Em todo o País, a telessaúde tem apostado na aplicação de novas ferramentas de inteligência, sistemas e armazenamento de dados. A busca é por agilizar, proporcionar mais praticidade, segurança, conforto e bem-estar a pacientes, profissionais e gestores da saúde, além da interiorização nas cidades.
Todo esse movimento ganhou força com a pandemia de covid-19, especialmente na área clínica, em virtude do isolamento social e da virtualização de múltiplos serviços.
E agora assimila novas tecnologias com a inteligência artificial (IA), a internet das coisas (IoT) e o metaverso. Além da liberação de barreiras regulatórias que limitavam os investimentos no setor.
Após todas as questões legais e insegurança jurídica a ser resolvida, hoje, garantida pela lei 14.510, sancionada em dezembro de 2022, o presidente da Saúde Digital Brasil (SDB), associação brasileira de empresas de telemedicina e saúde digital, Carlos Pedrotti, estima crescimento dos telesserviços de saúde nos próximos anos, tanto na esfera privada quanto na pública.
Ele avalia que em 2022 houve uma demanda expressiva para serviços de telessaúde focados no atendimento a sinais e sintomas de covid-19, notadamente em janeiro, junho e novembro, meses com picos de atendimento.
“Estimamos que o número de atendimentos realizados, no País, seja da ordem de dezenas de milhões. O que verificamos para 2023 é, além do aumento, uma mudança de perfil, com maior participação de saúde mental, atenção primária e especialidades em relação ao pronto atendimento virtual”, avalia o presidente.
Além de serviços multiprofissionais de acompanhamento remoto da saúde que estão mais presentes na vida do brasileiro e representam um percentual maior do total de atendimentos. “No Ceará, não é diferente: aumento do volume total, mas com mudança do perfil de atendimento em relação a 2022”, afirma Pedrotti.
Dados anteriores, levantados pela entidade, mostram que, entre 2020 e 2021, mais de 7,5 milhões de atendimentos foram realizados, por mais de 52,2 mil médicos, via telemedicina no Brasil.
Mais de 80% deles foi das chamadas primeiras consultas, que permitem identificar por meio de exames a necessidade de atendimento em uma unidade hospitalar.
Em relação à faixa etária, 84% dos pacientes tinham entre 16 e 65 anos; 8%, 65 anos ou mais e 7% eram menores de 16 anos.
A pesquisa também revelou que o índice de resolutividade dos atendimentos foi de 91%, ou seja, os pacientes tiveram seu problema resolvido e não precisaram recorrer ao pronto-socorro em segunda instância.
Outra pesquisa, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), avaliou a adesão de profissionais à telessaúde, comparando os anos de 2019 a 2022.
Nesse período, por exemplo, o monitoramento remoto de pacientes passou de 9% para 23%, entre médicos; e de 16% para 29%, entre enfermeiros. Já na questão de teleconsultoria passou de 26% para 45%, entre médicos; e de 26% para 34%, entre enfermeiros.
Na esfera estadual, a cooperativa médica Unimed Ceará registrou mais de 20 mil teleconsultas médicas, entre fevereiro de 2021 e maio de 2023. Somente nos cinco primeiros meses deste ano, já se totalizam cerca de 4 mil atendimentos.
Segundo a coordenadora de Enfermagem da Atenção Integral à Saúde (AIS), Mariella Benevides, o número de teleatendimentos vem aumentando devido à expansão das especialidades médicas e demais profissionais de saúde atendendo nesse formato.
"Hoje, é disponibilizado o agendamento on-line, pelo site ou aplicativo do cliente, que permite a escolha da modalidade de atendimento. Estamos investindo cada vez mais na divulgação da telessaúde para facilitar a vida de nossos clientes, que podem ter acesso a um atendimento de onde estiver", declara Benevides.
Atualmente, os atendimentos são feitos na clínica da Unimed Ceará, por teleconsulta e médicos de Saúde da Família, bem como a equipe multiprofissional da Atenção Primária à Saúde (APS) que conta com enfermeira, assistente social, psicóloga, nutricionista e educador físico.
Além disso, a cooperativa oferece teleconsulta para endocrinologia, pediatria, psiquiatria, reumatologia e gastroenterologia.
E outras inovações tecnológicas como o pronto atendimento virtual, em que o paciente acessa por meio do site ou app do cliente Unimed Ceará e é conectado a um chat com a equipe de enfermagem que, se necessário, encaminha a um médico de família.
E, ainda, o Gerenciamento de Doentes Crônicos (GDC), telemonitoramento feito pela equipe de enfermagem, em que a profissional acompanha mensalmente a saúde dos pacientes hipertensos e/ou diabéticos.
Além disso, são repassadas orientações em saúde para que a qualidade de vida desses pacientes crônicos seja melhorada. Esse monitoramento recebe o auxílio do robô Gabi, que faz o envio mensal de questionários para a equipe avaliar o estado dos pacientes, assim como envia informações de saúde.
