Para que as agendas relacionadas às questões de ESG e Objetivos dos Desenvolvimentos Sustentáveis (ODS) se desenvolvam surgiu, em 2022, um novo conceito focado em desenvolvimento interior (IDG em inglês) ou Objetivo do Desenvolvimento Interno (ODI).
Mas do que se trata? ODI é uma sistematização de habilidades transformacionais para o desenvolvimento sustentável criada por mais de mil pessoas, sendo elas indivíduos vindos de povos originários, cientistas, religiosos, pessoas no poder público, nas ONGs, pessoas comprometidas com o bem comum, atuando em diferentes frentes.
Segundo a pesquisadora em outras economias, Gabi Valente, são as habilidades que precisamos desenvolver para sermos capazes de alcançar os ODSs até 2030.
“A ideia por trás da sopa de letrinhas é de que nós já sabemos que a humanidade está diante de uma encruzilhada climática e social e precisa operar mudanças profundas em paradigmas, negócios, estilo de vida, processo produtivo, relações e economia, mas por algum motivo não estamos avançando, seguimos destruindo nosso planeta mais do que regenerando. E os ODIs colocam o dedo na ferida, nos faltam habilidades emocionais para tal e é preciso desenvolvê-las”, explica.
Gabi enfatiza que estamos avançando muito lentamente e já sabemos que se seguirmos assim, não vai dar tempo.
Para ela, tudo que temos feito em regulação, políticas públicas, empresas, filantropia e organismos multilaterais, toda a discussão sobre boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) e todos os bons exemplos e inspirações advindos dos negócios de impacto socioambientais positivos não têm sido suficientes para garantir que o Planeta não esquente 1,5 graus.
Ao seu ver, os ODIs trazem inovação também em seu modo de funcionamento, falando muito sobre governança.
“Sempre digo que para mudar alguma coisa no mundo deveríamos cuidar primeiro da governança e depois do social e do ambiental. Porque a forma como fazemos as coisas, neste cenários de construção de novos paradigmas, importa tanto quanto o que fazemos”, visualiza a pesquisadora.
Hoje, já são mais de 500 hubs e redes em 80 países, com mais de 35 mil pessoas envolvidas. No Brasil já existem algumas pessoas agindo e grupos de atuação na maioria das capitais.
“No Ceará, estamos começando agora a falar disso e abrimos a comunidade local em julho. O objetivo é promover treinamento em desenvolvimento de lideranças para as habilidades necessárias para a construção deste novo mundo”, informa.
Os termos sustentabilidade e ESG vão muito além do conceito teórico, segundo especialistas que atuam na área. O debate é importante, mas a aplicação prática dessas estratégias é ainda mais relevante para a realidade corporativa atual.
Talita Martins, CEO da Equos Consultoria ESG, avalia que, muitas vezes, enquanto se concentra em diferenciar os conceitos teóricos de ESG e sustentabilidade, deixa-se de perceber que inúmeras empresas precisam de auxílio imediato para cumprir até mesmo a própria legislação vigente.
“Embora o ESG seja um direcionamento específico para atender às demandas do mercado financeiro, que identificou a necessidade de mitigar riscos, na prática, ele acaba promovendo valores semelhantes aos da sustentabilidade, resultando em melhorias contínuas dos processos e tornando-os mais sustentáveis.
Seguir o caminho do ESG não exclui a sustentabilidade, e vice-versa. As siglas não são inimigas, muito pelo contrário, são parceiras que devem andar juntas”, defende Talita.
Ambas podem proporcionar redução de custos, otimização de processos e a implementação de melhores práticas ao longo da cadeia de valor. E existem habilidades e práticas que são essenciais tanto para o ESG quanto para a sustentabilidade, além da multidisciplinaridade de uma equipe.
“ESG e sustentabilidade são complementares e essenciais para o sucesso das empresas a longo prazo, proporcionando benefícios tangíveis e de valor. Integrar ESG e sustentabilidade é uma jornada contínua que beneficia tanto a empresa quanto a sociedade”, destaca a CEO da Equos.
