Há mais de um ano as escolas públicas do Ceará interromperam as aulas presenciais para evitar a proliferação da Covid-19. Mesmo autorizadas, poucas unidades reabriram para receber de volta os estudantes. Com isso, o calendário letivo, as práticas pedagógicas e os modelos de ensino foram reajustados a fim de atender às novas demandas educacionais durante o período pandêmico.
Um período de desafios, dificuldades, mas no qual o trabalho e a criatividade ajudaram a encontrar soluções transformadoras para a vida dos estudantes e dos profissionais. O POVO conta histórias de exemplos de boas práticas no Estado. E conversa com especialistas para entender as iniciativas adotadas e necessárias neste período conturbado da educação.
Estudiosos analisam que o Ceará tem pontos importantes que contribuíram para minimizar os impactos da pandemia durante o fechamento das escolas. A Busca Ativa dos alunos afastados, o regime de colaboração entre Estado e municípios e a formação continuada de professores, por exemplo, são listados como políticas públicas educacionais já adotadas e que foram determinantes durante o último ano.
Para Patrícia Mota Guedes, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Itaú Social, a colaboração educacional no Ceará é bem estruturada e, sob o contexto atual, há oportunidade de aproveitar melhor o modelo e as Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação (Credes) para auxiliar, além das escolas estaduais, também as redes municipais de ensino.
"De certa forma, onde não há regime de colaboração muito bem estruturado, o trabalho é maior. Você precisa colocar de pé uma Governança e uma Gestão. Quando olhamos para o restante do país, a falta disso faz bastante diferença", considera Patrícia Mota.
Nesse processo de colaboração, a ex-coordenadora de programas educacionais pelo governo do estado americano de Massachusetts avalia a necessidade de esforços estaduais também de apoio à primeira infância. A gestora afirma que, aqui no Estado, algumas iniciativas já são realizadas por meio da vice-governadoria e precisam ser fortalecidas.
"Outro ponto trata do diálogo com as famílias. O núcleo familiar teve papel importante no ensino remoto, mesmo aqueles mais vulneráveis. Por isso, o trabalho deve ser mais próximo com assistência social, saúde, segurança alimentar, proteção às crianças e adolescentes. A parceria com as escolas tem de se manter. Não é o professor sozinho, não é só a família, não é só avaliação, é um conjunto", analisa Patrícia.
"O Ceará é o estado com menor desigualdade educacional entre os alunos. Agora, a pandemia traz risco muito grande de ampliação dessa desigualdade. O foco precisa ser dado aos mais pobres neste momento de fechamento de escolas."
Líder de políticas educacionais do Todos Pela Educação, Gabriel Corrêa reitera que o regime de colaboração do Ceará é referência nacional, não à toa inspira diversos outros estados a adotarem programas baseados na experiência cearense. A organização sem fins lucrativos lançou o documento "Educação Já Municípios" para orientar gestores municipais na retomada educacional em 2021.
“O Ceará é o estado com menor desigualdade educacional entre os alunos. Agora, a pandemia traz risco muito grande de ampliação dessa desigualdade. Os mais pobres têm menos acesso, têm mais dificuldade, contam menos com apoio familiar. O foco precisa ser dado aos mais pobres neste momento de fechamento de escolas. Quando reabrirmos e voltarmos a alguma normalidade, deve sim ser preocupação central na gestão pública e se traduzir em ações concretas”, alerta.
O especialista pontua ainda que o trabalho para recuperar perdas levará tempo. Cita que pesquisas apontam para fortes impactos nas crianças relacionados à fluência da leitura, capacidade de escrita e interpretações textuais. "O Estado tem foco muito grande na alfabetização dos estudantes no início da trajetória escolar. Se falhar, toda a jornada será impactada", pontua.
Para Gabriel, apesar das cobranças, os educadores do sistema de ensino cearense têm autonomia para o desenvolvimento de atividades. O líder do Todos pela Educação acredita que, além das preocupações com a aprendizagem, fator importante será o acolhimento e cuidado emocional com os alunos.
Diagnóstico das redes municipais e da percepção de pais frente à pandemia
Conforme pesquisa da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) , em parceria com o Unicef e Itaú Social, divulgada em 10 de março, 91,9% das redes municipais de ensino do País realizaram apenas atividades não presenciais durante 2020. E 95,3% utilizaram material impresso. Entre maio e junho do ano passado, o percentual era de 43%. Por outro lado, 92,9% orientaram os educandos por Whatsapp. Em mais de 90% das redes, o currículo continuado 2020-2021 ainda segue em discussão e implementação.
A pesquisa abrangeu duas em cada três redes municipais de educação do País. No total, foram 3.672 redes respondentes. Deixaram de participar 1.897. As respostas englobam cerca de 65,9% das matrículas municipais brasileiras. O levantamento mostrou também que 53% das cidades têm nova gestões municipais a partir deste ano.
"Isso pode indicar, para estes municípios, um tempo maior para o planejamento do ano letivo", pondera o estudo. E complementa: "Mas isso dependerá de como a transição acontece em cada cidade".
Para este ano, 48,8% dos dirigentes municipais afirmaram que ofereceram formação aos professores, gestores e trabalhadores da educação em 2020 e estão se planejando para 2021. 43% responderam que não ofereceram ano passado, mas está planejando para 2021. Os principais temas dos encontros, conforme os secretários, trata-se dos protocolos de segurança sanitária nas escolas (77,9%), tecnologias para ensino remoto (74,1%) e acolhimento e competências socioemocionais (72,1%).
Durante o todo o ano de 2020, o Datafolha realizou cinco ondas da pesquisa “Educação não presencial na perspectiva dos estudantes e suas famílias”. Encomendada pelo Itaú Social, Fundação Lemann e Imaginable Futures, a última etapa, de dezembro último, conclui que a maioria dos pais vê prejuízos na educação das crianças e adolescentes durante a pandemia.
"As escolas estaduais construíram seus planos de atividades e, juntamente com seus profissionais, pensaram alternativas para atender seus alunos."
Para 65% dos pais/responsáveis entrevistados, as crianças da pré-escola terão o seu desenvolvimento comprometido; enquanto 69% dizem que os estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental terão atraso em seu processo de alfabetização, com prejuízo ao seu aprendizado.
No Ceará, a Secretaria da Educação do Estado (Seduc) elaborou diretrizes para orientar suas escolas sobre como proceder nesse período, a fim de garantir a continuidade do ano letivo e minimizar prejuízos no processo educacional. "As escolas estaduais construíram seus planos de atividades e, juntamente com seus profissionais, pensaram alternativas para atender seus alunos", destacou o órgão em nota. A pasta frisa ainda que as diretrizes apontam o livro didático como principal ferramenta para as aulas remotas. "Cada escola organizou as aulas para seus alunos, em conjunto com seus coordenadores e professores".
"Serão ofertadas atividades com o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), meios impressos, especialmente o livro didático, e outros canais de comunicação, a exemplo da transmissão de aulas na televisão, no rádio."
Para este ano, o retorno às atividades escolares, a Seduc reforça que também construiu diretrizes com o objetivo de orientar as escolas da rede pública estadual para a organização do trabalho escolar. Lançou ainda o Guia de Possibilidades de Organização Pedagógica no período remoto/híbrido.
"Serão ofertadas atividades com o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), meios impressos, especialmente o livro didático, e outros canais de comunicação, a exemplo da transmissão de aulas na televisão, no rádio", detalhou em nota.
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