A doutora Fernanda Colares, diretora de Recursos Próprios da Unimed Fortaleza, reforça a importância das ferramentas que existem por traz das teleconsultas, como registros, forma de armazenar os dados, sigilos e prontuários, que só foram possíveis após a regulamentação durante a pandemia.
"Assim que tivemos a liberação, o nosso departamento de tecnologia da informação começou a trabalhar e aí a conseguiu, em 2021, lançar na segunda onda grande do covid-19 o teleatendimento. Começamos com o pronto atendimento virtual, atendimento de urgência, para pacientes adultos. Em 2022, ampliamos para a Pediatria. Tivemos toda essa questão de ter uma ferramenta segura e estável, onde você pudesse realmente ver o paciente e fazer esse registro", detalha a diretora.
Colares exemplifica que o produto de uma consulta médica, principalmente da consulta de urgência, pode ser muitas vezes uma receita, um uma solicitação de exame ou até mesmo uma análise. Para isso, fizeram integração com laboratório e com pedido de receita médica com assinatura eletrônica.
"A única coisa que não conseguimos, ainda, é o receituário azul, pois tem uma regra de utilização".
A adesão, segundo a médica, foi acima do esperado. A terceira onda da pandemia, que já se tinha vacinação, teve um boom de atendimento tanto físico como virtual.
"Chegamos a ter 1.588 atendimentos somando as duas modalidades em um dia. Seria impossível sem o pronto atendimento virtual", enfatiza, reforçando que a capacidade normal é de 300 atendimentos presenciais e à época da covid-19 eram 800 pessoas.
Para o presidente da SDB, há, ainda, grande espaço para aplicações em atenção primária, atenção continuada, coordenação do cuidado, cuidado especializado, retornos e nos chamados cuidados peri-agudos, que envolvem o acompanhamento antes, durante e após internações, procedimentos ou cirurgias.
Outro aspecto é a atenção multiprofissional em saúde, que vem ganhando grande tração, como cuidados de saúde mental, fisioterapia, fonoaudiologia, enfermagem, nutrição, entre outros. Entretanto, ainda há muitos gargalos.
Nem tudo é viável de ser realizado virtualmente, como é o caso de cirurgias, acompanhamentos de doenças mais críticas ou graves e situações que precisam de um exame físico presencial.
“Além disso, ainda há muito a evoluir na adequada inserção desses serviços nos atuais processos de financiamento pelas fontes pagadoras e ampliação da divulgação dos potenciais dos serviços. Há muito a ser desenvolvido na cultura de serviços digitais em saúde”, avalia o titular da SDB.
Para Pedrotti, é crítico para a expansão do setor o desenvolvimento de ferramentas digitais que permitam maior interoperabilidade, habilidade de transferir e utilizar informações de maneira uniforme e eficiente entre várias organizações e sistemas de informação, entre os múltiplos sistemas atualmente utilizados nos cuidados à saúde.
Nos últimos anos, percebemos várias iniciativas de interoperabilidade, particularmente no sistema público, como é o caso da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), que obteve grande sucesso na integração de dados a respeito do controle de vacinas e testes de Covid e vem ampliando seu escopo, com a ajuda de múltiplos participantes de vários setores.
A tecnologia também expandiu dentro da própria própria área médica e trouxe mais velocidade nos últimos anos.
O setor de medicina diagnóstica sempre foi usuário das atualizações frequentes da tecnologia, em especial no parque de diagnóstico por imagem, que busca mais precisãoe capturas de imagens menores.
Os exames genéticos também exigem novos equipamentos analíticos e metodologias. Isso inclui, por exemplo, dispositivos simples e testes rápidos, que permitem atendimento hospitalar e realização de procedimentos na beira do leito, assim como exames de alta complexidade.
A diretora-executiva da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), que representa os laboratórios privados do Brasil, Milva Pagano, acredita que as vantagens da incorporação da tecnologia são inúmeras e impactam em diagnósticos mais precisos e rápidos, elevando consideravelmente as chances de controle e tratamento de várias doenças e contribuindo para um melhor cuidado.
"Também possibilita a ampliação do acesso à saúde, traz agilidade e otimiza os fluxos, apoiando na busca da sustentabilidade, além de oferecer melhores experiências, um serviço de excelência e uma jornada mais fluida para os pacientes", aponta.
Pagano comenta que a Inteligência Artificial (IA), por exemplo, já é realidade na medicina diagnóstica. O reconhecimento de voz pode ajudar a converter áudio em laudo, minimizando as chances de erros na hora de digitar o documento.
O recurso reduz o tempo despendido com a elaboração do laudo, o que é crucial, por exemplo, em locais de alta demanda ou em casos de urgência e emergência.
Já a internet das coisas (IoT), aliada à predição da IA, permite antecipar as ocorrências e agir para tentar evitá-las.
