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Na 1ª eleição municipal após assassinato de Dandara, quais as propostas para população LGBTQIA+
Reportagem Seriada

Na 1ª eleição municipal após assassinato de Dandara, quais as propostas para população LGBTQIA+

Um assassinato ocorrido no Ceará há três anos chocou o Brasil com as imagens do assassinato da travesti Dandara Kettley, filmado pelos próprios executores. O Ceará terminou o ano passado atrás apenas de São Paulo no número de assassinato de pessoas LGBTQIA+. O POVO mostra o que os candidatos a prefeito propõe para esse público
Episódio 1

Na 1ª eleição municipal após assassinato de Dandara, quais as propostas para população LGBTQIA+

Um assassinato ocorrido no Ceará há três anos chocou o Brasil com as imagens do assassinato da travesti Dandara Kettley, filmado pelos próprios executores. O Ceará terminou o ano passado atrás apenas de São Paulo no número de assassinato de pessoas LGBTQIA+. O POVO mostra o que os candidatos a prefeito propõe para esse público
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O Ceará ocupou, no ano passado, o segundo lugar no Brasil em número de casos de transfeminicídios - assassinatos de mulheres transexuais, transgêneros e travestis relacionados à condição trans. A informação é da Associação Nacional de Transsexuais e Travestis (Antra), que contabiliza 11 casos no Estado, abaixo apenas de São Paulo, com 21 ocorrências e 46 milhões de habitantes, contra os 9 milhões do Ceará. O Nordeste é a região com maior concentração de casos: 45 casos, 37% do total nacional.

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Em 2017, os trágicos números do Ceará ficaram simbolizados em um nome, um rosto e nas cenas da barbárie sadicamente registradas pelos próprios executores. Em 15 de fevereiro de 2017, Dandara Kettley foi brutalmente torturada por, pelo menos, dez pessoas e, logo em seguida, executada com, pelo menos, três disparos de arma de fogo.

O caso deixou de ser mais um crime na lista depois que os vídeos gravados pelos próprios assassinos no momento da tortura foram compartilhados via Whatsapp. As imagens mostraram um crime cometido na rua, em plena luz do dia, sem que ninguém interviesse diante do sofrimento de Dandara e sem nenhuma demonstração de piedade pelos assassinos. Em fevereiro deste ano Dandara Kettley foi homenageada com o Dia Municipal de Enfrentamento à Transfobia, comemorado em 15 de fevereiro. De lá pra cá três anos se passaram e, pela primeira vez, a capital terá uma eleição municipal depois do assassinato de Dandara.

O POVO analisou os planos de governo dos candidatos à Prefeitura de Fortaleza, registrados por eles na Justiça Eleitoral, para saber o que propõem em políticas para a comunidade LGBTQIA+. Renato Roseno (Psol) e Paula Colares (UP) têm o maior número de propostas: 36 e 15, respectivamente. Há iniciativas que envolvem áreas diversas da administração pública, como a geração de empregos, a promoção de saúde e educação para esses públicos, bem como o enfrentamento à violação de direitos.



O candidato do Pros, Capitão Wagner, possui duas propostas: a criação de Centros de Cidadania para a promoção de formação de trabalho e a implantação de uma coordenadoria especial para a promoção dos direitos da população LGBTQIA+. Célio Studart (PV) propõe o apoio a organizações não-governamentais (ONGs), sem citá-las, que já trabalham com a temática da diversidade.

Heitor Férrer (Solidariedade) fala sobre proteção à dignidade humana sem distinções de gênero. Heitor Freire (PSL) tem a mesma proposta, segundo informou a assessoria. Porém, isso não consta no plano de governo de Freire que foi cadastrado no TSE. Os dois candidatos não mencionam ações concretas que especifiquem como essa proteção à dignidade será realizada.

Luizianne Lins (PT), traz em seu plano de governo uma discussão sobre promoção de direitos e sobre a intersetorialidade das políticas públicas, mas também não traz nenhuma ação específica. Não foram encontradas propostas para a população LGBTQIA+ no plano de governo do candidato do PDT, Sarto Nogueira. A assessoria foi consultada e disse que existem propostas, no entanto, elas não foram enviadas até o momento da publicação. Samuel Braga (Patriotas) também não menciona essa população no seu plano de governo, porém, a assessoria informou que existe a proposta de uma criação de uma central/canal para ocorrências homofóbicas na capital.

Anízio Melo (PCdoB) também não tem menção ao segmento em seu plano de governo registrado, apesar de o partido ter a única candidatura com nome social em Fortaleza. Via assessoria, a candidatura informou que ele tem como propostas ampliar o funcionamento e fortalecer o papel da Coordenadoria da Diversidade Sexual, do Conselho Municipal de Promoção dos Direitos de LGBTs e do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, com ampla destinação de recursos para as atividades; disponibilizar mais unidades de saúde do Cinturão da Saúde para o processo transexualizador do SUS, a exemplo do Se Trans do Governo do Estado; capacitar servidores para melhorar acolhida e atendimento à população LGBT+ nos serviços públicos; criar programas municipais para a população LGBT+ em suas principais vulnerabilidades: habitação, educação, saúde, emprego e geração de renda, esporte, lazer, cultura e outras; criar editais de cultura LGBTQIA+ para estimular a visibilidade e o respeitos às suas causas; criar campanhas de promoção e de enfrentamento às violações dos direitos da população LGBTQIA+ em Fortaleza.

