Distante 327 quilômetros um do outro, os municípios de Carnaubal e Quixeramobim têm um ponto em comum, assim como outras milhares de rede de ensino do País, quando se trata de educação na pandemia: distribuição de atividades por material impresso. A estratégia é usada para alcançar estudantes sem acesso aos meios digitais, internet e que moram em áreas distantes dos centros urbanos das cidades. Nas localidades cearenses, as escolas envolveram toda a comunidade escolar para que a tarefa fosse realizada.
Na Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Antônio Raimundo de Melo, em Carnaubal, distante 336,9 km de Fortaleza, uma força tarefa foi implantada para a distribuição de material. A ação foi denominada, em prosa com o nome da escola, Delivery Armelo. A unidade tem 271 alunos matriculados, quase 50 precisaram de ajuda por falta de equipamentos.
Conforme Auxiliadora Lima, coordenadora pedagógica da escola, os professores preparam os conteúdos, orientações e resoluções de questões-exemplos. A organização e impressão desse material é de responsabilidade dos docentes do laboratório de informática. A entrega envolve pais de alunos, os próprios estudantes e um mototaxista pago para fazer o serviço.
"“Não há nada que vá suprir a relação professor-aluno de forma presencial. Mas, nós conseguimos preencher lacunas que poderiam ser ainda maiores se tivéssemos deixado sem aulas os alunos sem a tecnologia."
“A gente avaliou, no fim do ano, quando sentamos para ver os nossos indicadores, que a iniciativa foi muito válida. Nós não perdemos contato com os nossos alunos, e a comunidade, principalmente a do distrito de São José, sentiu-se muito grata pela preocupação com aprendizagem dos adolescentes sem internet", avalia Auxiliadora.
A coordenadora reconhece a importância da ação, mas também frisa que será preciso muito mais para mitigar os impactos da pandemia. “Não há nada que vá suprir a relação professor-aluno de forma presencial. Mas, nós conseguimos preencher lacunas que poderiam ser ainda maiores se tivéssemos deixado sem aulas os alunos sem a tecnologia. Nós teríamos reproduzido uma exclusão histórica por conta de uma posição social ou condição financeira”.
A 204 km da capital cearense, o professor Antônio Barbosa trabalha com a Educação de Jovens e Adultos em Quixeramobim. São 25 estudantes, a maioria mulheres acima de 60, sem conhecimento tecnológico e, sob cenário pandêmico, no grupo de risco para a Covid-19.
"Como a gente criou laços de afetividade muito forte, nós conseguimos renovar as matrículas para esse ano, mesmo dessa forma, eles querem continuar. Eles têm a esperança de que vamos voltar em breve para a escola. Isso faz com que não desistam: o nosso carinho e nosso respeito."
Por lá, ele produz o material e, junto com o guarda escolar, distribui às alunas. "A gente faz de forma quinzenal. Eles recebem, após 15 dias vamos deixar as novas e trazemos as que fizeram para a correção. Quando temos de entregar novas, também levamos o material corrigido", detalha.
Para reduzir o contato social, o professor não tem feito uma devolutiva mais incisiva. "É uma forma muito difícil de ensino-aprendizagem. Principalmente com o EJA, precisamos muito de contato, eles ainda estão na fase de alfabetização. Mas, para não ficarem totalmente desassistidos, foi a única forma que encontramos para que não houvesse desistência. Esse contato tem sido mais para manter o vínculo com a escola".
De acordo com Antônio, todos os alunos matriculados continuam, apesar do contato remoto. Para ele, há entendimento por parte dos educandos de que o professor está ali, que há atividades, mesmo que difíceis, aos poucos eles têm se habituado. "Como a gente criou laços de afetividade muito forte, nós conseguimos renovar as matrículas para esse ano, mesmo dessa forma, eles querem continuar. Eles têm a esperança de que vamos voltar em breve para a escola. Isso faz com que não desistam: o nosso carinho e nosso respeito”.
Busca Ativa evita que aluna desista dos estudos
Apesar de importante, a entrega das atividades impressas não é suficiente para manter o vínculo do estudante com a escola. A prova disso é Daniele Félix dos Santos, 19 anos. A jovem lembra que no último ano recebia o material, mas não conseguia respondê-lo, sentia pressão e o contato dela com os estudos ficou cada vez menor. Para estancar o afastamento, Busca Ativa foi feita com a aluna.
“Os professores entraram em contato comigo, me incentivaram, a coordenadora foi à minha casa e eu concluí o 3º ano do Ensino Médio”, orgulha-se. Daniele estuda na Escola de Ensino Médio (EEM) Eunice Maria de Sousa Freitas, localizada no distrito de Palestina, no município de Mauriti, distante 492,8 quilômetros de Fortaleza.
A instituição desenvolve o "Dia D da Busca Ativa", a ação envolve professores e estudantes. Em 2020, conforme a Secretaria da Educação do Estado (Seduc), os gestores reservaram todas as segundas-feiras para ações voltadas aos educandos com pendências nas atividades, com participação reduzida nos encontros remotos e baixa interação com a turma.