Com esse tipo de tecnologia, é possível monitorar, a distância e em tempo real, ambientes e equipamentos de engenharia clínica e de infraestrutura, prevendo quebras e mau funcionamento, que poderiam interromper a realização de exames complexos, como tomografia computadorizada e ressonância magnética.
Em relação ao metaverso, ele pode ser usado durante exames e vacinações, por exemplo, distraindo os pacientes e proporcionando experiências visuais imersivas, como jogos ou cenários de natureza, reduzindo a percepção de desconforto e dor.
E no campo do atendimento, pode ser usado para criar uma simulação onde as pessoas possam interagir como se estivessem em um call center.
"O objetivo é oferecer uma experiência mais ampla e interativa, com um avatar treinado para fornecer informações sobre exames, agendamentos, localizações e até mesmo mostrar o caminho no mapa", declara a diretora-executiva.
Além disso, é possível, a partir de imagens de exames, como ultrassonografia, ressonância magnética e tomografia computadorizada, fazer uma replicação tridimensional para uso no metaverso. Isso permite discutir um caso virtualmente, sem deslocar a equipe.
"Todas as ferramentas de reconstrução de imagem em 3D dependem do exame original. Essas imagens ajudam a melhorar a comunicação em uma discussão multidisciplinar e planejamento cirúrgico, por exemplo", comenta Pagano.
Segundo a diretora-executiva da Abramed, em 2023, espera-se ver um aumento na utilização de tecnologias de Inteligência Artificial (IA) em todas as áreas da medicina diagnóstica, o que pode trazer benefícios significativos para os pacientes, como o aumento da precisão e a rapidez dos diagnósticos.
"No entanto, também devemos estar atentos aos desafios potenciais da IA, como a necessidade de supervisão e de regulamentação adequada para garantir a precisão dos resultados e a segurança dos pacientes", ressalta a executiva.
A telessaúde também tem se tornado cada vez mais popular, permitindo que os pacientes tenham acesso a cuidados de saúde, o que amplia o acesso das pessoas a exames de diagnóstico, principalmente em áreas remotas.
Outra tendência é o crescimento da medicina personalizada, que se baseia no uso de dados genéticos e outros marcadores para personalizar o tratamento e os diagnósticos para cada paciente individualmente. Isso pode levar a melhores desfechos e reduzidos efeitos colaterais.
Entre os novos exames, a biópsia líquida, um exame de sangue que possibilita detecção de câncer, testes genéticos para identificar predisposição a certas doenças hereditárias e os exames moleculares que permitem reclassificar doenças conhecidas, levando à indicação precisa de tratamentos.
Equipamentos de diagnóstico por imagem modernos, que introduziram várias formas de imagem funcional e molecular, já podem ser operados a distância e integrados com Inteligência Artificial, possibilitando a identificação de lesões e tumores cada vez menores.
O sigilo entre pacientes e médicos vai além das estruturas físicas de um consultório e segue prevalecendo também nas consultas, exames e relações que envolvem a telessaúde no Brasil. A lei nº 13.709/2018, Lei Geral de Proteção de Dados, conhecida como LGPD, também é válida no atendimento remoto das diversas áreas da saúde.
Ricardo Madeiro, presidente da Comissão de Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará (OAB-CE) ressalta que com a regulamentação em 2022, facilita determinados atendimentos, principalmente, para locais onde o usuário tenha difícil acesso aos sistema de saúde.
“Essa é a finalidade maior, mas a telemedicina, de forma nenhuma, dispensa em o atendimento presencial por suas limitações. Vale lembrar que ainda existe a interconsulta que pode, ou não ser feita na presença do paciente, ocasião que os médicos trocam informações”, informa.
Em todos as situações, ele salienta, que a responsabilidade do médico na forma presencial é a mesma responsabilidade da consulta virtual. “Ou seja, ele poderá responder civilmente, ele poderá responder eticamente e poderá responder criminalmente por aquele ato. Porque a consulta é um ato médico seja ele presencial, seja ele virtual”, esclarece.
Em caso de um diagnóstico ou levantamento de determinada suspeita ele deve encaminhar o paciente, se ele achar necessário. Imediatamente para a consulta presencial ou para o emergência. Ele não pode conduzir esse determinado caso exclusivamente na forma virtual.
Madeiro também aponta que na consulta virtual também é mantida a responsabilidade ética e criminal do sigilo da consulta. No início de cada consulta ela deve ser autorizada e todo o atendimento precisa ser registrado em vídeo e áudio e tem que ser gravada e arquivada.
“A consulta virtual tem de ser feita dentro do sistema onde esse sistema garanta todas as leis gerais de proteção de dados. Ela obedeça, também. a lei LGPD. Ela tem que obedecer a tudo, incluindo os complementos de exames e receituários. E o arquivamento é necessário da consulta”, finaliza.
Especial do OP+ sobre os avanços e alcances da telessaúde no Ceará e Brasil