Di Stéfano, Pelé, Cruyff, Beckenbauer, Platini, Maradona, van Basten, Ronaldo, Zidane, Ronaldinho, Cristiano Ronaldo e Messi. Ao longo da história do futebol, os processos de sucessão, no que se convencionou chamar de “melhor jogador do mundo”, sempre foram muito naturais. Seja pela escolha de revistas famosas que concedem prêmios dourados em capas multicoloridas, seja no imaginário de quem ama o futebol na arquibancada ou pela TV.
Para todos esses grandes craques da história, chegar ao auge significou necessariamente duas coisas. A primeira, a glória de poder estar em um panteão eterno só para raros. A segunda, a certeza de que, a partir desse instante de platô, o tempo se encarregaria de fazer com que a curva entrasse na descendente, e testemunhasse o surgimento de uma nova linha rumo ao ápice para substituí-lo.
O bastão nunca ficou solto, sem boas mãos que o agarrassem e o passassem adiante. O futebol nunca permitiu um vazio no trono e na coroa porque é inerente a ele a necessidade da referência presente. Até por uma questão de sobrevivência simbólica e, mais recentemente, mercadológica.
De tão naturais, essas sucessões foram quase imperceptíveis nos momentos em que ocorreram. Apenas com um distanciamento histórico maior e uma percepção mais real da dimensão do que esses caras citados acima fizeram, é possível formular de maneira mais didática essa linha do tempo informalmente sucessória.
Valendo aqui uma pequena digressão, é importante destacar que tais nomes não precisam nem devem formar consensos ou terem um caráter de prova científica. De tão rico e diverso, o futebol é uma matriz quase infinita de subjetividades. A escolha de um homem para ser ídolo diz mais sobre a formação do indivíduo que o elege. Não é o intuito desse texto propor reflexões cujo os objetivos sejam a tomada de conclusões fechadas.
Assim como quando se cita neste texto o termo “melhor jogador do mundo”, não se refere a quem recebe os principais prêmios no fim das temporadas. E sim, ao reconhecimento mais simbólico, no inconsciente mais lúdico, independente de listas, cálculos de gols ou rankings. Fala-se aqui dos jogadores que vão fazer as crianças amarem o futebol pelo resto da vida.
É inegável, dessa forma, que o português Cristiano Ronaldo e o argentino Lionel Messi compartilharam alternadamente nos últimos anos a incumbência do posto de melhor jogador do mundo. Pelo menos um dos dois esteve presente entre os finalistas das últimas 13 edições dos prêmios da Fifa e da Bola de Ouro (prêmio da revista France Football), vencendo 11 em ocasiões – seis para Messi e cinco para Cristiano Ronaldo em ambos os prêmios.
Além de virar o mundo de cabeça para baixo, o pandêmico ano de 2020 pode servir também como marco para o fim da hegemonia da dupla. Os estádios de arquibancadas vazias, em razão da Covid-19, testemunharam um fim de temporada melancólico e sem brilho para ambos os craques. Com desempenho muito aquém do que era esperado deles, nada leva a crer que vão figurar em listas tríplices para melhor do mundo este ano.
A quebra de paradigma automaticamente resulta na primeira pergunta: estamos diante do fim da era Cristiano Ronaldo-Messi? Com o nível de competitividade e qualidade que os dois apresentaram em campo nos últimos 15 anos, ninguém duvida que ambos têm muito a mostrar. Porém, é cada vez menor a parcela dos que creem que vão voltar ao patamar já atingido. O tal momento do platô parece ter acabado de acontecer. Com isso, chegamos ao segundo questionamento: quem os sucederá?
A história do futebol mostrou dois modelos de transição no que diz respeito à definição de quem é o principal jogador do planeta. O primeiro deles é caracterizado por um craque relativamente jovem em idade que chega atropelando todos aqueles sinalizados como pretendentes. Com atuações avassaladoras, títulos e uma dominação praticamente incontestável. Nesse caso, o debate sobre quem vai ser o sucessor é anulado porque simplesmente há um consenso em relação a isso.
Foi assim o processo de consolidação de Pelé a partir da Copa da Suécia em 1958, quando foi campeão mundial de maneira soberba aos 17 anos e iniciou uma longa trajetória que fez dele “O rei” até a Copa de 1970, no México; com Maradona no fim dos anos 1970 com uma apoteótica Copa de 1986, também no México; e com Ronaldo, o “Fenômeno” a partir de meados da década 1990 até ressurgir para o futebol no Mundial Coreia/Japão em 2002 após lesões que quase o tiraram do futebol.
