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Como a política e o futebol se cruzam nas eleições 2024
Reportagem Seriada

Como a política e o futebol se cruzam nas eleições 2024

Em Fortaleza, o pleito de 2024 conta com dois ex-presidentes de clubes cearenses na disputa pela Prefeitura, além de uma forte presença de torcidas organizadas. Mas a relação jogos e política é bem longeva
Episódio 8

Como a política e o futebol se cruzam nas eleições 2024

Em Fortaleza, o pleito de 2024 conta com dois ex-presidentes de clubes cearenses na disputa pela Prefeitura, além de uma forte presença de torcidas organizadas. Mas a relação jogos e política é bem longeva
Episódio 8
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Uma multidão se acumula, todos vestidos com as mesmas cores, gritando, em uníssono. Unidos por algo em comum, as pessoas comemoram ou lamentam, aplaudem ou vaiam, em um sentimento compartilhado, mas sempre torcendo, rezando, por uma vitória.

Esta poderia ser a descrição de um comício político, dos resultados das eleições, ou de uma arquibancada de um estádio lotado, durante uma partida de futebol. Os dois - esporte e política - são forças mobilizadoras e muito relacionadas entre si, desde os períodos mais longínquos da história.

Neste ano eleitoral em Fortaleza, esta configuração escalonou, não apenas por uma relação direta dos políticos com os clubes cearenses de futebol, mas com um envolvimento dos torcedores e das torcidas organizadas.

Clássico-Rei no Castelão(Foto: Brenno Rebouças/O POVO)
Foto: Brenno Rebouças/O POVO Clássico-Rei no Castelão

A relação das eleições de 2024 na capital cearense com o futebol tornou-se visível desde o lançamento das pré-candidaturas. Dos nove postulantes, dois são ex-presidentes de clubes cearenses. Evandro Leitão (PT) presidiu o Ceará Sporting Club de 2008 a 2015 e Eduardo Girão (Novo), o Fortaleza Esporte Clube, em 2017.

Expandindo um pouco mais, não é difícil encontrar aliados dos candidatos envolvidos com algum clube. O deputado federal André Figueiredo (PDT) é presidente do PDT Nacional, partido do prefeito José Sarto, e já presidiu o Conselho Deliberativo do Vovô.

Carlos Mesquita (PDT), vereador e grande aliado de Sarto, foi presidente do Ferroviário Atlético Clube por dois mandatos. Jorge Mota, filiado ao partido Novo, de Eduardo Girão, é ex-presidente do Leão do Pici, foi candidato a vereador em 2020 e concorre novamente este ano.

 

 

Confira abaixo políticos que enveredaram para o esporte ou vice-versa

Realizadas no prazo de 20 de julho a 5 de agosto, as convenções partidárias na Capital contaram com uma movimentação de organizadas e discursos sobre os clubes cearenses.

Na oficialização de Eduardo Girão, aliados como Rodrigo Marinho, ex-candidato a vereador de Fortaleza e filiado ao partido Novo, agradeceram em alguns momentos à atuação do senador à frente do Tricolor, time que ele mesmo torce. O próprio Girão citou o clube algumas vezes, mas também puxou um coro pelo Alvinegro, time da esposa, o que provocou aplausos.

Além disso, um caso curioso é da Torcida Organizada Cearamor (TOC), que contou com representantes levantando um coro alto de “Uh, terror, o Evandro é Cearamor”, durante a convenção que oficializou a candidatura do petista.

Torcida Organizada Cearamor esteve em convenção de Evandro(Foto: Reprodução/Redes Sociais)
Foto: Reprodução/Redes Sociais Torcida Organizada Cearamor esteve em convenção de Evandro

Outros representantes da Cearamor, no entanto, estiveram na convenção do prefeito José Sarto (PDT), na semana anterior à de Evandro. Além disso, dentre os torcedores, há quem resista fortemente em apoiar o ex-presidente do Ceará. Em pontos de Fortaleza, é possível ver faixas em reprovação a Evandro com dizeres como “Evandro abandonou o clube” ou “Torcedor do Ceará não vota no Leitão”.

Presidente da TOC, Jeysivan Carlos dos Santos, o “Jey”, afirmou ao O POVO que, apesar da presença em dois eventos políticos, a torcida “segue o posicionamento de ser apartidária”. “Com isso, nossos diversos bairros têm total liberdade para apoiar o candidato que se achar necessário”, afirmou.

