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Twig Santos Lopes: Violência política contra as mulheres está na matriz da formação do Brasil
Reportagem Seriada

Twig Santos Lopes: Violência política contra as mulheres está na matriz da formação do Brasil

Pesquisadora investiga a violência política de gênero no País e revela como se traduz a prática dos ataques desferidos às mulheres que ocupam cargos públicos eletivos. Para ela, a legislação protetiva contra as mulheres surtirá efeito, mas para isso é necessário tempo para compreensão das leis.

Twig Santos Lopes: Violência política contra as mulheres está na matriz da formação do Brasil

Pesquisadora investiga a violência política de gênero no País e revela como se traduz a prática dos ataques desferidos às mulheres que ocupam cargos públicos eletivos. Para ela, a legislação protetiva contra as mulheres surtirá efeito, mas para isso é necessário tempo para compreensão das leis.
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Duas mulheres, dois mandatos, dois destinos marcados pela violência política. A trama que envolveu a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e a vereadora Marielle Franco (PSOL), num momento específico da história contemporânea brasileira, foi o enredo que levou a pesquisadora Twig Santos Lopes a investigar o impacto da violência política contra as mulheres no cenário nacional. “Por que a violência na política atinge diretamente muito mais as mulheres do que os homens?”

Para responder a pergunta, Twig Santos, cuja formação está ancorada no Direito, recorreu às mudanças recentes na legislação brasileira cujas leis protegem as mulheres para refletir sobre a prática da violência que atinge mulheres no curso de um mandato político, a partir das campanhas. O resultado da pesquisa de doutorado concluído na PUC-RJ resultou no livro "Violência Política contra as Mulheres", lançado em maio de 2024.

Pesquisadora paraense, Twig Santos Lopes, estuda relações de gênero desde a graduação em Direito cursada no Pará(Foto: Guilherme Crespo)
Foto: Guilherme Crespo Pesquisadora paraense, Twig Santos Lopes, estuda relações de gênero desde a graduação em Direito cursada no Pará

Um dos principais marcadores legais que embasaram a pesquisa de Twig Santos, atualmente professora substituta da UFRJ, foi a Lei 14.192, de 2021, que combate a violência política contra as mulheres. “A minha atenção basicamente se voltou a estudar esse assunto em específico que traduz para uma realidade muito dramática ainda no contexto da violência de gênero”, afirmou Twig Santos em entrevista ao OP+ no início de agosto.

A pesquisa de Twig refletiu a complexidade que envolve o tema a partir da própria nomenclatura que norteia o assunto. Enquanto movimentos sociais do terceiro setor e pesquisas das Ciências Humanas usam o termo “gênero” para abordar a temática por abarcar mulheres num conceito mais amplo incluindo mulheres cis e trans, o Legislativo exclui o termo, focando no sexo biológico, por exemplo. Para completar, há a necessidade de assimilação da própria lei pelas próprias mulheres no exercício da política.

Durante o trabalho da investigação que desenvolveu, Twig Santos contava apenas com três denúncias tramitando, de acordo com a nova legislação em vigor. Esse número cresceu para 17 até 2023, mas segundo a pesquisadora, hoje existem 215 denúncias de violência política contra as mulheres tramitando em algum nível na Justiça Eleitoral.

Para ela, o conhecimento da nova lei entra num processo temporal que se estenderá no País, como acontece com a Lei Maria da Penha que completa 18 anos em 2024, mas que é um avanço importante. Segundo a pesquisadora, no entanto, a violência política contra as mulheres está na matriz da nação brasileira que, para a pesquisadora, foi alicerçada com base no racismo e numa estrutura patriarcal. A seguir os principais trechos da entrevista: 

Twig Santos Lopes é formada em Direito e pesquisadora de violência política contra as mulheres(Foto: Guilherme Crespo)
Foto: Guilherme Crespo Twig Santos Lopes é formada em Direito e pesquisadora de violência política contra as mulheres



POVO - Você começa seu livro contando que mudou sua pesquisa a fim de pesquisar violência política contra as mulheres e responder à pergunta: “por que mulheres em posição de liderança política são mais atacadas do que os homens”. Como se deu esse processo?

Twig Santos Lopes - Primeiro, muito obrigada pelo interesse no livro e no tema. Eu acho que a gente está conseguindo dialogar e debater esse assunto nas mídias de amplo alcance. Mas, também, sistematizando, como no meu caso, a partir de um trabalho acadêmico e isso mostra a relevância e o impacto desse assunto, que traduz uma realidade bastante dramática no Brasil.

