O cenário das corporações não é mais o mesmo da sua origem, quando o lucro era o único objetivo dos negócios. Hoje, a forma como as questões sociais são trabalhadas pelas empresas impactam no dia a dia dos trabalhadores.
E são as políticas que irão documentar as estratégias que a organização pretende desenvolver, deixando transparente para o público interno e externo as diretrizes de como a organização pretende agir em situações específicas, aponta Claudia Leite, especialista em estratégia, comunicação e sustentabilidade.
Para ela, as políticas internas de investimento social ou filantropia trazem um forte senso de dever cívico, fazendo com que aumente a consciência e a responsabilidade de cuidar da sociedade e do meio ambiente, não apenas pelo dever moral de fazer o bem para o próximo.
"À medida em que a empresa utiliza os recursos naturais e possui colaboradores ou prestadores de serviço e mão de obra existentes na sociedade para produzir seus produtos e serviços, ela passa a ter uma responsabilidade para com o seu entorno", afirma Cláudia.
Ela complementa que, nesse sentido, o potencial para encontrar soluções a partir de pequenos negócios é enorme, seja em produtos e serviços que minimizem os impactos de sua atividade como programas de manejo de resíduos, produção sustentável e preservação do meio ambiente, destino correto de resíduos, estudos para economia circular, capacitação para mão de obra qualificada, entre outros.
Bia Fiúza, especialista em impacto e filantropia, avalia que esse ponto é muito interessante, pois para além de ter os negócios de impacto como aliados na cadeia de suprimentos das empresas, também é possível apoiar todo o ecossistema por meio do investimento social privado.
"O empreendedorismo é uma ferramenta poderosa de luta contra a desigualdade social, oferecendo oportunidades para uma parcela importante da população. Investir em programas de ideação, aceleração e escala de negócios pode ser vantajoso para todo mundo", analisa.
Para ela, isso pode ser feito olhando para os territórios de interesse das empresas, periféricos ou não. E pode ser feito para impulsionar o posicionamento da empresa em uma determinada causa.
"Usar parte do recurso de ação social para impulsionar o ecossistema de empreendedorismo de impacto pode ser uma bela forma de gerar soluções sustentáveis para problemas desafiadores da sociedade e do planeta", defende Bia.
Para a especialista, há uma crescente na preocupação das empresas em qualificar seus processos internos com os colaboradores e seus projetos junto às comunidades e clientes. Mas ainda há muito o que avançar, para que todos consigam ver o valor de uma boa estratégia social para os negócios.
Já Claudia vê que o modelo da sustentabilidade que aborda aspectos sociais com colaboradores e sociedade demonstra uma nova forma de fazer negócios, que tem como pressuposto o novo papel da empresa na sociedade a partir das pessoas que impactam ou são impactadas por suas ações, gerando oportunidades ou mesmo aumentando o risco para gerar negócios.
"Isso está associado à qualidade das relações entre pessoas e sociedade, sendo a confiança um fator essencial. Traz a perspectiva de longo prazo, a inclusão sistemática da visão e das demandas das partes interessadas, e a transição para um modelo em que os princípios, a ética e a transparência precedem a implementação de processos, produtos e serviços", revela Claudia.
Em sua visão, quando se fala de uma abordagem por critérios do ESG, o S de social é, sem dúvida, a mais desafiadora a ser tratada.
"A pandemia escancarou o cuidado com as pessoas, fossem as de dentro das organizações, ou do entorno, da comunidade e sociedade em geral. Questões ambientais são vistas como riscos mais palpáveis para os negócios do que as questões sociais, por serem mais fáceis de serem quantificadas quanto à redução de riscos ou mesmo aumento de eficiência", avalia Claudia.
O voluntariado corporativo é visto, muitas vezes, pelas pessoas e pelas empresas apenas como uma ação pontual em uma data comemorativa e sem ligação com a estratégia de negócios.