"A atitude deles foi legal. Eles se preocupavam muito com os alunos. Isso não foi só comigo. Como eu não conseguia fazer via internet, eu tinha que ir na escola algumas vezes. O gestor da escola acolhia todo mundo."
Filha da agricultora Filomena Dulcineia, Daniele confessa que a incerteza durou até os últimos minutos da última etapa do Ensino Básico. “A atitude deles foi legal. Eles se preocupavam muito com os alunos. Isso não foi só comigo. Como eu não conseguia fazer via internet, eu tinha que ir na escola algumas vezes. O gestor da escola acolhia todo mundo.”
A jovem afirma ainda que o esforço de integrar alunos com dificuldades às atividades escolares partiu também dos pares. “Outros colegas que sabiam mais, com aprendizado mais avançado, me ajudavam, indicavam as atividades”. A expectativa de Daniele para 2021, apesar da pandemia da Covid-19, é ingressar em cursos profissionalizantes e iniciar a jornada no mercado de trabalho.
Conforme o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira(Inep), a taxa de abandono escolar no Ensino Médio do Ceará caiu cerca de 66,98% em dez anos. Em 2010, o percentual era de 10,6%. Em 2019, foi de 3,5%. A maior variação foi registrada no ensino fundamental do Estado. Naquele primeiro ano, 2,9%. No outro, 0,7%. Diferença de 75,86%. Os dados de 2020 ainda não foram divulgados.
Programas estaduais, como Nenhum Aluno a Menos e Professor Diretor de Turma (PDT), ajudaram nos esforços dos profissionais da educação para evitar a debandada educacional.
Blog de escola com 430 estudantes ultrapassa 50 mil acessos em um ano
Para engajar a comunidade escolar, a estratégia da Escola Municipal Antônio Sales, no bairro Rodolfo Teófilo, em Fortaleza, foi criar um blog. No total, a unidade tem 430 estudantes matriculados na primeira etapa do ensino fundamental, do infantil ao 5º ano. Um ano depois da criação do espaço, o site já registra mais de 50 mil acessos.
“Nós criamos 17 grupos no WhatsApp, mas não tínhamos tanto alcance. Eram muitos diálogos, as atividades se perdiam e, nas conversas privadas, os pais pediam para que os professores enviassem o material de novo. Consequentemente, encontrar as atividades no meio de toda a conversa era quase impossível”, conta sobre a decisão Diana Mendes, diretora da unidade.
A ideia surgiu após a gestora lembrar da experiência de quando trabalhou em um laboratório de informática no longínquo 2007. No início do ano passado, cita Diana, as postagens no blog eram bem básicas ―avisos simples, horários de atividades, disciplinas e páginas. Logo, o uso das ferramentas nas páginas foi se ampliando proporcionalmente às necessidades dos educadores e educandos.
“Os pais preferem ir direto ao blog a ficar no grupo pesquisado. Hoje, converso com eles para que usem o Whatsapp também”, comenta Diana. Conforme a gestora, é durante encontros com pais e na entrega das cestas alimentícias que ocorre o diálogo mais próximo e incentivo aos uso das ferramentas da escola. Também durante a Busca Ativa dos infantis que mostra as possibilidades de interação com a escola.
“O blog traz as atividades, explicações, a rotina, mas no grupo é que acontecem as interações, a conversa entre professores e alunos, as correções. Os pais querem logo ver as atividades e as aulas, com isso há pouca interação no grupo, mas a gente tenta equilibrar esse fluxo”.
Para além das atividades, o conjunto de páginas reúne videoaulas, jogos, simulados, livros, agenda da semana para as turmas, direciona à página da Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME), disponibiliza recursos pedagógicos para o Atendimento Educacional Especializado (AEE), e dispõe de um um canal para denunciar violações à comunidade.
“Se a professora lembrar que ano passado teve um trabalho sobre o tema, ela pode resgatá-lo. Serve também como um local para o professor utilizar como pesquisa e orientação no trabalho. Nós temos as páginas do 5º ano de 2021 e do 5º de 2020. O aluno mais interessado em estudar, além do que está sendo posto, pode ir na turma anterior e ver o que foi repassado.”
"A gente chama as páginas de salas de aulas, seja biblioteca, Atendimento Educacional Especializado ou clube de aprendizagem. Já o Blog é a escola."
Há um verdadeiro portfólio. As aulas do ano passado estão lá para o acesso de todos. Diana frisa que os professores organizaram e planejaram este ano de forma diferenciada. Algumas aulas foram reformuladas, mas continuam disponíveis. “A gente chama as páginas de salas de aulas, seja biblioteca, Atendimento Educacional Especializado ou clube de aprendizagem. Já o Blog é a escola”.
Iniciativas e práticas pedagógicas de referência que trazem bons resultados