As questões climáticas, em todo o mundo, estão no centro das discussões quando o assunto é meio ambiente e seus impactos.
Além de fatores naturais, desde a revolução industrial, no século XVIII, a queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás, vindos com a evolução da época, mostram-se, hoje, nocivos pelas emissões de gases de efeito estufa.
Com isso, retendo o calor do sol, aumentando as temperaturas e ocasionando desmatamento de terras e florestas e outros desastres ambientais.
Diante desse cenário, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem debatido uma séries de ações em todo o planeta com destaque para pauta do aquecimento global, já que cientistas e analistas de governos indicam a necessidade de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 °C.
No entanto, se nada for feito, o aquecimento global deverá atingir cerca de 3,2 °C até o final do século. Entre os grandes liberadores de gases de efeito, emissões de metano e dióxido de carbono estão os aterros para lixo, as indústrias de energia, de transporte, de edificações e a agricultura.
No Ceará, outra questão é a hídrica, segundo o biólogo e gerente de ESG da Soluções Geológicas e Ambientais (Seteg), Matheus Haddad. "O tratamento de esgoto e todos esses processos, geram muitos gases de efeito estufa", afirma.
Para ele, de forma geral, no Brasil, olhando para os desafios climáticos está a questão do território, que inclui desmatamento e queimadas, e que corresponde a 50% das emissões do Brasil. Esse desafio precisa ser combatido urgentemente e está relacionado a qualquer política que possa vir.
"Qualquer coisa que a gente fizer precisa estar associado à diminuição do desmatamento e, consequentemente, ao aumento da restauração ambiental. Hoje, na Região da Grande Fortaleza, existem algo em torno de 60 milhões de hectares que precisam ser restaurados. É muita coisa", alerta.
Já quando entram em discussão as questões industriais e humanas, o especialista diz que o grande ponto a ser resolvido é a transição ecológica, termo que vem sendo usado com mais força, inclusive, na última Conferência das Partes (COP), em Dubai, que ocorreu no fim do ano passado.
Segundo ele, não é possível conseguir, do dia para a noite, fazer essa transição. Primeiro por uma questão de recursos financeiros e a outra pela questão cultural.
"Por mais que se fale que carro elétrico é melhor do que carro a combustão, para fazer toda a troca da frota do Brasil é difícil. Temos, ainda, um problema muito sério que é: grande parte das indústrias poluidoras recebem incentivos que as indústrias não poluidoras não recebem", explica.
Assim, na regra de mercado clássica, ele diz que as pessoas acabam optando muito mais por esses produtos, que causam poluições, do que outros, que são mais caros.
"A questão financeira pega muito e quando a gente pensa, por exemplo, no Ceará, ninguém, vai escolher um arroz orgânico que custa três vezes mais do que o tradicional para comer no dia a dia. A população não tem esse poder econômico", diz.
Haddad defende ainda que cabe as empresas entenderem essa organização e começarem a fazer modificações.
"Como exemplo cito uma empresa que, por mais que internacionalmente, ela seja considerada uma grande poluidora, no Ceará não, que é o caso da Solar Coca-Cola. Ela mudou a cor da garrafa para conseguir um valor melhor, no caso da marca Sprite, e hoje consegue fazer a reciclagem maior do que ela produz no Estado", destaca.
Iniciativas como essas, ele julga desafiadoras porque a empresa precisa incorporar dentro do processo como um todo essa vertente de mudança.
"Realmente acredito que a mudança tem que ser pessoal, óbvio, mas ela precisa começar sendo impulsionada pelas empresas. O ESG e a sustentabilidade não podem estar associados a apenas um setor dentro da empresa, a empresa como um todo precisa pensar nisso", diz Haddad.
Em relação à economia circular, ele avalia ser uma boa solução, já que ela é uma realidade econômica de sobrevivência de muitas empresas hoje em dia.