Eu já pesquisava esse tema desde 2016 quando saí da graduação em Direito e Gestão Pública e já tinha interesse, a partir de uma militância com os movimentos feministas de mulheres em estudar, em abordar questões relativas a violência de gênero.

Fazendo retrospecto desde a minha trajetória no mestrado, em Belém do Pará, eu fiz uma pesquisa sobre a situação de revitimização de mulheres nas várias violências doméstica e familiar. O pano de fundo era ainda a Lei Maria da Penha. Depois, sigo para o Rio de Janeiro para fazer o doutorado seguindo mais ou menos essa linha da violência de gênero, mas tentando pensar o sistema de justiça e numa resposta institucional que não as revitimizasse. Estava preocupada naquela altura, 2019, em pensar uma justiça restaurativa.

Eu ingresso no programa da PUC do Rio com o projeto sobre justiça restaurativa que é uma perspectiva que está sendo pensada no âmbito da Justiça, para dar mais centralidade às vítimas no processo, sobretudo penal. Só que, em meados de 2020, a gente é atravessada por uma pandemia e é obrigada a ficar em casa. Estávamos naquele caldo do bolsonarismo crescente a partir de de 2018, em seguida, a morte da Marielle Franco foi muito assustadora para toda as nós e a virulência desses debates e da direção dos discursos de ódio, extremistas, voltados a mulheres negras de esquerda ou representantes políticos de outros países, se mostraram muito mais insidiosos do que em relação aos homens.

Então, isso me chama bastante atenção e ao longo desse percurso ainda de estudos iniciais, durante o curso do doutorado, entrou em vigência a Lei 14.192, de 2021 e é a lei que basicamente centraliza a minha atenção para tentar pensar, porque a gente ainda não tinha até aquele momento no Brasil uma legislação específica para abordar a violência política contra as mulheres.

A denominação na inscrição da lei a violência política contra a mulher, que na verdade esse sentido, como eu coloco no estudo, é disputado e transcende a própria nomenclatura ou definição legal. Então, a minha atenção basicamente se voltou a estudar esse assunto em específico que traduz para uma realidade muito dramática ainda no contexto da violência de gênero.

Algumas mulheres que sofreram violência de gênero no Brasil 

 

OP - Inclusive você trata de distinguir as duas nomenclaturas: a violência política de gênero e a violência política e a violência política contra as mulheres. Gostaria que explicasse essas duas instâncias legais.

Twig Santos Lopes - Existe uma série de complexidades envolvendo essa questão. E é uma coisa que eu coloco, sobretudo quando eu vou analisar o processo legislativo de elaboração dessa legislação. Não só na lei de violência política, como na lei que definiu o feminicídio, como em outras legislações, a questão de gênero se tornou uma palavra proibida no Congresso Nacional.

Sobretudo por conta do avanço da extrema direita, do neoconservadorismo no Brasil, essas questões relativas aos movimentos das teorizações que são encapadas nesse processo de igualdade e que teorizam gênero são constantemente afastadas e isso a despeito da gente ter no Brasil a Lei Maria da Penha, que é do ano de 2016 falando de gênero, de uma série de normativos e tratados internacionais adensando e complexificando essa temática e dizendo que gênero é uma construção social, é produto e o resultado de muito estudo, de muita construção que é feita, sobretudo por teóricas do campo feminista.

No entanto, "gênero" é uma palavra proibida no âmbito da produção legislativa do nosso país. E isso reflete também um movimento global de ataque aos direitos das mulheres. No entanto, a literatura especificamente que trabalha com violência política costuma teorizar violência política contra as mulheres e violência contra mulheres na política. O terceiro setor já traz essa contribuição, como é o caso do Instituto Marielle Franco, do Instituto Alziras, do Instituto Mulheres Devir, sobretudo a articulações mobilizadas pelo terceiro setor.

O que tento fazer na tese é essa confluência da construção de uma agenda política que é mobilizada por diferentes atores: os atores legislativos, os atores da sociedade civil organizada como no caso das instituições do terceiro setor e o ator que está pensando isso acate intelectualmente

O que tento fazer na tese é essa confluência da construção de uma agenda política que é mobilizada por diferentes atores: os atores legislativos, os atores da sociedade civil organizada como no caso das instituições do terceiro setor e o ator que está pensando isso acate intelectualmente a partir da produção de casos concretos, porque a teoria não se faz dissociada da prática, acredito nisso.

