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Santinhos políticos: qual a origem deste símbolo religioso e eleitoral?
Reportagem Seriada

Santinhos políticos: qual a origem deste símbolo religioso e eleitoral?

Com presença marcada na eleição, os papeizinhos coloridos invadem o dia a dia dos eleitores, poluem as ruas e carregam uma história muito maior que seu tamanho

Santinhos políticos: qual a origem deste símbolo religioso e eleitoral?

Com presença marcada na eleição, os papeizinhos coloridos invadem o dia a dia dos eleitores, poluem as ruas e carregam uma história muito maior que seu tamanho
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Em toda eleição, de todas as cores e formatos, aos montes pelas calçadas, pistas e até dentro dos ônibus. Quem nunca saiu para votar e percebeu aquele amontoado de santinhos nas ruas? Simbolo garantido em toda eleição, aos domingos de votação dominam as ruas com a função de lembrar-nos quem espera nosso voto.

Sobreviventes da modernização das campanhas eleitorais, os santinhos podem ser o que resta da antiga prática publicitária da política. Com o domínio da televisão, das rádios e da internet, os folhetins parecem ser a principal alternativa para os candidatos com pouco apoio financeiro.

O vereador Gabriel Aguiar (Psol) viralizou no Brasil ao ressignificar a função das folhinhas na campanha municipal de 2024. Ele, utilizou folhas secas no lugar dos papeizinhos, trazendo inovação e sustentabilidade.


 

Origem dos santinhos: de virtudes a lembranças fúnebres

Assim como o nome sugere, a origem dos santinhos é religiosa. Distribuir panfletos com imagens coloridas de santos e orações era uma prática importante de divulgação cultural e religiosa para a Igreja Católica. Principalmente com o crescimento do protestantismo na Europa do século XVI, como indica o estudo Oficina Plantiniana: a revolução nas artes gráficas e no imaginário coletivo ocidental.

Xilogravura de São Cristóvão, 1423(Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Xilogravura de São Cristóvão, 1423

Inicialmente produzidos com xilogravura, eram entalhados em lenha, depois cobertos de tinta e prensados contra o papel. Comumente reproduziam cenas religiosas acompanhadas de um sermão.

Os exemplos mais antigo datam do século XV. Feitos a mão, são A Virgem e o Menino Jesus, de 1418, e São Cristóvão, de 1423. Gravados em madeira de origem alemã, hoje estão expostos lado a lado no Museu de Bruxelas, localizado na Bélgica.

Com a evolução das técnicas de impressão tornaram-se mais acessíveis, e a circulação dos folhetins aumentou entre a população. Os primeiros centros de manufatura de santinhos surgiram na França, na Bélgica, na Alemanha e na Itália e as imagens eram produzidas e distribuídas em grande escala durante o século XX.

Feitos para cultuar santidades e registrar datas importantes do catolicismo, também são utilizados como lembrancinhas em funerais para homenagear e eternizar a devoção dos fiéis.

Se você vem de uma família católica, já deve ter se deparado com uma “convite” de velório. Uma impressão colorida com a foto de um ente ou conhecido que faleceu, acompanhado de uma frase bíblica. Esses são os santinhos fúnebres, fortemente presente nas regiões com forte influência religiosa, representam outro uso das impressões. Conhecidos também como lembranças de luto, são entregues em velórios ou em missas de sétimo dia.


 

Como o santinho foi apropriado pela política

O doutor em Ciência da Religião e professor do Departamento de Ciência da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Emerson Sena, explica que a introdução dos panfletinhos no cenário eleitoral aconteceu junto da popularização dos impressos, no final do século XIX e início do XX. Logo o material caiu no gosto dos candidatos, por serem fáceis de produzir, distribuir e terem um forte apelo ao sentimentalismo e a religiosidade.

“O catolicismo e a Igreja eram forças dominantes. Relacionar o apoio de santos e santas a um candidato era uma forma de dar legitimidade junto aos eleitores e seus santos de devoção”, explica o teórico.

Emerson acredita que atualmente os folhetins, mesmo atrelados a religião, não são suficientes para eleger alguém. Já que uma escolha político-eleitoral depende de um processo maior, com muitas questões envolvidas. “Um santinho, por si só, não faz milagres… Na trama política ele exerce seu papel: torna presente e palpável a figura do candidato ou candidata”.

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A relação entre política e propaganda

O professor de Teoria Politica da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Emanuel Freitas, explica a relação da publicidade com a política. “A campanha é um momento de persuasão. Candidatos irão persuadir, por meio das técnicas midiáticas e publicitárias, os eleitores a escolhê-los”

Ele explica também que a utilização dos santinhos antecede as práticas publicitárias da televisão e oferecem aos eleitores uma exibição mais estática e individualizada, além de facilitarem na cola no momento da votação. “Aquele santinho pequeno que eu posso levar para a urna comigo e não me deixaria esquecer o retrato e o número daquele candidato”.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) incentiva o eleitor a levar para a cabine de votação o papelzinho com os números de candidatas e candidatos escolhidos. No site tse.jus.br eles argumentam que “o uso da cola no dia da eleição torna mais rápida a digitação dos números na urna eletrônica, além de contribuir para reduzir as filas de votação”. Eles também disponibiliza um modelo para ser preenchido.


 

30 mil votos sem poluição

Atualmente, até evangélicos que não acreditam na intercessão dos santos, por considerar idolatria, se rendem ao milagre do santinho para tentar se eleger. O certo é que os santinhos políticos dividem opiniões.

O segundo vereador mais votado de Fortaleza, Gabriel Biologia, popularizou-se durante e depois da campanha municipal de 2024 por não utilizar os papeizinhos. No lugar das impressões, ele usou folhas secas encontradas no chão. Folha de S. Paulo, O Globo e UOL são alguns dos veículos nacionais que exaltaram Gabriel como “o vereador eleito com mais de 30 mil votos sem usar santinhos”.

Gabriel Biologia é eleito com mais de 30 mil votos sem usar santinhos(Foto: Davi Pinheiro)
Foto: Davi Pinheiro Gabriel Biologia é eleito com mais de 30 mil votos sem usar santinhos

Reeleito sem produzir lixo, Gabriel gravou um vídeo em suas redes sociais agradecendo a visibilidade. “Nós fizemos uma campanha com zero resíduo, isso para mim é de muito orgulho. É para sermos um exemplo para inspirar outras candidaturas a não utilizar o papel e não deixar esse cenário (de lixo) honroso e desrespeitoso com a população”.

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