No entanto, acrescentou: “A grande maioria, neste ano, está apoiando o candidato pelo Partido dos Trabalhadores, Evandro Leitão, para prefeito da capital, e buscando reeleição, estamos apoiando o vereador Eudes Bringel". O próprio Jey já foi candidato a vereador nas eleições de 2020, ficando na suplência da Rede Sustentabilidade, segundo informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Torcida Organizada Cearamor esteve em convenção de Sarto(Foto: Reprodução/Redes Sociais)
Foto: Reprodução/Redes Sociais Torcida Organizada Cearamor esteve em convenção de Sarto

No jogo do Ceará, na noite da terça-feira, 6, uma nova manifestação política foi vista, desta vez nas arquibancadas da Arena Castelão, mas realizada por outra torcida do Alvinegro, o Movimento Organizado Força Independente (Mofi), que levou a mensagem "Evandro não".

Além disso, nas mesmas camisas que formavam a frase, os torcedores exibiram o rosto do político dentro de uma "placa de proibido". O POVO contatou membros da presidência da organizada, mas não obteve respostas. Em caso de retorno, a reportagem será atualizada.

Contudo, em suas redes, a torcida publicou a imagem do protesto com a legenda: "Sem simpatia, sem mimi. Quem é Mofi não vota em Evandro Leitão".

A manifestação política aconteceu na partida do Ceará diante do Guarani, pela Série B do Campeonato Brasileiro(Foto: Reprodução/Instagram)
Foto: Reprodução/Instagram A manifestação política aconteceu na partida do Ceará diante do Guarani, pela Série B do Campeonato Brasileiro

No segundo tempo do mesmo jogo, com mais de 30 mil torcedores presentes na Arena Castelão, uma confusão foi iniciada no setor norte, onde a Cearamor na parte superior. O conflito, que contou com cadeiras arrancadas e arremessadas, precisou de intervenção da polícia com bombas de efeito moral.

Ainda que muitos torcedores tenham apontado, nas redes sociais, motivações políticas como estopim da briga, a diretoria da Cearamor divulgou seu posicionamento – inicialmente ao O POVO e depois oficializado em nota de esclarecimento nas redes –, que diz: "O incidente não teve qualquer relação com questões políticas [...] Campanhas devem ser mantidas fora das arquibancadas".

Confusão da torcida do Ceará, em manifesto político, no jogo contra o Guarani, em 6 de agosto de 2024. A movimentação aconteceu no setor norte da Arena Castelão(Foto: Lucas Silva/O POVO)
Foto: Lucas Silva/O POVO Confusão da torcida do Ceará, em manifesto político, no jogo contra o Guarani, em 6 de agosto de 2024. A movimentação aconteceu no setor norte da Arena Castelão

É inegável a força mobilizadora dos clubes cearenses. Em 2024, o Fortaleza voltou a alcançar a marca dos 40 mil sócios torcedores. O Ceará tem 30.168 sócios e o Ferroviário chegou recentemente aos mais de 2.500 sócios-torcedores ativos do clube.

Os números representam a parcela mais engajada, que se compromete a pagar para apoiar o clube. A torcida geral, claro, é exponencialmente maior.

Esta força pode intensificar a interligação entre futebol e política. Segundo Airton de Farias, especialista em História Política e História do Futebol e professor do Instituto Federal do Ceará (IFCE), o futebol possibilita tornar nomes mais conhecidos e pode ajudar em uma eleição.

“O futebol tem uma enorme inserção social, dando aos envolvidos uma enorme publicidade. Então, a atividade ajuda a divulgar o nome de quem pretende se candidatar. No futebol cearense, muitos dirigentes e mesmo atores da imprensa desportiva conseguiram triunfos eleitorais”, elenca o professor.

Airton de Farias - professor e historiador(Foto: O POVO)
Foto: O POVO Airton de Farias - professor e historiador

Assim, ao longo dos anos, o esporte foi sendo utilizado pela política de modo estratégico pelo mundo todo. A prática já se fazia presente na época do Império Romano (27 a.C. a 476 d.C), com o “pão e circo”, no qual o Império visava a “apaziguar” a população por meio de banquetes, festas e eventos esportivos.

Com variação na utilização ao longo dos séculos, o esporte e, mais específico, o futebol como meio de estratégia política seguiu presente em regimes autoritários do século XX. Na Espanha, a conquista de títulos nacionais e europeus pelo Real Madrid era utilizada pela ditadura de Francisco Franco para fortalecer o ideal nacionalista.