Então, essas diferentes definições chegam para a gente no âmbito acadêmico, intelectual, mas também mobilizadas por esses diferentes atores a partir de uma miscelânea, e é por isso que a ideia de violência política baseada em gênero, porque o gênero ele é uma motivação específica e que caracteriza esse tipo de violência, e não somente o gênero, mas também a raça e outros marcadores sociais da diferença.

Mulheres etnicamente diferenciadas têm se tornado como alvo preponderante desse tipo de prática, isso chega para a gente com uma forma de disputa de sentidos, disputa de nomenclaturas, disputa de narrativas. Então, o que que essas instituições do terceiro setor têm apontado e trazido para o debate é que a violência política é baseada em raça e gênero e a própria Lei 1492 insere a questão da condição desses marcadores.

Só que a lei não coloca a palavra gênero e, sim, a palavra sexo e foi isso que foi muito debatido e tensionado na construção legislativa dessa norma. A gente suprime gênero para conseguir aprovar no Congresso uma legislação que seja protetiva aos direitos das mulheres. Isso aconteceu também em 2015 em relação à Lei do Feminicídio em que a motivação é baseada pelo sexo e isso é muito criticado. 

Tentando resumir um pouco e responder especificamente a tua pergunta, por que, inclusive, eu fiz a opção de colocar tanto no título da tese como no título do livro “Violência Política Contra as Mulheres”? porque eu entendo que a construção “mulheres” é uma definição que abarca gênero por definição. É uma construção que inclui mulheres cis e trans.

Todas as tentativas, inclusive essa lei específica, foi de trazer uma perspectiva biológica para o conceito e definição do que é ser mulher. Só que a gente já tem uma construção de longa trajetória, que foi fruto de muita luta e de articulação política dos movimentos de mulheres identificando que mulheres trans também estão alcançadas pela definição legal que é trazida nessa lei de violência política contra as mulheres, mas não somente gênero. Insistindo que a perspectiva da raça também foi incluída, mas o nome da lei não foi esse que foi dado. E ainda tem outro ponto.

Enquanto eu escrevia a tese, a gente tinha algumas alguns casos sendo denunciados, mas até então somente uma condenação, que foi a condenação do deputado aqui do Rio, Rodrigo Amorim, contra a vereadora de Niterói, Benny Briolly. Só tinha esse caso para analisar.

Twig Santos Lopes pesquisa violência de gênero a partir da trajetória política da Dilma Rousseff e Marielle Franco(Foto: Guilherme Crespo)
Foto: Guilherme Crespo Twig Santos Lopes pesquisa violência de gênero a partir da trajetória política da Dilma Rousseff e Marielle Franco

OP - De acordo com informações publicadas desde 2021 o número de casos tramitando de 3 para 17 a partir da publicação da Lei que combate a violência política contra as mulheres.
Twig Santos Lopes - Há 17 casos tramitando, mas há mais outros processos e denúncias, notícias de crimes que são monitorados pelo Grupo de Trabalho do Ministério Público Eleitoral. Durante participação como ouvinte de um evento promovido por esse GT, eles informam que são 215 casos que estão sendo monitorados, o que não significa que Brasil afora não existam mais casos, mas que esse GT ainda não conseguiu mapear nas localidades em específico.

Quando eu escrevi a tese existia pouca jurisprudência, poucos (casos) julgados, poucas decisões para analisar, mas o ponto que eu queria chegar é que violência política de gênero é o que consta nos acórdãos na decisão tanto do TRE do Tribunal Regional Eleitoral daqui do Rio de Janeiro na condenação do caso Benny Brioly, como no TRE de São Paulo, em relação à Mônica Seixas, por quê? Porque entendem que apesar da palavra “sexo” constrar na lei, desde a Lei Maria da Penha é essa definição que se abrange, tanto é que a vereadora Benny Briolly é uma mulher trans. Então, apesar do Legislativo tentar restringir o alcance e a abrangência dessa lei, o judiciário está fazendo esse tensionamento e alargando o sentido da própria legislação, traduzido absorvendo essa demanda dos movimentos e da sociedade civil organizada.

Minha tese se preocupou em pensar os contornos e o contexto dessa legislação que se volta a proteger mulheres candidatas e que já tenham mandato eletivo. Uma questão que eu me fiz ao longo desse processo foi: e as assessoras parlamentares e aquelas mulheres que são pré-candidatas e as defensoras de direitos humanos?