Para a diretora executiva da Conforme Consultoria, Cleane Ramos Paulino, os conceitos de sustentabilidade e ESG possuem correlação e ambos têm como essência atuar no presente com responsabilidade ambiental, social e corporativa para não comprometer o futuro (sustentabilidade) do planeta, das gerações e dos negócios.
Cleane explica que sustentabilidade deriva da palavra sustentar, podendo ser compreendida como sustentação, equilíbrio, continuidade.
“Neste sentido, seria o equilíbrio das decisões e ações humanas, do consumo dos recursos naturais e das relações sociais para a continuidade do planeta, da sociedade e dos negócios”, diz.
Já o conceito de ESG é o conjunto de diretrizes e políticas que direcionam as organizações e a sociedade para atuarem com governança, a partir dos processos, ações e iniciativas de forma sustentável, tendo como pilares a responsabilidade ambiental, social e corporativa.
Além da sustentabilidade tradicional nos negócios, uma tendência mais humanizada nas relações entre os stakeholders, ou seja, as partes interessadas, vem sendo observada.
A liderança regenerativa, que se baseia na Lógica da Vida, traz para os negócios e ambientes de trabalho uma forma nutritiva e saudável de se relacionar com todos nas dimensões financeira, ambiental e humana no longo prazo, sinaliza Adriana Bezerra do Carmo, fundadora e CEO Flow Desenvolvimento Integral.
“É uma abordagem que busca não apenas minimizar danos, mas também restaurar e revitalizar os sistemas sociais, econômicos e ambientais em que estamos inseridos”, detalha.
Segundo ela, esse tipo de liderança é baseado em princípios de regeneração, onde os líderes não só visam a preservação dos recursos naturais e humanos, mas também a sua melhoria contínua.
“Eles se concentram em criar condições que permitam aos ecossistemas e às comunidades prosperarem, promovendo a saúde, a diversidade e a resiliência”, informa.
Entre alguns dos princípios estão atividades que afirmam a vida e não geram toxicidade nem humana e nem ambiental; a mudança é vista de forma positiva; a interrelação e interconexão são estimuladas, derrubando a ideia de nichos e feudos tão comum e danosa para os negócios.
“Assim como as organizações são vistas como sistemas vivos, o que exige uma troca constante com o seu ambiente para manter a vitalidade; os campos sociais e inteligência social são valorizados”, complementa.
Para Adriana, agir com base na liderança regenerativa não é apenas relevante para o contexto atual, mas é absolutamente necessário tendo em vista os desafios pelos quais passamos no mundo do trabalho, na sociedade e no planeta.
Por atuar a partir de um pensamento e uma consciência sistêmica, é possível integrar as práticas de liderança regenerativa com os princípios de ESG. Entre as empresas que já estão seguindo esse propósito estão a General Mills e a Danone, que buscam promover práticas agrícolas que restauram a saúde do solo.
A Patagônia, que se destaca por suas iniciativas de sustentabilidade e regeneração, incluindo a campanha "Worn Wear", que incentiva a reutilização e reparo de roupas.
A Natura e Grupo Boticário, que focam sustentabilidade e responsabilidade social, implementando projetos de preservação da biodiversidade, uso consciente de recursos naturais e programas de inclusão social, alinhando-se aos princípios da liderança regenerativa.
“No Ceará, podemos reconhecer fortemente a Catarina Mina, que incorpora os princípios da liderança regenerativa em seu modelo de negócio, criando valor não apenas econômico, mas também social e ambiental”, ressalta.
E complementa citando a Muda meu Mundo, que busca criar um impacto positivo duradouro no meio ambiente e nas comunidades em que atua.
No ambiental, por exemplo, vai da simples mitigação dos impactos ambientais, promovendo a regeneração dos ecossistemas afetados pela empresa.
Isso inclui práticas como a restauração de habitats naturais, a agricultura regenerativa e a economia circular. No social, permite um olhar para dentro, ou seja, as pessoas nas empresas, bem como o olhar para fora, as comunidades e o entorno.