"Elas precisam entender que se elas não se adaptarem a uma economia circular porque querem, porque entendem a importância disso, elas precisam fazer isso por sobrevivência. Os recursos naturais vão ficar cada vez mais caros e pela lei de mercado elas são obrigadas a acharem outras soluções", detalha.
Dados preliminares de uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que, embora o termo economia circular ainda não seja familiar para 35% das empresas, algumas de suas práticas já são amplamente adotadas: 95% buscam otimizar os processos de produção, como reutilizar materiais na produção (59%); já 53% buscam melhorar a eficiência visando ganhos ambientais.
O estudo, feito com o apoio do Centro de Pesquisa e Inovação em Economia Circular da Universidade de São Paulo (USP), tem o objetivo de mapear as práticas de economia circular na indústria brasileira e identificar desafios para a sua implementação.
Até o momento, foram ouvidas 139 empresas de pequeno, médio e grande porte, dos segmentos de transformação e construção, com índice de confiabilidade de 90% e margem de erro de 3,5% para mais ou para menos. A meta é ouvir 300 empresas.
Outra pesquisa realizada pela entidade nacional, no fim de 2023, revelou que nove em cada dez industriais brasileiras (89%) adotam medidas para reduzir a geração de resíduos sólidos. Já 86% têm ações para otimizar o consumo de energia, enquanto 83% implementam medidas para otimizar o uso de água.
Segundo o presidente da CNI, Ricardo Alban, a indústria brasileira já é parte da solução quando o assunto é sustentabilidade e adaptação às mudanças climáticas.
"A nossa indústria, principalmente aquela intensiva em uso de energia, como a do cimento, já fez esse dever de casa e temos muito para compartilhar com o mundo. As emissões de gases de efeito estufa dos fabricantes de cimento instalados no país são 10% menores do que a média mundial. No setor do alumínio, cerca de 60% de todo material consumido no país é reciclado”, diz Alban.
O estudo ainda mostrou que entre as ações prioritárias para que a indústria contribua com a descarbonização do país, estão: a modernização de máquinas (27%), o uso de fontes de energias renováveis (23%) e investimento em tecnologias de baixo carbono (19%).
Quando o assunto é incremento das ações sustentáveis, nos próximos dois anos, o foco de investimento industrial será no uso de fontes renováveis de energia, apontado por 42% dos entrevistados, seguido por modernização de máquinas, 36%, e medidas para otimizar o consumo de energia, com 32%.
A história de Sebastião dos Santos poderia virar filme. E, na verdade, virou. Mais conhecido como Tião, o ex-catador de lixo, de 45 anos, tem como cenário de boa parte da sua história o lixão Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro.
Com uma trajetória de vida que passou por uma reviravolta após entender que o seu trabalho e o de sua família estava diretamente ligado à questões sociais, econômicas e ambientais, Tião passou a investir em educação, a militar e a buscar visibilidade e representatividade da sua classe em uma época onde os termos “catadores” não tinham relação direta com “sustentabilidade”.
Em 2011, Tião ganhou visibilidade mundial com a estreia de Lixo Extraordinário, documentário que apresenta o trabalho do artista plástico Vik Muniz com catadores do então maior aterro sanitário da América Latina. De catador, Tião passou a líder de cooperativas, palestrante, consultor e defensor dos direitos de catadores e catadoras do Brasil.
No dia 10 de julho deste ano, participou da cerimônia de assinatura de regulamentação da Lei de Incentivo à Reciclagem (LIR), ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto.
Os investimentos, as políticas públicas e os projetos são vistos como uma valorização de catadores e catadoras de materiais recicláveis.
O POVO - Como começou a sua história, a sua relação com o lixo e a reciclagem?
Tião Santos - Eu sou o sétimo filho de uma família de oito. A reciclagem na minha vida é muito parecida com a da maioria dos catadores de materiais recicláveis, até porque a reciclagem, no Brasil, ela não nasce da educação ambiental do cidadão brasileiro, da conscientização. Ela nasce da pobreza e da exclusão social.