OP - Você falou desses 215 casos que atualmente estão sendo examinados pelo GT do Ministério Público Eleitoral, no entanto, você considera que há subnotificação de casos de violência política contra as mulheres no País, até por conta da compreensão das próprias mulheres sobre o que é violência política?

Twig Santos Lopes - Isso é uma realidade no Brasil em relação a qualquer manifestação de violência de gênero. E isso decorre por diversos fatores que envolvem a própria percepção de que você sofreu uma humilhação e não consegue classificar e identificar por falta de conhecimento que aquilo foi um assédio ou uma violência política de gênero. E passa também pela capacidade de processamento de entendimento e de interpretação da aplicação dessa lei que é muito nova.

A Lei Maria da Penha acabou de completar 18 anos e até hoje a gente tem uma uma infinidade de casos que estão subnotificados de mulheres que optam por não denunciar, seja por medo de represálias, no caso da violência política seja com receio de prejudicarem a carreira política, mas em relação à possibilidade de processamento do sistema de justiça em relação a esse crime há uma outra questão que ainda está em construção que é a formação de canais de denúncia claros, unificados, para que essas mulheres possam acessar o sistema de Justiça.

Ainda se está debatendo, a gente sabe que como é um crime eleitoral, esse da Lei 14.192 (que trata ) da violência política contra as mulheres, ele é de competência da Justiça Eleitoral, a Polícia Federal tem também essa competência de investigar e todas as demais polícias, elas têm que fazer esse encaminhamento devido, por se tratar de uma lei federal.

Mas a gente tem também uma outra questão. Minha tese se preocupou em pensar os contornos e o contexto dessa legislação que se volta a proteger mulheres candidatas e que já exercem o cargo, que tenham mandato eletivo. No entanto uma questão que eu me fiz ao longo desse processo foi: e as assessoras parlamentares e aquelas mulheres que são pré-candidatas e as defensoras de direitos humanos que no caso, o Brasil lidera mundiais de violência contra defensores de direitos humanos, onde que elas entram s essa lei não está falando delas, porque elas não têm cargos nem estão disputando disputa eleitoral enquanto candidatas.

A Lei 14.192 trata, especificamente, desses dois sujeitos que serão protegidos pelo Estado candidatas e detentoras de mandato eletivo. Onde fica todo esse resto da população que estão nos sindicatos, nos movimentos sociais de base, nos centros acadêmicos das universidades, enfim, todas essas mulheres ou as próprias pré-candidatos, que não encontram guarida nessa legislação, onde que elas ficam? Como é que o sistema de Justiça cataloga eventuais violências políticas que acontecerem contra elas?

Entraria num outra legislação que veio logo depois da Lei 14. 192, que é a Lei 14.197, essa lei 14.197 cria vários crimes contra o estado democrático, dentre eles o que está no código penal de violência política e essa violência política pode acontecer contra qualquer pessoa em razão de marcadores sociais da diferença que não só sexo, mas procedência nacional, raça e etnia. Todo esse público estaria dentro desse outro tipo de violência política que não necessariamente específica às mulheres candidatas e detentoras de mandato.

Conheça as Leis que protegem as mulheres


OP - No seu livro também você afirma que o sistema político e eleitoral suscitam práticas discriminatórias ou de violência direcionada às mulheres. Queria que você explicasse como isso acontece por parte daqueles que poderiam proteger as mulheres da violência política.

Twig Santos Lopes - Um evento que é bastante conhecido, muito denunciado e é uma prática classificada como violência política de gênero é a fraude à cota de gênero pelos partidos e isso ainda vem acontecendo bastante que são as chamadas candidaturas laranjas. Então desde 1997, a gente tem a inclusão na lei 9.504 do percentual mínimo de 30% em que os partidos e as coligações devem registrar candidaturas femininas e proporcionalmente a esse número, também tempo de rádio e o repasse de recursos.

Uma das dificuldades mais latentes e expressivas, que vêm sendo comunicadas por mulheres candidatas filiadas que tentam disputar uma corrida eleitoral é justamente serem deixadas de lado nessa questão, e isso é protagonizado pelos próprios partidos. No caso das candidaturas-laranjas, um problema muito frequente é que essas candidaturas fictícias servem para perpetuar e consolidar as candidaturas masculinas do próprio partido.