Porém, existem vários tipos de voluntariado, que vão desde as ações "mão na massa", onde um voluntário ajuda a pintar um muro ou plantar árvores, até formatos onde o voluntário apoia uma ONG em um desafio de gestão ou oferece formações para um determinado público, como jovens, informa Rodrigo Cavalcante, CEO da Phomenta.
"O voluntariado onde os colaboradores apoiam uma ONG em gestão tem se mostrado uma ferramenta estratégica, pois permite desenvolver habilidades dos funcionários, como empatia, liderança e trabalho em grupo, aumentar o senso de propósito ao ajudar uma causa e consequentemente seu engajamento. Também é uma ação que aproxima empresas e comunidades. Tudo isso, está diretamente conectado com o pilar Social do ESG", diz Cavalcante.
A última pesquisa “Voluntariado no Brasil”, de 2021, mostrou que 34% dos brasileiros são voluntários ativos e quando o assunto são capitais, Fortaleza se destacou como a que possui a maior média de horas dedicadas mensalmente, 30 horas. A média geral nas demais capitais foi de 18 horas.
Cavalcante diz que o voluntariado pro bono, que é quando um profissional ou empresa destina horas de trabalho dentro da área em que é remunerado para apoiar uma ONG, é uma prática muito difundida em algumas áreas, como jurídica e de marketing, e ainda muito concentrada no Sudeste.
"Porém, há um grande potencial de difusão e crescimento dessa modalidade de voluntariado no Ceará e em outras partes do País, beneficiando ONGs e a sociedade", diz.
O voluntariado pro bono começa com a identificação da causa e das regiões em que a empresa deseja atuar e gerar transformação. A partir daí, a Phomenta mapea e seleciona organizações alinhadas com o propósito e define o desafio que os voluntários irão apoiar.
O CEO da Phomenta lista as vantagens para os colaboradores, a exemplo de um maior propósito com o trabalho, aumento do engajamento e desenvolvimento de habilidades que são muito demandas pelas empresas, porém, dificilmente são alcançadas por meio de palestras e formações teóricas.
Já para as empresas estão pontos como atração e fidelização de consumidores, além da retenção de talentos.
Um ambiente diversificado e inclusivo garante que as pessoas queiram trabalhar em um local onde as pessoas se sintam valorizadas e parte do todo.
Não há dúvidas de que a tecnologia tem o poder de transformar a sociedade, acredita Éder Soares, gerente de projetos de inovação e líder do Lead - Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação de Fortaleza da Dell.
Desde 2011, o centro de pesquisa, desenvolvimento e inovação da Dell possui um olhar para as inovações tecnológicas e busca apoiar a transformação do mercado e da sociedade.
"Para proporcionar oportunidades a todos, focamos em uma cultura da diversidade e da inclusão. A Dell Technologies está bem posicionada não somente para desbloquear todo o potencial dos dados, mas também das pessoas”, explica Soares.
Na lista de projetos, destacam-se a Lisa, um avatar humanóide que auxilia na integração de pessoas surdas na companhia; já o WAL - Website Accessibility Layer - é uma extensão de navegador que adapta as páginas da web em tempo real, inserindo recursos de acessibilidade e, assim, melhorando a usabilidade para pessoas com baixa visão, daltônicas, cegas e pessoas com dislexia.
Outro recurso é o Steve que é um exoesqueleto desenvolvido para acessibilizar postos da linha de montagem da fábrica que exigem que os profissionais fiquem na posição em pé. Exerce a função de uma cadeira de elevação motorizada que levanta e sustenta a pessoa de maneira segura e confortável.
No segmento da educação, Soares também destaca a plataforma EAD acessível chamada de Dell Accessible Learning (DAL), que conta portfólio de cursos na área da tecnologia e gestão. Segundo ele, mais de 70 mil pessoas já foram capacitadas e formadas em todo o Brasil, entre pessoas com e sem deficiência, além daquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade social.