Meu pai é estivador. Ele veio do Recife para trabalhar no Rio de Janeiro, trabalhou durante muitos anos, teve uma boa vida, deu uma condição boa para a gente até mais ou menos 1984, 1985.
Quando o cais do Rio de Janeiro e de todo o Brasil passa a transportar tudo em container. Então meu pai não ficou desempregado, mas não tinha mais tanto navio para carregar e descarregar.
Aí ele se tornou alcoólatra e minha mãe passou a ser o pai e a mãe da família. 73% dos catadores brasileiros são mulheres negras. Então minha mãe era mais uma. Mulher negra, com a quarta série do colegial, no Rio de Janeiro. Então ela foi fazer faxina. Aí não dava para sustentar oito filhos.
OP - Hoje, quais são as suas atribuições?
Tião - Hoje eu estou presidente da Associação de Catadores do Aterro de Jardim Gramacho. Eu também fui eleito no ano passado representante do Instituto Mesc, que é o Instituto Movimento Eu Sou Catador.
A gente agora está com um projeto chamado Eu Sou Cata que Protege, tem também o Eu Sou Cata que Empreende, que é voltado para capacitação e profissionalização dos catadores para prestação de serviços.
Já que agora a reciclagem não tem mais aquela visão do lixo, cada vez mais a reciclagem tem a sua importância e o seu papel na diminuição do resíduo produzido, não só no Brasil, mas no mundo.
Então hoje eu estou militando nesse movimento, discutindo com o Governo Federal as políticas públicas que possam melhorar a qualidade de vida dos catadores, principalmente o reconhecimento pelo serviço ambiental prestado por nós, catadores e catadoras de materiais recicláveis. O que a gente presta é serviço de coleta seletiva de embalagem pós-consumo.
Cada embalagem tem um dono, ela tem CNPJ, ela tem alguém que produziu, alguém que utiliza a embalagem. Segundo a lei, que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos, cabe às empresas que produzem e utilizam embalagens, pagar para, no mínimo, fazer voltar à cadeia produtiva da reciclagem, dentro da economia circular, 22% daquilo que ela coloca de embalagem no Brasil.
Então a gente agora vem discutindo o que o catador faz, que é extensão de serviços dessas empresas e que, assim como hoje já começa a reconhecer a importância de se regulamentar e regularizar os direitos dos prestadores de serviços de aplicativo, precisa também reconhecer esse serviço ambiental prestado por nós, catadores.
Para que esses catadores possam receber pelo serviço ambiental prestado. É isso. Eu continuo trabalhando e acredito que essa é a minha missão aqui.
OP - Como você vê o impacto que o trabalho de reciclagem tem na vida das pessoas, na vida das cidades e no meio ambiente?
Tião - A gente é uma sociedade que consome e produz muito, não existe outro mecanismo para diminuição do quantitativo de resíduo produzido que não seja a reciclagem. A reciclagem tem uma importância ambiental muito grande quando se trata de sustentabilidade, dos 17 objetivos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Uma vez eu parei para observar os 17 objetivos da ONU e as pessoas pensam “poxa, será que para alcançar os 17 objetivos eu tenho que fazer, literalmente, aquelas 17 coisas?”
Mas olha a importância que tem a reciclagem: quando você recicla, você está erradicando a pobreza, cuidando da vida terrestre, da vida marinha, gerando trabalho digno, fazendo a cidade ser mais sustentável, está contribuindo para as mudanças climáticas, até mesmo a questão de gênero, já que a grande maioria dos catadores são mulheres.
A reciclagem tem um papel importantíssimo na nossa sociedade, mas para isso é preciso educar, sensibilizar o cidadão brasileiro sobre a importância da reciclagem, mas, acima de tudo, sobre a valorização e reconhecimento do profissional que faz a reciclagem no Brasil, que são os catadores e catadoras de materiais recicláveis.