Violências recorrentes

Na madrugada do dia 1º de novembro de 2020, Samylla Marry Widson foi assassinada na avenida Beira Mar, em Fortaleza. Assim como Dandara e Samylla, em 2019, 64% das vítimas foram mortas em vias públicas. Só em agosto deste ano foram contabilizados cinco assassinatos contra pessoas trans. Desde o início de 2020, foram pelo menos 18 assassinatos de pessoas trans no Estado, superando o número de 2019. Metade dos assassinatos ocorreram na Capital. Todas nove assassinadas a tiros em vias públicas. Em 2019, 64% das vítimas foram mortas na rua.

De acordo com Dediane Souza, titular da Coordenadoria de Políticas Públicas para Diversidade Sexual em Fortaleza, o espaço público é lugar de insegurança para essa população: “É importante pensar que o espaço público potencializa as vulnerabilidades dos sujeitos, seja LGBT ou não. Quando falamos da população trans existe uma agravante muito maior: a identidade de gênero dessas pessoas, diferente dos homens gays, diferente das pessoas heterossexuais, nós travestis e transexuais não temos como camuflar essa identidade”, explica a coordenadora.

Perfil das vítimas

Ocupação das pessoas trans assassinadas em 2019 - Brasil

 

Cor/raça das pessoas trans assassinadas em 2019 - Brasil

Tipo de assassinato de pessoas trans no Brasil - 2019

Ativista da Associação de Travestis do Ceará (Atrac) e integrante do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans), Yara Canta relembra o apelo emocional em torno da morte de Dandara “É muito triste que a gente precise ser cruelmente assassinada, como foi Dandara, pras pessoas se comoverem um pouco, momentaneamente. Além disso, nada foi feito. O caso ganhou uma grande repercussão no Brasil e no mundo e talvez por isso ele tenha sido julgado e concluído. E esse foi apenas um caso. Quantos não vieram depois? É muito difícil estar nesse local de cobrança quando não existem dados por parte do governo. Segundo os órgãos públicos daqui não existem casos de transfobia no Ceará, quando, ao mesmo tempo, a gente tem notícias de assassinatos de mulheres trans e travestis nos jornais, com imagens, com foto, com vídeo, com tudo”, enfatiza a ativista.

Dediane Souza ressalta o que considera que deva estar presentes na elaboração das políticas públicas para essa população. “É importante como estratégia de governo, envolver as três esferas (federal, estadual e municipal) de pensar estratégias que construam uma possibilidade de diminuição dessa vulnerabilidade. A política de segurança pública é importante para que esses casos sejam concluídos, apurados, investigados, que a denúncia seja oferecida ao MP e que as pessoas que estejam envolvidas nesses assassinatos possam pagar por esse crime. Em contramão a essa estratégia, que é uma estratégia de apuração do caso, de investigação e de penalização dos envolvidos nesses assassinatos que envolvem requintes de crueldade e outros tipos de questões, que a gente possa pensar estratégias que possibilitem oportunidades. É importante dizer que a maioria da população trans tem a prostituição como única fonte de renda.”

Denúncia

As denúncias podem ser feitas pelo número 181, o Disque-Denúncia da SSPDS, para o ‪‪(85) 3257-4807, do DHPP, ou ainda para o número ‪‪‪(85) ‪99111-7498 (WhatsApp).

O que significa a sigla LGBTQIA+

L: lésbicas, mulheres que identificam a si mesmas como mulheres e que têm preferência sexual e afetiva por outras mulheres.

G: gays, homens que identificam a si mesmos como homens e têm preferência sexual e afetiva por outros homens.

B: bissexuais, que têm preferências sexuais e afetivas tanto por homens quanto por mulheres.

T: transexuais, travestis, transgêneros e não bináries: pessoas não se identificam com o gênero atribuído no nascimento, conforme o órgão sexual, seja masculino ou feminino.

Q: queer. Expressão em inglês para "estranho". Tem sentido pejorativo em alguns países. A letra também é traduzida como "questionando". Diz respeito a pessoas não identificadas com os padrões. Rejeitam rótulos. Podem transitar entre gêneros e por vezes não se preocupam em definir gênero ou orientação sexual.

I: intersexuais, pessoas que têm variações em cromossomos ou órgãos genitais, o que não permite identificá-las com gênero masculino ou feminino. Antigamente chamadas hermafroditas.

A: assexuais, não sentem atração sexual ou têm pouca atração, independentemente de gênero.

+: todas as outras designações possíveis.

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