Imersa em um universo conectado, tendo à disposição as mais diversas ferramentas de comunicação e com uma crescente preocupação com questões sociais e ambientais, uma geração ganhou destaque por sua autenticidade.
Em todas as esferas da vida, ela causa impactos e influências, dando luz a novos propósitos e moldando o mundo a partir de suas preferências. Essa é a Geração Z, marcada por uma mentalidade dinâmica e uma inclinação para compartilhar em rede tudo aquilo que surge diante dos seus olhos.
Nascida em meio a uma era de rápida evolução tecnológica em que o acesso às informações se tornou quase instantâneo, a Geração Z é conhecida por ser aquela que veio ao mundo durante uma verdadeira ebulição digital, acompanhada de uma massiva popularização da internet – sua fiel e inseparável aliada. Ditando tendências, ela tem sido responsável por provocar mudanças em empresas e no mercado, os quais agora passam a ser ocupados justamente por esses jovens.
Especialistas de diferentes áreas ouvidos pelo O POVO+ apontam para características específicas que distinguem essa de qualquer outra geração que a antecedeu, como fluência digital, alta capacidade de adaptação, maior organização financeira e grandes expectativas por mudanças rápidas e imediatas.
Por outro lado, também mencionam desafios singulares a serem enfrentados, a exemplo da escassez de recursos econômicos e naturais, bem como pressão social e ansiedade em relação ao futuro repleto de incertezas.
Para entender o que é a Geração Z e como ela se relaciona com o mundo a sua volta, é preciso voltar no tempo para saber quem veio antes dela e com quais características. Diferentes teóricos já se debruçaram sobre essa temática, com destaque para o americano Stephen Paul Robbins, que ganhou bastante autoridade e relevância nesse assunto principalmente a partir do sucesso do livro “Comportamento organizacional” (Editora Pearson, 2005).
Professor emérito de Gestão na Universidade de San Diego, Califórnia, Robbins identifica uma série de elementos que definem a pertença a uma determinada geração. Ele argumenta que as gerações são formadas com base em experiências compartilhadas, as quais moldam o comportamento dos indivíduos de acordo com o período em que foram criados, refletindo em suas crenças, valores e atitudes, que variam de pessoa para pessoa.
Diante disso, o infográfico abaixo busca mostrar cada uma das gerações desde 1945 em um contexto de pós-Segunda Guerra Mundial até a chegada e consolidação das redes sociais. Para ver os detalhes de cada uma das gerações apresentadas, basta clicar nos cards e ver as informações correspondentes.
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Mesmo tendo nascido em um contexto de efervescência tecnológica, a Geração Z ainda chegou a experimentar recursos analógicos no início de sua vida. CDs, DVDs e telefones fixos não são totalmente estranhos aos ouvidos de muitos desses jovens. Mas a verdade é que foi com os smartphones nas mãos e com conexões cada vez mais velozes e constantes que eles se sobressaíram.
Professor do Departamento de Administração da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cláudio Bezerra Leopoldino afirma que as ferramentas digitais de comunicação passaram a influenciar tanto nas relações pessoais quanto nas relações profissionais deste grupo.
“As pessoas arranjam os relacionamentos amorosos pela rede, assim como os relacionamentos profissionais também passam a ser mediados pela internet. Então o acesso a essa rede passa a ser praticamente obrigatório”, identifica.
Ao mesmo tempo, o docente comenta que essa turma herdou um mundo em transformação, onde a ecologia e a sustentabilidade ganham relevância ao passo que desafios econômicos e demográficos começam a embaraçar seus horizontes.
“Alguns países grandes, como China e Rússia, já estão em queda de população. E o Brasil está se aproximando desse patamar. Somado a isso, a ausência de recursos naturais faz com que as pessoas se organizem para consumir menos e assim acabam tendo menos filhos”, narra.
Como consequência, impactos nos sistemas previdenciários desses países começam a ser sentidos. “E a ‘pobre’ da Geração Z, que não é culpada de nenhum desses problemas, vai ter que arcar com todas as soluções.
Então a Geração Z é frequentemente associada à geração que vai ter que trabalhar mais tempo para realizar os mesmos sonhos das gerações anteriores ou, pelo menos, a que vai ter mais dificuldades”, constata o professor.
Em diferentes países do mundo é possível notar que o custo de vida, sobretudo em grandes áreas urbanas, disparou frente à renda dos trabalhadores médios, conforme relatou a Bloomberg já em 2019.