Em um segundo modelo de sucessão, craques já mais ou menos estabelecidos aproveitam uma brecha crepuscular na carreira de um antecessor para consolidar um domínio que, via de regra, tem um menor impacto no imaginário coletivo do futebol. Justamente por ter mais essa característica de ser interregno e menos as feições de onda com proporções beatlemaníacas. Aqui, a discussão sobre a “troca de reino” também é pouco perceptível, pois o processo é praticamente natural.
Um dos exemplos mais simbólicos desse modelo é do holandês Marco van Basten entre 1988 e 1992, como uma transição entre a “era Maradona” e a “era Ronaldo”. Outro é o do também holandês Johann Cruyff e do alemão Franz Beckenbauer. Ambos fizeram uma espécie de regência dupla alternada na primeira metade dos anos 1970 – dando a cara do que seria o futebol pós-Pelé – e foram seguidos pelo francês Michel Platini.
Nos últimos anos, o oligopólio de Cristiano Ronaldo e Messi deixou pouca margem para permitir que intrusos fossem ungidos, o que não significa dizer que os postulantes não foram/são craques de altíssimo nível, que poderiam figurar em listas e mais listas de grandes jogadores da história.
Neymar provavelmente tenha sido o jogador que mais se aproximou de Messi e Cristiano Ronaldo na década. Tanto nos aspectos técnicos, dentro de campo, como na própria ideia de si mesmo como personagem para ocupar o posto. Hoje com 28 anos, é o exemplo perfeito de sucessão feita por um craque já mais estabelecido, o protagonista de uma transição natural.
O maior craque brasileiro da última década foi forjado desde a adolescência para ser o principal jogador do mundo. Sempre lhe foi incutido na mente que ele poderia e deveria ser a continuidade de uma dinastia que já teve Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Kaká. Todos com o prêmio de melhor do mundo na estante. Além de Pelé, que assim como ele, surgiu em Santos.
O propósito de vida de Neymar sempre foi esse e ele dedicou a carreira a isso. Saiu da sombra de Messi no Barcelona e foi em busca de protagonismo no Paris Saint-Germain pensando em chegar ao topo individual. O que não quer dizer necessariamente que ele esteja pronto ou consiga ser o melhor jogador do mundo. Ou mesmo consolidar um período de três ou quatro anos como atleta mais dominante do planeta, pois é algo que não depende só da vontade ou esforço de Neymar.
Correndo por fora como candidatos à sucessão nesses termos o polonês Robert Lewandowski, artilheiro do Bayern de Munique último campeão da Champions; e o belga Kevin de Bruyne, meia do Manchester City.
O primeiro nome que vem à cabeça no futebol mundial ao pensarmos em favorito ao posto de melhor do mundo seguindo o primeiro modelo de sucessão está ao lado de Neymar no PSG. Prestes a fazer 22 anos no fim de 2020, o francês Kylian Mbappé reúne requisitos invejáveis e assustadores.
Explosivo em arrancadas como Ronaldo, capaz de decidir jogos difíceis como Cristiano Ronaldo, carismático e bom produto de imagem como o próprio Neymar, campeão do mundo (Rússia 2018) antes dos 20 anos com direito a gol na final como Pelé. Mbappé é o exemplo perfeito de jogador jovem que tem todas as ferramentas para chegar ao topo.
Outros jogadores igualmente novos e talentosos também têm potencial para chegar perto disso. Casos como o português João Félix (20 anos Atlético de Madrid), o alemão Kai Havertz (21 anos, Chelsea), o inglês Jadon Sancho (20 anos, Borrusia Dortmund), o americano Christian Pulisic (22 anos, Chelsea) ou os brasileiros Vinícius Júnior e Rodrygo (20 e 19 anos, respectivamente, ambos do Real Madrid).
Neymar e Mbappé, contudo, são os principais favoritos porque já se sabe o que esperar dos dois craques do PSG. Mas, em vez de tentar projetar quem vai ser, a melhor pergunta em 2020 talvez seja: como será o próximo melhor jogador do mundo?