“Líderes regenerativos focam no bem-estar das comunidades locais, promovendo desenvolvimento, justiça social, equidade e qualidade de vida, além de criarem ambientes de trabalho inclusivos e saudáveis, buscando promover o desenvolvimento integral dos empregados”.
E na governança, encoraja práticas transparente e ética, que incluem a participação ativa das partes interessadas, a tomada de decisão colaborativa e a responsabilidade corporativa. “A liderança regenerativa reconhece a criação de valor a longo prazo para todos os stakeholders”, finaliza.
Adriana afirma que, a transparência e responsabilidade social a Catarina Mina se destaca pela transparência em sua cadeia produtiva e pela valorização do trabalho artesanal.
“A empresa revela o custo real de seus produtos, desde a matéria-prima até o valor pago às artesãs, promovendo uma relação justa e transparente com seus clientes e colaboradores”, conta.
A valorização do artesanato local é outro aspecto relevante, já que a marca trabalha diretamente com artesãs locais do Ceará, promovendo a economia circular e fortalecendo a comunidade.
Essa postura contribui ainda para a regeneração das tradições culturais na tipologias usadas pela empresa, como o crochê, a renda, o labirinto e a palha, além do desenvolvimento sustentável das comunidades envolvidas.
Em relação à sustentabilidade ambiental, adota práticas sustentáveis em sua produção, utilizando materiais naturais e técnicas que minimizem o impacto ambiental.
A empresa busca alternativas que respeitem o meio ambiente e promovam a regeneração dos recursos naturais.
No social, investe no crescimento pessoal das artesãs, por meio de capacitações e desenvolvimento, oferecendo treinamentos e suporte para que elas possam aprimorar suas habilidades e alcançar autonomia financeira.
“Esse investimento em educação e desenvolvimento humano é um pilar fundamental da liderança regenerativa”, aponta Adriana, que complementa com o impacto social positivo que acontece via a inclusão social e a geração de renda para mulheres de comunidades vulneráveis.
Outra empresa cearense citada pela fundadora da Flow é a Muda meu Mundo, que atua com foco na valorização da agricultura familiar, proporcionando um mercado justo para os pequenos produtores.
“Isso fortalece as economias locais, promove a equidade social e assegura que os agricultores recebam uma compensação justa pelo seu trabalho. Além disso, ela promove a agricultura regenerativa, ao trabalhar diretamente esses produtores.
Essas práticas ajudam a restaurar a saúde do solo, aumentar a biodiversidade e capturar carbono, contribuindo para a regeneração dos ecossistemas”, indica.
Adriana também ressalta que a empresa está alinhada à transparência, compartilhando informações sobre suas práticas agrícolas e seus impactos ambientais e sociais.
Também aposta na educação e capacitação dos agricultores, ensinando práticas regenerativas e técnicas com menos impactos.
“Isso não só melhora a produtividade e a qualidade dos produtos, mas também empodera os agricultores, proporcionando-lhes conhecimento e recursos para uma agricultura mais sustentável”, analisa.
E, ainda, atua no impacto social positivo, ajudando a melhorar a qualidade de vida das comunidades agrícolas, pois promove a justiça social e a inclusão, trabalhando para reduzir as desigualdades e fortalecer as comunidades rurais.
Há 96 anos, O POVO é reconhecido pela defesa de pautas que envolvam questões socioambientais no Ceará.
Nos últimos anos está intensificando a atuação na agenda ESG com a criação de coluna, publicada às segundas-feiras, e do comitê temático, que realiza tanto mobilização interna quanto externa.
Além disso, promoveu em julho de 2024, o 1º Fórum ESG O POVO com a missão de trazer para a discussão das iniciativas públicas e privadas e da academia as questões que impactam toda a sociedade. Reunindo mais de 11 palestrantes e nove cases.
No evento, anunciou a adesão ao Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU). E, ainda, publicou três cadernos com as temáticas ambiental, social e governança.
Especial com três episódios aborda como a agenda pública e a privada estão tratando a governança e as pautas socioambientais