De lá para cá, com a pandemia de Covid-19 aprofundando uma grave crise econômica, a ideia de ter uma casa decente e um carro popular passou a mostrar que este é um privilégio daqueles que têm muito dinheiro – sem contar que no Brasil o preço dos aluguéis registram aumentos há seis anos consecutivos, como mostra o Índice FipeZAP.
“Se a geração anterior tinha o sonho da casa própria, a Geração Z talvez vai ter o sonho do apartamento próprio, que vai ser metade do tamanho da casa da geração anterior”, retoma Cláudio Bezerra Leopoldino, ponderando que assim como existem “dificuldades” e “dores” vivenciadas por essa geração, ela também é detentora de muitas oportunidades.
“Hoje existe uma grande oferta de possibilidades de atuação profissional e de formação que podem ser exploradas. É um mundo cheio de possibilidades, mas que tem suas armadilhas pois as plataformas (digitais) também têm os seus prediletos e não tratam a todos igualmente.”
Também conhecida como uma geração extremamente voltada às telas, a Geração Z utiliza bastante as tecnologias de comunicação em seu benefício. Não apenas para compartilhar comentários, memes e selfies, esses jovens pensam o ambiente virtual como local para colaborar com outros usuários dicas e opiniões sobre os mais diversos produtos, ajudando assim a evitar desgastes e frustrações ao passo que economizam tempo e dinheiro – este já bem escasso.
Se antes as pessoas precisavam sair de suas casas para visitar as lojas, pesquisando e comparando preços, quando queriam comprar uma geladeira, por exemplo, essa tarefa passou a ser realizada de maneira online entre os jovens.
Nas mãos da Geração Z, plataformas virtuais de compra passaram a ganhar uma relevância jamais antes vista, principalmente graças à sua praticidade e confiança. Em poucos cliques é possível acessar estabelecimentos, ler opiniões sobre determinados produtos e assim fazer a melhor compra possível.
“Como essa é uma geração emergente, que muitas vezes não tem emprego consolidado e salário alto, ter tudo na mão sem precisar se locomover, nem gastar com transporte e ainda encontrar o produto mais barato, acaba sendo determinante na hora de fazer uma compra”, analisa o administrador Jeferson Almeida.
Leia estudo completo: Fatores determinantes de compra online: Como influenciam a Geração Z de Fortaleza?
Mestre em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará (UFC), ele é da Geração Y e dedica seus estudos aos fatores decisivos para uma compra online pela Geração Z.
Com foco em Fortaleza, identifica ainda que até mesmo a ausência de vendedores “no pé” favorece a uma venda bem sucedida. “O fato de estar em um ambiente sem interrupções, sem pressão e sem ser incomodado já é um elemento super interessante para os jovens", continua.
Mas obviamente que não basta apenas ter um site no ar ou um perfil em uma rede social que toda e qualquer loja terá garantia de lucro. Segundo Jeferson, as empresas precisam estar atentas à experiência de compra como um todo, tendo que oferecer aos seus clientes diferentes ferramentas ao longo do processo de venda e pós-venda.
Responder às insatisfações e reclamações compartilhadas nas próprias plataformas ou em espaços como "Reclame Aqui" e "Consumidor.gov.br", por exemplo, são indicativos de que a marca pode ganhar credibilidade e confiança dos mais jovens.
Em caso de omissões, por outro lado, o efeito pode ser devastador para a imagem da marca, uma vez que a Geração Z não “perdoa” empresas que ignoram suas demandas ou que demonstram descaso com seus clientes. Uma simples reclamação não respondida pode se transformar em um viral negativo nas redes sociais, prejudicando significativamente a reputação da empresa.
“As plataformas de reclamação mostram não somente a quantidade de demandas, mas também o nível de recepção e retorno. Se uma empresa pretende trabalhar com a Geração Z precisa estar nesses espaços de fato atuando, respondendo e resolvendo os questionamentos. Se tem um cliente que está olhando um produto e vê que a nota daquela loja é baixa, o nível de confiabilidade cai bastante”, informa Jeferson.
Reclame Aqui é um site brasileiro de reclamações contra empresas sobre atendimento, compra, venda, produtos e serviços.
O Consumidor.gov.br é um serviço público e gratuito que permite a comunicação direta entre consumidores e empresas para a solução de problemas de consumo.