A plataforma conta com a figura de um tutor inteligente que, através de IA, realiza o monitoramento e interage por meio de um chatbot com alunos, tutores e o time pedagógico.
“Nossa expectativa é desenvolver cada vez mais projetos e evoluir em outras iniciativas que já temos em andamento. O objetivo é aumentar o impacto positivo da tecnologia na sociedade e contribuir para desbloquear todo o potencial humano”, completa o gerente de projetos. (Larissa Viegas)
Muitas empresas que estão tendo contato com ESG pela primeira vez têm dúvidas de como, na prática, podem impactar no social. Assim, para atender esse nicho de mercado, nasceu a Bem Impacto Social que estudar territórios, onde as empresas estão inseridas, para mapear os problemas socioambientais.
Só a partir dessa contextualização são definidas as políticas ESG que serão adotadas e o orçamento que será destinado a elas. Outro ponto da Bem é ser a ponte entre as políticas públicas, as organizações do terceiro setor e as empresas para promover a chamada inovação social.
Dentre os cases da Bem Inovação Social está o Bazar e Brechó Segundo Ato, da Escola de Desenvolvimento e Integração Social para Criança e Adolescente, a Edisca.
“A ideia é ter um negócio social dentro da organização, para não depender só de doação e de edital, tendo outra fonte de recursos. E aí a gente entra no campo das finanças sociais”, explica Michelle Ribeiro, cofundadora da Bem Inovação Social.
O novo projeto, lançado no dia 10 de julho deste ano, é um dos frutos da comemoração de três décadas de atuação da Edisca. O marco proporcionou um olhar para dentro da instituição. Entre os desafios estava a criação, de forma profissional, de um negócio social para a Edisca que tivesse impacto.
A parceria começou por meio da Somos Um, que garantiu o aporte, investindo no novo negócio. E a Bem Inovação Social deu continuidade por meio da consultoria. A solução partiu da vocação existente da Edisca, que há mais de 10 anos já realiza bazares e brechós pontuais, atrelado ao movimento de mercado atual, o de peças de segunda mão.
“Gosto muito desse conceito de reaproveitamento, de moda circular, dessa coisa ligada à sustentabilidade. Eu acho que a questão do meio ambiente não é um detalhe e também sempre achei que qualquer pessoa, qualquer pequena organização, mesmo não tendo na sua missão trabalhar com o meio ambiente, pode ter iniciativas que gerem impacto positivo”, explica Dora Andrade, idealizadora e fundadora da Edisca.
No Bazar e Brechó Segundo Ato é possível encontrar peças novas e usadas de marcas conhecidas a preços acessíveis.
“É um negócio que todo mundo ganha muito. O meio ambiente ganha e agradece; a equipe ganha e agradece. A compra é algo que depende unicamente da gente, então a pessoa tem a possibilidade de optar por um consumo mais justo, mais consciente, e completamente engajado com causas sociais e ambientais", pontua Dora.
O primeiro balanço mensal já fez com que a equipe da Edisca “pulasse” de alegria com o resultado. Em 30 dias, o novo negócio faturou o mesmo valor que as ações pontuais acumulavam em um ano de atividades.
“Fazendo uma comparação com o que estávamos trabalhando e o que a gente conseguiu realizar já no primeiro mês, mostra que de fato, você profissionalizar, trazer atores que tenham competência, domínio desses processos faz uma tremenda diferença. Estou extremamente otimista”, comemora Dora. (Larissa Viegas)
No Grupo Qair, é o Instituto Qair que desenvolve as iniciativas sociais da empresa. Desde sua criação, há menos dois anos, mais de seis mil pessoas foram beneficiadas diretamente e 21 mil indiretamente.
Nathanee Batista, supervisora de projetos sociais do Instituto Qair, informa que com o surgimento do Instituto novos valores foram adotados dentro da empresa, com foco no cuidado com as pessoas e o meio ambiente.