Em 2008, quando Cristiano Ronaldo e Messi deixavam de ser simples promessas do futebol, uma crise econômica balançava as estruturas de todo o planeta, a China se apresentava como candidata a potência mundial com as Olimpíadas de Pequim. Donald Trump era a estrela de “O Aprendiz” e Jair Bolsonaro, um deputado do baixo clero que vivia de bravatas pró-ditadura e aparições na Luciana Gimenez e no CQC. Poucas pessoas conheciam ou usavam o Twitter e o Facebook, enquanto o Whatsapp e o Instagram sequer tinham sido inventados.
Hoje, o português e o argentino estão postados na lista de maiores jogadores da história, um vírus coloca o mundo de cabeça para baixo, a China rivaliza com os Estados Unidos pela liderança político-econômica global e a rede social do momento é o TikTok, sem ninguém saber até quando vai estar na moda. Quanto a Trump e Bolsonaro, muita coisa está diferente nas vidas deles também.
Em doze anos, as transformações de impacto passaram diante dos nossos olhos de maneira que é praticamente impossível dar conta ou absorver tudo. O volume de informações às quais temos acesso cresceu de maneira sem precedentes e as formas de nos relacionarmos e de consumirmos mudou completamente.
Com o futebol não é diferente. As formas de jogar, de se preparar fisicamente, de assistir, de usar as evoluções tecnológicas, de vender o produto e de se relacionar com o esporte e com os ídolos não são mais as mesmas. E muito da dominação de Cristiano Ronaldo e Messi na última década e meia é explicada por todos esses processos de mudança. Dentro e fora do campo.
Taticamente, os espaços no campo de jogo estão cada vez mais reduzidos e vai cada vez mais demandado de jogadores e treinadores soluções criativas para se desvencilhar dessas arapucas adversárias. Talento, como sempre foi, continuará sendo imprescindível. Messi é o retrato disso. Mas não será o bastante.
O craque português é um exemplo de como o jogo passou a pedir um aprimoramento físico de um atleta. Só a qualidade técnica para resolver partidas e campeonatos não é mais suficiente. O próprio argentino, apesar de mais franzino, é também prova disso, pois precisou sair da Argentina para a Catalunha na adolescência para um participar de um programa de ganho de massa muscular que lhe permitisse minimamente ser um jogador capaz de por em prática toda sua capacidade técnica.
Além disso, os grandes jogadores hoje não são vistos mais apenas durante os 90 minutos. Praticamente tudo que eles fazem e que pode ser exposto, é exposto para o mundo todo em tempo real a todo o momento.
Para se ter uma ideia, Cristiano Ronaldo tem 237 milhões de seguidores no Instagram. Isso é mais que a população do Brasil e 20 vezes mais que a de Portugal. Messi e Neymar têm 167 milhões e 141 milhões, respectivamente, na rede social. O Real Madrid, maior clube do mundo, tem 90 milhões.
Os grandes jogadores hoje também são marcas, verdadeiras empresas que geram centenas de empregos e fazem rodar montantes na casa dos bilhões de dólares. Como consequência, se tornam rostos conhecidos nas áreas mais remotas do planeta. E, hoje, um jogador que se proponha a ostentar o título de melhor do mundo precisa ser conhecido em todo mundo. Quem não é visto, não é lembrado.
Se as questões físicas e de imagem parecem bem estabelecidas como determinantes para um futuro jogador no topo do futebol, uma outra questão que se impõe é: quais os conceitos de futebol vão prevalecer daqui para frente e que tipo de jogador eles irão privilegiar?
Para explicar melhor a lógica da pergunta. A era que viu Messi e Cristiano Ronaldo se destacarem individualmente de forma indiscutível é a mesma marcada por grandes times vencedores nos quais o jogo coletivo foi preponderante.
Vamos aos exemplos. As últimas quatro seleções que venceram a Copa do Mundo (Itália em 2006, Espanha em 2010, Alemanha em 2014 e França em 2018) foram equipes que primaram pela força do conjunto, deixando de lado a aposta em um solista que brilharia.
Nas duas últimas Champions League, o Liverpool (2019) e o Bayern de Munique (2020) também adotaram modelos semelhantes, mais coletivos. E foi assim que o time alemão venceu no último mês de agosto por 8 a 2 um Barcelona desorganizado como time que dependia dos brilhos de Messi, sozinho, para se livrar do atropelo que sofreu. Como o placar mostra, não foi suficiente.
