Fortaleza tem sob sua responsabilidade cerca de 1,5 mil hectares de riquezas ambientais e arqueológicas. Para muitos, entretanto, o espaço é ideal para construções com vista bonita ou para passeios radicais nas dunas. Onde o rio Cocó deságua no mar começam o Parque Natural Municipal das Dunas de Sabiaguaba e a Área de Proteção Ambiental (APA) de Sabiaguaba. A área se estende até a foz do rio Pacoti e abrange três principais ecossistemas: floresta de restinga, campos de dunas e manguezal.
Criadas há 14 anos, as unidades de conservação da Sabiaguaba ainda esperam pelo correto cumprimento do seu cuidado. Com dimensão aproximada de mil campos de futebol, a APA deve ter uso sustentável, seguindo normas rígidas para a ocupação habitacional e o bem-estar das pessoas, animais, plantas e recursos hídricos. Já o Parque tem o tamanho da Regional Centro de Fortaleza e dedica-se à proteção integral do meio ambiente, permitindo somente pesquisas científicas e visitas educacionais.
Gabriel Aguiar, biólogo e mestrando em Ecologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que 83% da cobertura de dunas da Capital já foram destruídas, o que faz da área o último cordão de dunas móveis fortalezense. “Ambientalmente, a área da Sabiaguaba é a mais rica de Fortaleza. A areia está ali há cerca de 4.600 anos e estão sob ela artefatos arqueológicos dessa época”, adiciona.
“Lá temos centenas de espécies de animais e plantas com diversos níveis de risco de extinção. Gato do mato, tatu, guaxinim, raposa, gambá, cassaco, capivara, pelo menos 14 espécies de morcego, diversas serpentes, mais de 100 espécies de pássaros”, enumera Aguiar. Algumas aves vêm do hemisfério norte e dependem da preservação da Sabiaguaba. É o caso do falcão peregrino, a ave mais rápida do planeta, proveniente do norte do Canadá.
Para Sanjay Veiga, biólogo que frequenta a área desde a adolescência e que estudou o comportamento da espécie, um dos fatores para a degradação da área é o desconhecimento de sua importância. “De vez em quando trago alguns grupos para que conheçam o local, passem a gostar e então preservem”, conta. “Quem não conhece, não preserva.”
O biólogo destaca que o complexo mosaico dos sistemas ambientais se reflete na diversidade de animais e plantas. São dunas e campos abertos, florestas de restinga, resquícios da Mata Atlântica, lagoas interdunares e também faixa de orla e de mangue. “Além disso, a dinâmica das dunas móveis vai mostrando partes da história. Não só os sítios arqueológicos, mas também algumas árvores que foram sendo cobertas e agora surgem com a aparência de galhos secos. São grandes árvores com mais de 2 mil anos e as pessoas destroem porque desconhecem”, afirma.
Também são moradoras da Sabiaguaba algumas espécies em risco de extinção, como gato do mato (Leopardus tigrinus) e a espécie vegetal Bacopa cochlearia. O menor felino do Brasil tem tido sua população significativamente reduzida pela fragmentação e perda de habitat, atropelamentos, comércio ilegal e matança retaliatória de avicultores. Já a degradação do ambiente causada por intenso turismo é o que está colocando a espécie de baixos arbustos e flores arroxeadas em risco.
Nas unidades também estão dezenas de espécies de aves como sanhaçu, pica-pau branco, sabiá-da-praia e falcão quiriquiri. Entre os mamíferos mais comuns estão espécies de tatus, soim e preá. Já entre os répteis encontramos uma diversidade de lagartos e cobras. No mangue, estão crustáceos e moluscos, além de áreas para reprodução e desova de tartarugas marinhas. A vegetação compreende gramíneas, arbustos e árvores, sendo algumas frutíferas e outras medicinais.
Sanhaçu
Sabiá-da-praia
As dunas abrigam sete sítios arqueológicos, entre os já cadastrados e os ainda em processo de cadastro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em 2002, durante a execução das obras da ponte da região, foram identificados os sítios SA I e SA II. Seis anos mais tarde, uma pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) identificou os sítios SA III, SA IV e SA V. Já em 2014, foi a vez dos sítios Gereberaba I e II. Nos locais foram encontrados, principalmente, artefatos de pedra e cerâmica.
"Os artefatos líticos correspondem a objetos produzidos pelos homens pré-históricos a partir de minerais e rochas para auxiliá-los na execução de atividades cotidianas", explica Danielli Avelino, mestra em Arqueologia que pesquisou os locais. "Nas cerâmicas, destacam-se vasilhas e tigelas utilitárias, além de cachimbo."
Na região também são encontradas acumulações de conchas que indicam hábitos alimentares baseados gastrópodes e bivalves. "A datação por carbono 14 desta estrutura possibilitou inferir uma ocupação humana de cerca de 4.610 anos, sendo a mais antiga datação da presença do homem no Estado do Ceará", completa Luci. Ela orienta que, caso encontre bens de natureza arqueológica, é dever cidadão comunicar a Superintendência do Iphan pelo telefone (85) 3221 6360 ou pelo e-mail
iphan-ce@iphan.gov.br, para que sejam tomadas as medidas necessárias à preservação.
