Fortaleza, 27 de outubro de 2024
Sr. futuro prefeito,
O senhor, prestes a ser escolhido pelo povo de Fortaleza, receberá a cidade de maior população e maior economia do Nordeste. Também uma cidade desigual, com muita miséria, com a saúde como preocupação fundamental da população. E um lugar muito violento. Essas foram questões que os eleitores ouviram nos últimos dois meses e meio. O senhor, candidato de oposição e que fez muitas críticas ao ciclo que chega ao fim em 1º de janeiro, falou algumas dessas coisas. Fortaleza, todavia, é mais complexa e desafiadora do que a discussão realizada na campanha que se encerrou.
Os breves minutos de pergunta, resposta, réplica e tréplica não comportam o aprofundamento dos problemas reais que a população enfrenta. Programas de governo do senhor e de seus adversários rechearam páginas, mais ou menos numerosas, com um tanto de embromação, pouco conteúdo objetivo e quase nada de metas quantificáveis. Prestam-se mais ao marketing que a um plano de ação. Na campanha, o senhor não disse tudo o que fará, nem mesmo a maior parte, longe disso. Falou sempre o que o eleitor queria ouvir, e isso era definido por pesquisas. Tudo foi feito para agradar. Ao final do dia, o senhor saberá que deu certo e o seu adversário, que deu errado. É provável que a diferença seja estreita.
Mas, governar é outra coisa. Quem governa contraria interesses. A decisão política consiste em quais interesses contrariar e quais atender. Na árdua campanha, o senhor falava como se tudo fosse se tornar fácil de realizar, bastava elegê-lo. A realidade de agora em diante será difícil. Haverá conflitos, resistências, crises, desgastes. O senhor dirá mais "não" do que "sim". O bom governante é quem diz um ou outro às pessoas certas pelas razões corretas.
"O bom governante não é o que menos erra, mas aquele humilde o bastante para corrigir erros tanto quanto conseguir e reduzir o impacto deles ao mínimo possível"
O senhor sofrerá muitas críticas. Cometerá erros e não serão poucos. Eles serão percebidos e é possível que tomados como maiores do que de fato são. Vidas serão afetadas pelos seus equívocos, e o senhor sofrerá com isso, se sensível for e se mantiver.
A capacidade de sentir, reconhecer e corrigir seus erros talvez seja o principal caminho para acertos. Pois ninguém terá chance de fazer o bem de forma tão próxima e imediata aos fortalezenses.
O bom governante não é o que menos erra, mas aquele humilde o bastante para corrigir erros tanto quanto conseguir e reduzir o impacto deles ao mínimo possível. Para isso, o governante precisa distinguir o crítico sincero do bajulador falso. E decidir a quem dar ouvidos.
Ao final do seu mandato, Fortaleza terá passado dos 300 anos, e O POVO terá estado presente em 100 deles. Esta edição, histórica para a Capital e para o senhor, traz cartas assinadas pelos editores de quatro áreas fundamentais do jornalismo e da cidade. Tânia Alves, editora-chefe de Cidades; André Bloc, editor-chefe de Esportes; Armando de Oliveira Lima, repórter especial de Economia, e Renato Abê, editor-chefe de Cultura e Entretenimento, indicam caminhos e possibilidades, da perspectiva de quem está todos os dias envolvido no noticiário, em contato com as pessoas, conhecendo problemas e desbravando potencialidades da cidade em suas múltiplas dimensões.
Esperançosamente,
"Érico Firmo, editor de Política"
Caro novo prefeito,
De antemão, uma máxima precisa ser incorporada, de vez, pela gestão municipal: cultura não é só festa. Claro que um grande evento como o Réveillon é fundamental para o turismo da Cidade – e também um presente importante para o fortalezense. Uma celebração única, porém, não pode ser o carro-chefe de uma capital tão culturalmente rica como a nossa.
Se não houver uma política pública continuada para quem movimenta o setor o ano inteiro, ficaremos presos a uma sazonalidade que corrói qualquer avanço nesse segmento. A cultura é motor de economia criativa, é ocupação urbana qualificada no combate à violência, é ferramenta para uma educação afirmativa e é também bem-estar, por consequência, saúde pública.
Outro ponto tem de ser reavaliado: equipamento cultural não é salão de festa para coquetéis institucionais do Município. Os espaços culturais precisam de programação estruturada e focada na formação de plateia (de crianças a idosos). Para citar apenas um monumento: o Teatro São José é muito pouco aproveitado como palco para manifestações culturais. A Cidade precisa desse espaço vivo.