Então, a gente tem uma série de vieses que também são atravessados por essa dinâmica de gênero reproduzidos no sistema político eleitoral. Um outro problema também é em relação às próprias dinâmicas legislativas, e produções de entendimentos dos tribunais superiores quando os direitos das mulheres avançam e a gente tem mais 25 anos de cotas de gênero e entendimentos que constitucionalizam, inclusive, esse percentual mínimo de 30%, mas se vê uma constante tentativa de refrear e retroceder nesses avanços conquistados.

A própria constitucionalização de 5% do repasse de promoção e difusão de política para mulheres dentro dos partidos e isso acaba sofrendo limitações, tanto na aplicação como nas tentativas de retrocesso. Agora, a gente está discutindo, por exemplo, a PEC 09 de 2023 que tenta de novo anistiar, ou seja, perdoar os partidos e coligações que não cumprirem esse percentual mínimo de atribuições às cotas de gênero para mulheres e pessoas negras e isso é um grave retrocesso. (A PEC foi aprovada no Senado uma semana após a entrevista)

A cada eleição que a gente tem a gente tem uma mudança muito dinâmica em que os direitos das Mulheres sempre ficam em jogo, numa encruzilhada. Eu espero que o Congresso não esteja muito distraído por conta da corrida eleitoral e aprove isso, porque representa um retrocesso para o direito das mulheres e para as conquistas que foram duramente batalhadas.

Eles são um contínuo de violência de gênero e é um contínuo de violências que remonta a nossa própria estrutura enquanto sociedade, enquanto pacto civilizatório e construção da nossa nação, que foi baseada em acordos calcados no racismo, no sistema patriarcal e um sistema misógino.

OP - Por que você escolheu como marcadores do teu trabalho enquanto pesquisadora de violência política contra as mulheres, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a morte da Marielle Franco?

Twig Santos Lopes - O processo difamatório que a (ex-presidente) Dilma Rousseff sofreu não teve precedente, até porque a gente nunca havia tido a experiência de ter uma mulher no mais alto cargo representativo no Brasil. O evento do impeachment foi, realmente, a culminância de uma série de ataques que ela sofreu ao longo do mandato.

Mas o que eu tento sinalizar é que tanto a Dilma e, num nível de gravidade que não tem proporção, como a própria Marielle, que foi vítima de um feminicídio político sofreram violência política. Outras expressões e manifestações de violência foram se alargando, como as que aconteceram com a Talíria Petrone (PSOL) aqui no Rio de Janeiro. O que aconteceu também com a Benny Briolly (PSOL), o que acontece com mulheres, e que, ressalte-se, de vários espectros políticos ideológicos, porque mulheres de direita também podem sofrer violência política.

Eles são um contínuo de violência de gênero e é um contínuo de violências que remonta a nossa própria estrutura enquanto sociedade, enquanto pacto civilizatório e construção da nossa nação, que foi baseada em acordos calcados no racismo, no sistema patriarcal e um sistema misógino.

O tempo todo que a gente está falando de violência política, está falando de disputas de poder e esse poder que é hegemonicamente colocado e atribuído aos homens, as mulheres são intrusas nesse local e se elas são intrusas, a finalidade e a tentativa são de destituí-las desse espaço. Elas não deveriam estar e fazer parte desse lugar, então como a Dilma foi a representante maior desse cargo no Brasil, ela foi a nossa ponta de lança para que pudéssemos observar como é hostil esse espaço para as mulheres.

Os xingamentos contra a Dilma durante a Copa de 2014 foram visíveis para o mundo inteiro, é como se o machismo patriarcal impregnado nas instituições, mas que também é reflexo por óbvio dessas dinâmicas sociais e culturais nossas, não tem pudor, não tem vergonha de se mostrar. No caso da Dilma isso ficou muito claro. Não sei se você lembra daqueles adesivos da ex-presidente Dilma com as pernas abertas que eram colocados nas bombas de gasolina. Além de ser violência política, aquilo era uma incitação à cultura do estupro.

Como que a gente ainda tem essas dinâmicas, inclusive encargos de autoridade, muito focadas na interdição dessa figura feminina? Logo ela vai ser hipersexualizada, traduzida como louca, como histérica, como inadequada para exercer o cargo. Algumas pesquisas em Ciência Política demonstram essa diferença de tratamento até mesmo no jornalismo de forma sutil, muitas vezes. A internet é um campo de batalha preponderante em que essas violências se tornam muito visíveis e que pessoas resguardadas pelo anonimato podem criar uma pessoa falsa para fazer chantagens e ameaças, mas o ponto principal pra gente pensar é o que caracteriza essa violência? Por que ela não é uma violência a mais, por que é uma violência de caráter específico? Porque ela tem essa motivação atravessada pelo gênero, pela raça, pela idade. Enfim, sobretudo, esses marcadores têm a finalidade de dizer: “vou te tirar desse lugar, você não faz parte desse locus” que é para ser preponderantemente desde sempre masculino.