Não bastasse tamanha exuberância, a área é importante para o equilíbrio urbano. As dunas funcionam como um receptor e filtro das águas das chuvas, reduzindo alagamentos e abastecendo o lençol freático - e, por consequência, rios, lagos e lagoas. A área abrange as bacias hidrográficas dos rios Cocó e Pacoti, o rio Coaçu, as lagoas da Sapiranga e Precabura, além de lagoas interdunares.
As formações dunares são ainda entrada dos ventos que amenizam a temperatura na Capital. O ecossistema local funciona como uma espécie de bomba de emissão de umidade, o que refrigera a Cidade e minimiza as bolhas de calor. A região é também um ponto que sofre interferência de correntes atmosféricas e, por não ter construções altas, recebe os ventos e os distribui.
Embora o Plano de Manejo da Sabiaguaba tenha sido publicado em 2010, ambientalistas afirmam que “a unidade nunca foi devidamente assumida pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma)”, afirma Gabriel Aguiar.
“Sempre é pautada a questão da fiscalização, sobretudo no Parque de Dunas. Ali os principais problemas são crimes ambientais como despejo de resíduos sólidos, desmatamento e queimadas, construções irregulares e constante circulação de carros 4X4 e quadriciclos”, aponta Yara Oliveira, estudante de Direito e voluntária do Instituto Verdeluz.
Outro problema recorrente são as retiradas de areia nos arredores da rodovia CE-010, construída em meio a polêmicas e cortando o Parque.
Habitadas por comunidades ribeirinhas tradicionais, muitas vezes postas em situações marginalizadas, as unidades de conservação da Sabiaguaba são território de disputas e disparidades em relação à moradia. Enquanto moradias irregulares humildes são demolidas por agentes da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), afinal se trata de infração grave construir em local de preservação ambiental, outros grupos sociais buscam construir seus condomínios na área. Imbróglio mais recente envolve o projeto de um loteamento imobiliário na APA da Sabiaguaba.
O projeto da empresa BLD Desenvolvimento Imobiliário foi apresentado em reunião extraordinária do Conselho no dia 8 de julho deste ano e teve 14 votos favoráveis para início de análise da área a ser parcelada. Entretanto, organizações ambientalistas denunciam que possível construção no local impacta não só os 50 hectares pretendidos, mas todo o meio ambiente da Sabiaguaba e do Parque do Cocó. Na mesma semana, um inquérito civil público foi instaurado no Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE).
De acordo com o MPCE, a Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), a Câmara de Fortaleza e a Superintendência do Iphan atenderam à recomendação do órgão, enviando documentos solicitados e suspendendo qualquer procedimento referente ao projeto.
A empresa BLD compareceu espontaneamente e apresentou manifestação nos autos. Considerando a complexidade técnica das respostas, a 135ª Promotoria de Justiça de Fortaleza determinou que o Núcleo de Apoio Técnico do MPCE analise a documentação e encaminhe relatório minucioso. Passados cinco meses, o processo ainda encontra-se no Núcleo, que está analisando toda a documentação constante nos autos antes de encaminhar relatório para a Promotoria, que instaurou o Inquérito Civil Público.
Conforme a Seuma, “ao longo dos anos, diversas ações e eventos foram realizados junto à comunidade local, além das ações periódicas de educação ambiental nas Dunas da Sabiaguaba”. As atividades, que visam preservar a área, contemplam palestras e remoção de resíduos e contam com a participação de voluntários da sociedade civil.
“Ressaltamos que o gerenciamento das Unidades de Conservação da Sabiaguaba, assim como a implementação gradativa das ações do Plano de Manejo, é realizada democraticamente pelo Conselho Gestor das Unidades de Conservação da Sabiaguaba. O Conselho se reúne periodicamente e foi constituído com o objetivo de consolidar e legitimar o processo de planejamento e gestão participativa”, completa em nota.
A instância de gestão é formada por 20 instituições, cada uma com um conselheiro titular e um suplente. Destas, dez são órgãos do poder público e as outras cadeiras estão distribuídas entre associações de moradores, ONGs ambientalistas, entidades acadêmicas, uma empresa local e um conselho profissional.
Se preservar o meio ambiente passa por entender e vivenciar, como fazer para conhecer a APA da Sabiaguaba e o Parque das Dunas? Enquanto a área de preservação admite ações que respeitem o desenvolvimento sustentável, no Parque são permitidas somente as pesquisas científicas e as visitas educacionais. Por isso, nada de passeios em veículos 4X4, piqueniques ou qualquer andança que deixe poluição e marcas.
Uma das maneiras é visitar o Ecomuseu Natural do Mangue. A organização não-governamental oferece aulas de campo, visita ao acervo e trilha ecológica explicativa pelos manguezais da Sabiaguaba e do vizinho Parque do Cocó. As atividades devem ser agendadas pelos grupos interessados. Já as comunidades que vivem na Sabiaguaba guardam conhecimentos tradicionais e alguns moradores realizam trilhas guiadas pelos outros ecossistemas do local.
Ecomuseu Natural do Mangue
Endereço: rua Professor Valdivino, 48, casa 1 - Sabiaguaba
Contatos: (85) 98749 5286 e (85) 99112 6779
Mais informações: ecomuseunaturaldomangue.com.br
Diversos ecossistemas compõem a capital cearense, onde unidades de conservação guardam riquezas naturais e parte de nossa história. Aqui você conhecerá algumas delas