Ele avança: “Para gerações anteriores, o fator ‘promoção’ era determinante para fazer uma compra, mas para a Geração Z isso não é tão importante assim. Ter uma loja virtual navegável, atrativa, boas avaliações, com todas as informações de maneira rápida, com imagens bacanas e em alta resolução são aspectos mais decisivos para a Geração Z.”
Gerente de compras de uma multinacional, Jeferson aponta ainda que tudo isso acontece por razões bem objetivas: a necessidade dos jovens em economizar. “Quase 60% dos jovens planejam suas compras, e quanto maior o valor da compra, maior o planejamento.
A margem de erro para eles é menor, pois precisam comprar algo que dê certo. São pessoas que estão entrando em uma classe economicamente ativa agora, então existe um certo receio do endividamento. Esse receio acaba se transformando em mais planejamento e mais pesquisas”, atesta.
Além de características próprias em relação ao seu consumo, a Geração Z está ingressando no mercado de trabalho com aspectos, expectativas e exigências únicas que clamam atenção tanto de empresas quanto de instituições de ensino. Profissionais que atuam na formação e no recrutamento desse público mencionam algumas das particularidades desses jovens, marcadamente tecnológicos e cheios de propósitos e quereres.
Supervisora pedagógica do Programa de Aprendizagem Comercial do Senac e pertencente da Geração X, Dane Gomes comenta que a Geração Z busca valorizar a diversidade e a inclusão, sem deixar de lado a busca por uma vida em harmonia.
"Eles costumam valorizar um equilíbrio saudável entre a vida pessoal e profissional, buscam oportunidades de desenvolvimento e crescimento rápido na carreira, além de desejarem trabalhar em ambientes colaborativos e flexíveis”, apresenta.
Segundo ela, por estarem envoltos ao dinamismo das tecnologias digitais, essas pessoas carregam consigo uma inconformidade em relação a realização de tarefas repetitivas ou que não ofereçam oportunidades de aprendizado e ascensão.
“É observado que esses jovens optam por ares de responsabilidade social e sustentável, além do empreendedorismo social. É uma característica dessa geração buscar oportunidades de contribuir para um mundo melhor”, identifica.
Outra característica da Geração Z, conforme menciona Dane, é lidar prontamente com as atualizações que surgem a cada instante no ambiente tecnológico. "Eles demonstram disposição para aprender, se adaptar a novas tecnologias e processos, além de contribuir com ideias inovadoras", afirma.
Quem também contribui com o desenho desse panorama é Valéria Mota, gerente executiva de seleção da empresa de gestão de pessoas MRH Gestão. Membro da Geração X, ela conta que, por serem nativos digitais, os jovens da Geração Z teriam um grande leque de oportunidades de atuação no mercado de trabalho, sobretudo em áreas voltadas para as tecnologias.
Por outro lado, nem sempre as empresas estão preparadas para recebê-los, causando aí um conflito de gerações.
“No processo seletivo, notamos que muitos dessa geração querem uma empresa que tenha um clima organizacional e lideranças legais, tenha atuação de responsabilidade social. Tudo isso brilha os olhos deles. Se tiver home office então…”
Valéria conta que em recrutamento de estagiários ou de programas de aprendizagem, são os candidatos que informam seus pré-requisitos para escolher uma empresa – e não apenas o contrário. “Perguntam sobre os valores da empresa, seus propósitos.
Eles questionam mesmo, pois querem uma empresa que tenha a ver com eles e traga qualidade de vida para não ter que sacrificar nada de importante fora do expediente, como academia, faculdade e lazer”, explica.
Diferentemente de gerações passadas, em que os trabalhadores sonhavam em fazer carreira em uma única empresa, a Geração Z condiciona sua permanência ao grau de evolução em curto período de tempo. “São jovens muito intolerantes a não ter mudanças.
Se eles entenderem que não vão crescer rapidamente e suas carreiras não vão deslanchar, eles saem sem nenhum constrangimento”, continua, informando que isso se torna um desafio para as empresas, as quais passam a se adaptar a esse novo contexto.
De acordo com Valéria, o maior desafio para não perder esses jovens é deixá-los motivados a todo instante. Por isso, diversas estratégias começam a ser adotadas, como metodologias ágeis e planos de carreira mais curtos, para justamente tentar manter esses funcionários “engajados”.
Ao mesmo tempo, ela comenta que empresas mais antigas e tradicionais já põem o pé no freio nessa agitação.
“Essas empresas passam a preferir profissionais mais maduros, que têm uma tranquilidade para construir carreira de forma mais estratégica do que aqueles que querem ser promovidos a cada seis meses”, evidencia.