"A arte em Fortaleza não mora só no corredor Centro-Praia de Iracema, a Rede Cuca tem um trabalho fundamental que vem minguando... Em entornos dominados com facções, os Cucas são faróis de possibilidades de outros futuros para os jovens fortalezenses"
Avancemos. A arte em Fortaleza não mora só no corredor Centro-Praia de Iracema, a Rede Cuca tem um trabalho fundamental que vem minguando em potencial de alcance com a estrutura mais enxuta vigente. Não dá para recuar com esse trabalho construído a tantas mãos nas periferias. Em entornos dominados com facções, os Cucas são faróis de possibilidades de outros futuros para os jovens fortalezenses.
Quanto ao orçamento para a cultura, ele precisa ser garantido e, mais do que isso, executado. A gestão que se encerra falhou na condução da destinação dessa verba, tão imprescindível para que os editais e dispositivos de distribuição de recurso tenham real impacto social para a Cidade. O montante tem de ser executado para se converter em ação cidadã.
Somente por meio do amadurecimento do debate, extrapolando qualquer leitura pouco eficaz de que os artistas drenam dinheiro público, é que a Cidade, capital de um Estado pioneiro nas políticas públicas culturais, vai avançar na missão (muito possível) de ser um polo protagonista da cultura em âmbito nacional.
Atenciosamente e com esperança viva,
"Renato Abê, editor-chefe de Cultura e Entretenimento do O POVO"
Fortaleza, 27 de outubro de 2024
Prezado prefeito,
Escrevo essas linhas para contar notícias sobre como enxergo esta cidade cheia de contradições e que pediu socorro por meio do voto. Devo dizer que nela não nasci, mas aprendi a amar a vitalidade e o contraste do povo que amanhece com ela todos os dias.
Admiro os que acordam cedo demais para correr na Beira Mar ou da Barra do Ceará, suando e sentindo a forte maresia no rosto, num misto de prazer para o corpo e a alma. Aprecio aqueles que madrugam para deixar o almoço pronto para os filhos e, ao mesmo tempo, evitar o ônibus lotado demais no horário de pico.
Estes são a maioria e não fazem isso por escolha. Nos últimos anos, decidiram trocar o coletivo pela moto uber, enfrentando o medo do trânsito caótico em nome de ganhar mais tempo. Mesmo porque não tem coisa mais irritante do que chegar ao trabalho estressado após o espremido dentro do transporte coletivo. Já senti e já vivi na pele essas duas fortalezas. Isso será, a partir do dia 1º de janeiro, sua responsabilidade.
"Deixo aqui para o senhor uma frase popularizada pela sabedoria dos quadrinhos do Homem-Aranha e que é uma releitura de uma frase bíblica: Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades"
Caro prefeito eleito, queria poder transmitir sobre como esta cidade, às vezes, esquece de honrar o passado. Foi assim quando aterraram o riacho Pajeú, derrubaram prédios históricos esquecendo que ali estava a memória dos nossos antepassados, num traço humano que só esta cidade possui. Ou como ela pode ficar melancólica, quando o inverno chega e enche as casas dos desfavorecidos. Chuva só deveria ser de alegria. Isto também será de sua cota quando o ano novo chegar.
Por outro lado, não sei se o senhor reparou, a Cidade carrega um espírito brincalhão que é capaz de vaiar o sol em plena Praça do Ferreira; o vigor da marcha do Pirambu que redesenhou os bairros desta futura metrópole, e a potência da fé espalhada em cada milímetro deste território. Este credo hoje é individual, mas por meio dela enxergo um amanhã de mais igualdade. Fortaleza também não renega, até quando escrevo estas linhas, aqueles que não creem, pois ela entende, como na música, que ‘nem toda reza é santa’.
Não sei se o senhor compreendeu, mas sou uma pessoa meio abobalhada, que gosta de andar nas ruas enxergando os ipês que florescem no meio da Domingos Olímpio, que ama o entardecer bonito que a cidade me dá, mesmo compreendendo que só o tenho por causa da poluição; ou de olhar a Lua Cheia seja de onde eu estiver - Antônio Bezerra ou Messejana; José Walter ou Meireles. É bom demais levar isso no coração.
Gostaria que um dia o senhor experimentasse esta sensação, para compreender o compromisso que esta vitória leva para as suas mãos. Deixo aqui para o senhor uma frase popularizada pela sabedoria dos quadrinhos do Homem-Aranha e que é uma releitura de uma frase bíblica: “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.
Abraços e boa sorte.
"Tânia Alves, editora-chefe de Cidades"
Fortaleza, 27 de outubro de 2024
Excelentíssimo senhor prefeito eleito,
Fortaleza é uma cidade complexa e, dentro de tais complexidades, o trabalho de um prefeito se transforma em gerir crises. Sempre foi assim. Dentro desse contexto, cada gestor luta para imprimir sua própria marca, como forma de garantir novos mandatos para lidar com novas e velhas adversidades.