OP - Para você quais são as principais consequências para as mulheres que sofrem violência política?

Twig Santos Lopes - A gente não queria ter que falar sobre violência. Isso acontece porque é praticamente uma governança da resistência. A gente precisa pautar essa realidade para conseguir fazer o trabalho de promoção de direitos sociais políticos civis, enfim, em prol da sociedade. A violência de gênero costuma ser, lamentavelmente, um problema que nos afeta a todas e de diferentes formas. Pensando nas consequências da violência para essas mulheres, eu sei o que elas me relatam, mas eu não estou na pele delas para saber o que elas realmente têm que sustentar para conseguirem continuar o trabalho.

É necessário pensar como a violência política é extensiva a quem está no seu entorno: a família, a equipe, todos os apoiadores políticos. Enquanto pesquisadora, não posso dimensionar com exatidão essa violência, porque eu não vivo nessa nessa posição, mas o que é relatado é que tem, sim, consequências subjetivas muito dramáticas, mas que essas consequências se traduzem numa espécie de governança da resistência, porque essas mulheres precisam dar suporte, fortalecer outras mulheres e abrir o caminho para essas mulheres na política.

Um ponto importante é que a violência política institucional é, por excelência, um espaço de antagonismos, de dissensos, mas esses antagonismos não podem se traduzir em violência e, sim, em disputas de ideias. A Manuela D´Ávila, a despeito da violência praticada contra ela, continua sendo uma guerreira, uma lutadora que tem aberto esse caminho, produzido é participado de um grupo de trabalho contra extremismo e discurso de ódio.

Existe um relatório que foi lançado em 2023 e que foi presidido pela Manuela d'Ávila. Hoje em dia ela participa na promoção ativa de diversas candidaturas progressistas. Quanto à Talíria Petrone, a violência, com certeza, a afeta de maneira muito dramática. Ela teve duas gestações ao longo dessa trajetória que ela acumula aqui no estado do Rio de Janeiro, mas não a dissuadiu a ponto dela se retirar desse campo. Ela agora é candidata a prefeita de Niterói e recentemente recebeu ameaças de cunho racista, e absolutamente vis.

É como se essas chapas compostas por mulheres viessem no sentido de dar uma sensação e um verniz de representação feminina, mas sem garantir que essas mulheres tenham um destaque nessa composição.


OP - Como você avalia o momento eleitoral no País quanto à participação das mulheres na composição de chapas majoritárias para as prefeituras? Aqui em Fortaleza, por exemplo, nós temos nove candidaturas disputando o executivo municipal, destas chapas, seis mulheres são candidatas a vice.

Twig Santos Lopes - Com certeza essa tendência dos partidos e coligações inserirem uma mulher como vice na chapa é uma tentativa de não desprezar o capital político social que o grupo mulheres representa. Isso já ficou muito destacado e claro que o fato é que as mulheres são a maior parte do eleitorado e isso não pode ser ignorado. No entanto, há um cenário diferente. As cotas de gênero se aplicam para eleições proporcionais. 

É como se essas chapas compostas por mulheres viessem no sentido de dar uma sensação e um verniz de representação feminina, mas sem garantir que essas mulheres tenham um destaque nessa composição. Afinal elas não estão sendo maioria de candidatas a prefeitos e, sim, compondo uma chapa para auxiliar e capitanear esses votos do eleitorado feminino também.

Óbvio que é de interesse nosso também que os partidos sejam aderentes à questão dos direitos das mulheres. Mas isso não pode se traduzir apenas como um verniz. Isso? Eu avalio o momento atual primeiro com um olhar de que os partidos têm sido pressionados a modificar os seus comportamentos, mas a gente ainda está muito atrás no que precisa ser traduzido, no que precisa ser entregue para a sociedade enquanto formulação política concreta. Tá bom então agora só para terminar mesmo. É a gente tem inclusive o teu livro traz isso, né? Uma legislação até digamos assim Vistosa no campo, né do enfrentamento é as violências de gênero. Então você pontua a Lei Maria da Penha.

Alguns dos crimes de violências verbais, não-físicas, institucionais e simbólicas, de acordo com a Lei

 

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