A gente sabe que o mundo produz mais de 400 bilhões de toneladas de resíduo, isso gera um quantitativo de CO2 e um consumo de energia muito grande.
E tudo isso a reciclagem pode diminuir: o quantitativo de recursos que a gente precisa retirar da natureza, o consumo de energia. Quando você recicla um vidro, você gasta muito menos energia do que a utilizada para produzir um vidro novo.
A reciclagem gera trabalho, gera renda, ou seja, a sua latinha, a sua caixa de papelão, a sua garrafa PET, ela pode gerar impacto ambiental, social e econômico negativo na sociedade, mas quando ela tem como destino a reciclagem, ela é transformada em trabalho, renda inclusão social, economia e proteção ambiental. (Colaborou Larissa Viegas)
No Brasil, aproximadamente 2.500 municípios ainda encaminham tudo o que é gerado no território para lixões e aterros, sejam resíduos secos ou orgânicos.
Segundo Fabrício Soler, professor e advogado especialista em direito dos resíduos, esta é a fotografia nacional sobre a gestão e o gerenciamento de resíduos e deve ser o ponto de partida quando o assunto é reciclagem.
“Aproximadamente 45%, 50% do resíduo sólido urbano é orgânico. Então, se nós temos uma ordem de prioridade na gestão de resíduos, certamente temos que olhar para ele”, frisa.
Para melhorar este cenário, Fabrício sugere algumas soluções e estímulos, como o tratamento fiscal concedido pelo governo, a exemplo de isenção de impostos, estimulando o uso de matérias-primas secundárias.
Segundo o professor, o caminho é aprimorar os índices de reciclagem de todos os materiais, “não só deste ou daquele”.
Outro exemplo citado é um decreto federal que aborda e regulamenta a logística reversa de embalagens plásticas, tendo como exemplo a já existente para vidros, sendo também indicada para materiais como papel e metal.
“Essa é uma tendência, regular o sistema de logística reversa pelo tipo de material. E aí você passa a ter metas de reciclagem. A previsão é de 30%, algo substancial. Significa que 30% do que você coloca no mercado, você tem que encaminhar para destinação final ambientalmente adequada. Assim, novos produtos, novas embalagens colocadas no mercado deverão também ter conteúdo reciclado.”
Hoje, dependendo da base de dados, os índices de reciclagem no Brasil vão de 4 a 6% de tudo que é produzido. Para tanto, o jurista explica que é necessário ainda mais incentivo, para além da regulação, estimulando também o uso do reciclado.
E completa: “E um olhar para priorizar o que é dramático, que é o lixão. Segundo: quando a gente focar em uma gestão ambientalmente adequada no Brasil, olhar a inclusão dos catadores e catadoras de materiais recicláveis, também é fundamental dentro desse processo. Buscando uma transição justa e inclusiva. Eles são extremamente importantes dentro dessa cadeia da gestão de resíduos e devem ser valorizados e priorizados.”
“O ponto de partida é acabar com o lixão. E aí nós vamos para a reciclagem, com o saneamento de fato, entre tantas outras medidas, para um País melhor”, conclui. (Larissa Viegas)
Há 96 anos, O POVO é reconhecido pela defesa de pautas que envolvam questões socioambientais no Ceará.
Nos últimos anos está intensificando a atuação na agenda ESG com a criação de coluna, publicada às segundas-feiras, e do comitê temático, que realiza tanto mobilização interna quanto externa.
Além disso, promoveu em julho de 2024, o 1º Fórum ESG O POVO com a missão de trazer para a discussão das iniciativas públicas e privadas e da academia as questões que impactam toda a sociedade. Reunindo mais de 11 palestrantes e nove cases.
No evento, anunciou a adesão ao Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU). E, ainda, publicou três cadernos com as temáticas ambiental, social e governança. Para ter acesso ao conteúdo, clique aqui.
Especial com três episódios aborda como a agenda pública e a privada estão tratando a governança e as pautas socioambientais