Proponho outro exercício. Vamos ocupar a cidade: uma areninha por vez. Fortaleza cresceu desenfreadamente em busca de uma identidade. Por que não dar a cada bairro uma chance de mostrar que ele é a Meca de um esporte diferente?
Ao dar protagonismo às areninhas, o senhor dará voz à população, à juventude. É um investimento relativamente barato para uma metrópole como a nossa e capaz de aglutinar o povo. Ruas movimentadas são ruas mais seguras. Jovens ocupados são jovens longe dos riscos que a sociedade atual oferece.
"Esporte é identidade, é pertencimento, é inclusão social. Podia e devia ser prioridade. Vamos olhar para o que deu certo e fazer crescer"
O programa das areninhas não pertence ao governo do Estado, às gestões anteriores ou mesmo à sua. Pertence ao público. E se a gestão que o senhor propõe é uma gestão com a cara da cidade, esse mesmo povo precisa se reconhecer nas atividades comuns do bairro.
Se cada areninha tiver uma identidade própria, cada espaço pode gerar uma oportunidade diferente: um esporte diferente, com craques para o futuro e professores de carteira assinada. Uma programação de lazer para diferentes públicos, que cresça junto à comunidade, até aquela política pública passar a funcionar todos os dias da semana, em todas as horas do dia.
É uma chance de Fortaleza ser múltipla. É uma oportunidade de criar craques e ocupar os equipamentos mais robustos da Prefeitura, como o estádio Presidente Vargas ou o ginásio Paulo Sarasate, que podem ser palcos de competições entre bairros.
Esporte é identidade, é pertencimento, é inclusão social. Podia e devia ser prioridade. Vamos olhar para o que deu certo e fazer crescer.
É uma chance de mostrar que segurança pública se faz muito mais com a ocupação de espaços do que com guardas municipais com pistola em punho.
Respeitosamente,
"André Bloc, editor-chefe de Esportes do O POVO"
Caro prefeito,
Parabéns pela eleição. Acredito que o sentimento de vitória que sucede uma disputa tão acirrada quanto foi o pleito em Fortaleza é gratificante. Chancela a postura ao longo dos últimos meses. Assim espero que seja o seu sentimento ao término do mandato que começa em 1º de janeiro de 2025. Afinal, Fortaleza precisa superar problemas e a gestão será tão repleta de pressão e conflitos como foi esta eleição.
Vivemos em uma cidade desigual. Temos superprédios na Beira-Mar e pessoas dormindo em papelão na Praça do Ferreira. Abrigamos as maiores fortunas do Nordeste e também 172 mil pessoas extremamente pobres. Há túneis, viadutos e intertravados na Aldeota e esgoto escorrendo no meio-fio das estradas carroçáveis no Siqueira. Perdão por apontar problemas, mas não há outro assunto a se tratar com o principal gestor público do Município que não seja o modelo de desenvolvimento socioeconômico.
"o trabalho em Fortaleza não gera efeitos só em Fortaleza. A capital cearense influencia todo o Estado e vai além, reverbera pelo Nordeste"
Fortaleza precisa frear a desigualdade avançando em desenvolvimento sustentável. Para isso, esperamos não apenas promessas como foi na campanha, mas detalhamento dos projetos. Simultaneamente a uma gestão fiscal que assegure salários de ganhos reais aos servidores e manutenção de serviços públicos essenciais é preciso ampliar os investimentos em áreas estratégicas para diminuir os contrastes no Município.
E o trabalho em Fortaleza não gera efeitos só em Fortaleza. A capital cearense influencia todo o Estado e vai além, reverbera pelo Nordeste. O dinheiro ganho pelo trabalhador em Fortaleza é gasto na economia de até 18 cidades vizinhas. O novo prefeito pode até ter o governo oficialmente limitado ao fortalezense, mas suas decisões geram impacto sobre toda a região metropolitana.
Fortaleza ainda ampliou a área de influência no Nordeste. Obteve ganhos econômicos relevantes nas últimas décadas, alcançou o posto de maior PIB da região entre as capitais e ganhou espaço nos ambientes de influência de Recife em Piauí, Maranhão e até Pernambuco. Suas atitudes e decisões, prefeito, serão observadas e geram efeitos em todos os habitantes dessas áreas.
Por fim, desejo um bom trabalho e prometo uma observação atenta sobre esses temas.
"Armando de Oliveira Lima, repórter especial de Economia"
Este site contém reportagens sobre as eleições municipais de 2024 em Fortaleza, no Ceará e no Brasil, abordando diversas temáticas