Atualmente, o impacto está focado em comunidades em Fortaleza e São Paulo; nos colaboradores, familiares e parceiros; e nas comunidades da área de impacto direto, chamadas AIDs, onde estão localizados os parques. E os projetos são divididos em saúde, bem-estar, infraestrutura, educação e desenvolvimento humano.
“Cada ação que a gente realiza tem o objetivo de impactar vidas, criar oportunidades e promover o bem-estar de todos os envolvidos. Investir nas pessoas e no meio ambiente faz com que nós estejamos construindo um futuro melhor e mais sustentável”, explica Nathanee.
Entre os parceiros da empresa estão Caviver, Hospital Sopai, Lar Amigos de Jesus, HUB Cumbuco, Catarina Mina, Sebrae Ceará, Olê Rendeiras, Caldeirão de Bibliotecas, Adesul, Escola Social de Kite Surfe Carlos Mário Bebê, Grupo Avia de Teatro e Associação Trairiense de União Pela Arte.
A partir das doações da Qair, o Caviver realizou, em 2023, 134 procedimentos em centro cirúrgico. Até julho deste ano, foram realizados 86 procedimentos. Já o programa de prevenção à cegueira infantil atendeu 149 crianças e prescreveu 35 óculos em 2023.
No primeiro semestre de 2024, 63 crianças foram atendidas e 32 óculos foram prescritos. A meta até o final do ano é realizar mais 100 atendimentos infantis.
Já na Vulcabras, o destaque são os projetos voltados para a cultura, o esporte e o desenvolvimento infantil. Instalada no município de Horizonte, a 43 quilômetros de Fortaleza, a fábrica é um dos maiores polos de produção de calçados do Brasil, sendo responsável pelas marcas Mizuno, Olympikus e Under Armour.
Atualmente, a empresa apoia 13 projetos que receberam aportes via Lei de Incentivo Fiscal, com o objetivo de impactar mais de 1.700 pessoas das regiões em que a Vulcabras atua, ao longo de 2024. A relação com as instituições começaram em 2022,
“Para seleção dos projetos incentivados, a Vulcabras tem como premissa programas que tenham impacto positivo na vida da população e nas comunidades, promovendo não apenas o desenvolvimento socioeconômico, mas também uma mudança positiva nas atitudes e comportamentos da sociedade”, explica Thaiany Assad, diretora de comunicação corporativa e ESG da Vulcabras.
Dentre os projetos apoiados está a Escolinha de Triathlon de Horizonte. Em 2023, foram atendidas cerca de 50 crianças e adolescentes, entre 8 e 16 anos, estudantes de escolas públicas. No contraturno das atividades escolares, eles aprendem as modalidades de nadar, pedalar e correr, com a supervisão de uma equipe qualificada e especializada em desenvolvimento infantil.
Além de estimular a prática esportiva, o projeto ainda visa revelar talentos e transmitir valores educacionais essenciais, como formação de cidadania e integração social, disciplina, determinação, responsabilidade, respeito e trabalho em equipe. Desde 2022, cerca de 150 crianças e adolescentes já participaram do projeto.
Ainda em 2024, será inaugurada a Escolinha de Triathlon do Pecém, também apoiada pela Vulcabras.
(Larissa Viegas)
Há 96 anos, O POVO é reconhecido pela defesa de pautas que envolvam questões socioambientais no Ceará.
Nos últimos anos está intensificando a atuação na agenda ESG com a criação de coluna, publicada às segundas-feiras, e do comitê temático, que realiza tanto mobilização interna quanto externa.
Além disso, promoveu em julho de 2024, o 1º Fórum ESG O POVO com a missão de trazer para a discussão das iniciativas públicas e privadas e da academia as questões que impactam toda a sociedade. Reunindo mais de 11 palestrantes e nove cases.
No evento, anunciou a adesão ao Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU). E, ainda, publicou três cadernos com as temáticas ambiental, social e governança. Para ter acesso ao conteúdo, clique aqui.
Especial com quatro episódios aborda como a agenda pública e a privada estão tratando a governança e as pautas socioambientais