Pelé e companheiros se abraçam após gol de Carlos Alberto, na Copa de 1970(Foto: Reprodução/FIFA )
Foto: Reprodução/FIFA Pelé e companheiros se abraçam após gol de Carlos Alberto, na Copa de 1970

No Brasil, caso notório foi o da conquista do tricampeonato mundial em 1970 durante a ditadura militar. O título da Copa foi utilizada pelo governo do general Emílio Garrastazu Médici como “evidência” do período de glórias que o Brasil passava, maquiando a repressão e perseguição dos chamados “Anos de Chumbo”.

No Ceará, a própria história do Ferroviário está ligada à política desde sua criação – posto o envolvimento com as linhas ferroviárias do país e o início partindo de uma fusão de dois times de operários (Matapasto e Jurubeba). O fundador do clube, Valdemar Caracas, teve envolvimento significativo, sendo eleito vereador de Fortaleza, em 1937, pelo antigo Partido Socialista Brasileiro.

Nos dias de hoje, a democracia no clube é garantida de forma estatutária. Em processo de busca por um investidor para se tornar uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF), a diretoria coral já assegurou que a porcentagem só será aceita com voto dos torcedores.

 

 

Alguns casos do esporte como estratégia política ao longo da história

O poder de influência do futebol ao longo dos anos é inegável, mas no caso de eleições diretas, em um sistema democrático, a configuração pode mudar. Airton de Farias aponta que muitos fatores, para além das “cores clubísticas”, implicam uma decisão eleitoral. “Um indivíduo apresenta várias identidades ao mesmo tempo (futebolística, religiosa, ideológica, etc) e vive numa sociedade que tem desafios (saúde, educação, segurança, etc)”, elenca.

O historiador afirma que, algumas vitórias atreladas pela população à conquista de clubes, na verdade, contam com mais camadas de articulações e estratégias que findaram nos resultados. Um exemplo é o próprio Eduardo Girão, eleito senador em 2018, quando saía de uma campanha bem sucedida no FEC, tendo tirado o time da Série C. “A eleição de Girão teve outros fatores envolvidos, como a onda conservadora e interesses dos Ferreira Gomes em derrotar Eunício [Oliveira, outro concorrente ao Senado]”, explica Farias.

O mesmo valeria para o outro ex-presidente de clube, Evandro. “Tem virtudes e desafios próprios, pela conjuntura política da cidade. Atribuir ao esporte o fracasso ou sucesso de um candidato é um exagero e nem o futebol por si só tem essa capacidade”, explica o historiador.

Ex-presidentes de clubes e candidatos à Prefeitura, Eduardo Girão (Novo) e Evandro Leitão (PT)(Foto: Matheus Souza/O POVO/Samuel Setubal/O POVO)
Foto: Matheus Souza/O POVO/Samuel Setubal/O POVO Ex-presidentes de clubes e candidatos à Prefeitura, Eduardo Girão (Novo) e Evandro Leitão (PT)

Além disso, para além da utilização do esporte como estratégia política, pode haver um movimento contrário: dos clubes, ou das torcidas organizadas, se utilizando da visibilidade dos políticos em proveito próprio.

“No fundo, as torcidas organizadas acabam se aproveitando dos políticos, que ingenuamente acham que o apoio delas vai trazer mais votos. No caso, são as torcidas que estão se ‘aproveitando’ dos políticos, dentro de seus interesses”, disse Airton.

Publicamente menos engajada do que a TOC nas eleições para prefeito, a Torcida Uniformizada do Fortaleza (TUF) apontou que só tem um apoio definido para vereador. Em contato com a reportagem, o presidente da organizada, João Paulo, conhecido como Bombado, afirmou que o apartidarismo será mantido.

"A gente vê um ambiente político que vem se instalando dentro das torcidas no contexto geral, mas a TUF, que é a maior torcida do Fortaleza, só tem opção de candidato para vereador, que se chama Popó, nosso candidato [...] Em questão de políticos para a prefeitura, a gente é apartidário. Não vamos apoiar ninguém, estamos neutros. Cada um vai levar o que a sua consciência lhe diz para escolher. Nosso candidato para vereador é um cara nosso, que vai lutar pelos nossos interesses", relatou.

Assim, em ambos os casos - TOC e TUF -, apesar do dito "apartidarismo", é explicitada nas notas um apoio a candidatos específicos, em uma interrelação entre futebol e política.

 

 

O que dizem os times em relação à política

A reportagem do O POVO também contatou os principais clubes do Estado. Os posicionamentos não demonstraram divergência entre os times do Porangabuçu, Barra do Ceará e Pici, seguindo o apartidarismo. Confira as notas de Ceará, Ferroviário e Fortaleza na íntegra:

 

Colaborou Victor Barros

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