles tinham realizado em um curto período de tempo deixavam um ar de muita insegurança."
Como mãe, Carol buscou o melhor acompanhamento possível durante toda a sua gestação. Com a ideia de levar todo o processo de maneira humanizada, assim como o parto. O amor pela vida que carregava consigo serviu de alicerce para enfrentar todas as adversidades encontradas diante da doença.
"Eu tive minha bebê agora no final de março e, por volta do final de fevereiro e comecinho de março, eu estava nesse impasse, peregrinando pelos hospitais, pelos serviços, à procura de atendimento. Tive de fazer vários ultrassons, muitos exames de sangue a cada 72 horas, foi bem complicado."
Durante os desafios apresentados pela contaminação, Carolina buscou forças em Deus, nos seus familiares e em todo o apoio que recebia da equipe médica que a acompanhou durante toda a gestação.
"Eu tentei me apegar a Deus, primeiramente. Tenho minha religiosidade, orei muito, pedi muito. Também tive todo o apoio dos profissionais que estavam comigo, além dos meus familiares, principalmente meu esposo, minha mãe e meu pai. Eu tinha medo, mas eu sabia que ia dar certo. Estava confiante de que eu ia passar pela doença, que ia sair dessa bem. A minha maior preocupação era com a bebê. Mesmo ficando doente no fim da gestação, não se sabe ainda os efeitos da Covid-19 na criança."
Tendo saído como vencedora, ao lado da filha, Carol demonstra empatia com todas as mulheres que passaram pelo processo da gravidez durante a pandemia. "Eu acho que, de modo geral, para todas as gestantes que passaram pela doença, foi um período de muitas dúvidas, muito medo, de muita insegurança, no qual tiveram que ter muita fé e paciência para passar por isso".
"Tive alguns percalços, como não conseguir fazer meu chá de bebê por causa das aglomerações. As reuniões familiares eram restritas, poucas pessoas acompanharam minha gravidez de perto, falando de familiares."
Até mesmo durante o parto, o momento mais esperado por tantas mães, o vírus exigia cuidados redobrados. Por se tratar de um risco invisível aos olhos, Carol conta que o momento não foi negligenciado.
"Mesmo você estando em um momento totalmente diferente, um parto, que não tem nada a ver com a doença, você vê que ela (a doença) pode estar ali. No quesito maternidade, ainda é mais complicado porque tem o bebezinho. Eu estava feliz porque estava parindo e ia ter o meu bebê nos braços, mas, ao mesmo tempo, você não consegue esquecer da doença, ela não se afasta em momento nenhum, é difícil".
Em meio aos relatos de Ana Carolina, o exercício da maternidade se fez presente. Isso porque a pequena Ana Lílian, com pouco mais de um mês de vida, pedia os cuidados da mãe. A entrevista ao O POVO teve de ser interrompida e retomada no dia seguinte, após a pequena bebê necessitar dos cuidados da amamentação e atenção materna.
Mesmo já tendo contraído a doença, Carol sabe que não é momento de relaxar. Os primeiros dias de maternidade seguem com todos os cuidados adotados durante o período de gravidez.
"Espera-se que por ter tido a doença, já se tenha uma certa imunidade, eu estou aguardando a minha vacinação. A minha imunidade pode ter passado para ela, mas não podemos confiar nisso, visto que é tudo muito desconhecido. Eu praticamente não recebi visita nenhuma, as pessoas que vêm aqui em casa são sempre as mesmas, e também passam por restrições de deslocamento".
As privações fizeram Ana Carolina viver uma experiência de gravidez diferente da habitual. O momento pandêmico acabou privando as vivências de uma "mãe de primeira viagem".
"Tive alguns percalços, como não conseguir fazer meu chá de bebê por causa das aglomerações. As reuniões familiares eram restritas, poucas pessoas acompanharam minha gravidez de perto, falando de familiares. Recebia pouquíssimas visitas, então poucas pessoas me viram grávida. É chato, é complicado. É minha primeira gestação, meu primeiro filho, eu esperava muita coisa. Já planejava bem antes, então eu esperava fazer um chá, esperava fazer tudo que envolve ter um filho, mas tudo isso foi tomado pela pandemia".
Mesmo diante das adversidades, Carol reconhece que existem mais motivos para agradecer ao longo dos nove meses que carregou consigo o seu primeiro filho. Para ela, a saúde da bebê e dos seus familiares está em primeiro lugar.
"Eu agradeço muito por não ter perdido ninguém da minha família, ninguém adoeceu de forma grave. Essas coisas acabam se tornando pequenas diante do que a Covid-19 pode causar dentro de uma família. Mas, ao mesmo tempo, o sentimento era de gratidão, porque eu estava passando pela pandemia, estava saudável, meu bebê também e todos os meus familiares bem, então isso supria a falta de alguns eventos"
Ser mãe e médica em tempos de Covid-19
Sofia germinou feito semente bem-vinda no ventre de Melissa Medeiros. O cordão umbilical, que carregou nutrientes e oxigênio para originar a vida, foi também o primeiro laço afetivo entre mãe e filha. Aos oito meses de gravidez, em meio a exaustivos plantões, a médica infectologista prometeu a si mesma não trabalhar mais durante a noite — o fim do dia se consagrou como tempo compartilhado entre as duas, horinhas para dois dedos de prosa e tarefas escolares. A pandemia de Covid-19, entretanto, afetou a rotina da médica: "Foi um ano de muitas mudanças, de muitas exigências, de chegar mais cedo no hospital e sair mais tarde. Eu nunca trabalhei tanto na minha vida", relata. Para as mães que são profissionais de saúde e atuam na linha de frente do combate ao coronavírus, o desafio da maternagem se reinventou.
Melissa Medeiros trabalha no Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ), no Hospital São Camilo e na Unichristus como professora. "Eu trabalhava muito com pacientes soropositivos e com pacientes com HIV. Hoje, eu faço enfermaria Covid e acompanho pacientes pós-Covid num ambulatório que montamos no hospital", partilha.
"Na minha vida, sempre a minha filha foi a maior prioridade. Mas muito antes de ela existir e de saber que eu seria mãe, eu tinha feito uma escolha, tinha feito uma promessa — e não era momento de voltar atrás. Essa é a minha missão."
Em março de 2020, Melissa teve o primeiro contato com a doença no hospital particular. "Tivemos que montar toda a estrutura de isolamento, bloqueio, entrada, saída, troca de roupa, protocolo de segurança, organizar as UTIs… E, naquele momento, eu tive que tomar uma decisão muito séria sobre a minha família".
Mãe solo, a médica de 47 anos é a principal responsável pela pré-adolescente de 14 anos. "Somos só minha filha e eu. Se eu ficasse doente, ela seria minha contactante e eu não poderia contar com meus pais, já que teria o risco de ela transmitir para eles. Foi uma decisão difícil, foi muito dramático e eu nunca vou esquecer: no dia 19 de março do ano passado, eu precisei entrar na UTI Covid e tive que dizer a Sofia que ela ficaria com os avós por tempo indeterminado porque ninguém sabia o que aconteceria. Foi muito choro, eu senti como se realmente estivesse indo para uma guerra e me despedindo…", relembra Melissa. "Não sabia se ficaria doente, se evoluiria para um quadro sério, se já não poderia mais vê-la. Na minha vida, sempre a minha filha foi a maior prioridade. Mas muito antes de ela existir e de saber que eu seria mãe, eu tinha feito uma escolha, tinha feito uma promessa — e não era momento de voltar atrás. Essa é a minha missão".
Durante dois meses do ano passado, Sofia — então com 13 anos — ficou sob os cuidados dos avós. Em maio, Melissa contraiu Covid-19. "Depois que fiquei boa, ela voltou para nossa casa. Foi um período sofrido de separação porque somos muito ligadas. Desde então, compreendemos como trabalhar melhor medidas de proteção… A Sofia passou a ter uma vida mais individualizada e se tornou mais independente de muitas formas. Ela precisou se responsabilizar pelos estudos e foi espetacular nesse sentido", elogia a mãe.
Entre futuros que se reconstroem, Melissa aposta na esperança. "O que posso desejar para a minha filha é que ela tenha muita saúde — física e emocional — e que siga um propósito. Sempre ensino para ela que nossa vida tem sentido quando se tem o propósito de tornar o mundo melhor, nosso legado pode realmente fazer a diferença. Eu espero que a Sofia se torne uma pessoa íntegra, honesta e que as escolhas dela sejam sempre pautadas na ética e na solidariedade", deseja.
>> Conheça a repórter
Bruna Forte, fiilha de Luciana, neta de Maria Nilza, sobrinha de Lúcia e Juliana — criada por muitas mulheres Doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará e repórter do Núcleo de Cultura e Entretenimento
A experiência de mulheres que foram mães durante a pandemia