Os próprios títulos europeus de Cristiano Ronaldo pelo Real Madrid (2014, 2016, 2017 e 2018) e os de Messi pelo Barcelona (2009, 2011 e 2015) também foram conquistadas com apoio de importantes peças, mas que trabalhavam basicamente em função dos dois grandes astros, com a finalidade de fazê-los brilhar.
Fica posto, assim, um dilema conceitual que o futebol terá de escolher. O melhor jogador do mundo nos próximos anos será aquele capaz de desequilibrar jogos com força/talento e, como consequência, ser reconhecido individualmente por isso? Ou será quem vai usar tais atributos naturalmente próprios e desenvolvidos com treino e evolução do esporte para potencializar uma força coletiva, tornando-a vencedora?
Cristiano Ronaldo e Messi são frutos do tempo ao qual pertencem. Assim como os craques do passado foram, assim como os do futuro também serão.
O mundo daqui a 12 anos, em 2032, certamente será muito diferente do atual, pandêmico e cheio de incógnitas em todas as esferas. O futebol não estará imune a essas mudanças e indefinições. Saber o que queremos de ambos é o primeiro passo para começar a obter respostas.
* João Marcelo Sena é jornalista e editor-adjunto de Política do O POVO
Quando Zico foi anunciado como jogador da Udinese, em junho de 1983, chorei um bocado. Foi uma tristeza como se alguém da família, de repente, tivesse ido embora pelo velho e melancólico Pinto Martins. Eu era um menino de 16 anos de idade e o meia-esquerda habitava a ilusão maravilhosa que o futebol causa em quem gosta de jogo de bola.
Era justificável eu chorar. Eu era um adolescente enlouquecido e jogador de rachas. Aqui só transmitiam jogos do campeonato Carioca na Globo, não havia televisão para o Campeonato Cearense e a craqueza Zico era o parâmetro de comparação. Além do mais, ninguém imaginaria que o camisa dez um dia voaria do Flamengo.
O impacto no Brasil foi quase a mesma porrada quando Messi anunciou sua despedida do Barcelona. Não é exagero. Para um flamenguista daqui, que não escalava nenhum time local e repetia os 11 titulares da Gávea e ainda o banco de reservas, era inacreditável Zico dando tchau do avião rumo a Itália.
Por muito tempo, Moraes Moreira traduziu o meu banzo numa de suas letras mais felizes e tristes. O frevo “Saudades do Galinho” me fazia bem e mal. “E agora como é que eu fico, nas tardes de domingo, sem Zico no Maracanã. Agora como é que eu vingo de toda derrota da vida (eu um adolescente) se a cada gol do Flamengo, eu me sentia um vencedor”.
Como repetia a canção, gravada em uma fita cassete e o locutor da rádio estragando tudo no final ao falar alguma besteira antes de a música terminar, era difícil acreditar que nasceriam outros craques que calçassem a chuteira de “Arthurzinho” ou “Arthurzico” no Flamengo. De fato, não rebentaram nem houve substituto naquele naipe.
Claro, grandes meias-esquerdas vestiram a camisa rubro-negra depois de Zico, mas há uma diferença que só sabe quem o viu jogar, driblar, lançar, liderar em campo, bater faltas e marcar gols com a genialidade do ex-raquítico galinho de Quintino.
Zico nasceu no Flamengo quando tinha 13 anos de idade, jogou de 1971 a 1983, ganhou 22 títulos com a urubuzada fazendo festa na geral e marcou 509 gols em 731 partidas durante as duas passagens pelo rubro-negro carioca. Então, era impossível imaginá-lo dentro de outra camisa que não fosse a vermelha, preta e branca. A não ser a da Seleção Brasileira.
Ele foi embora para a Udinese por 6 bilhões de liras, recebeu um milhão de dólares na assinatura do contrato válido por três anos e, depois, salário de U$ 540 mil. E o Flamengo ainda embolsou do timeco italiano 4 milhões em moeda norte-americana. Os cartolas de Údine foram ousados na contratação do melhor jogador brasileiro da época, o que gerou até inveja e briga na justiça com o Roma.
Bem, mas essa história do furto de Zico pelos italianos está contada em centenas de páginas de jornal e em matérias de tevê, é só procurar na Internet. O meia não foi tão feliz por lá quanto no Flamengo. O brasileiro era um Ferrari na Udinese, mas o time só possuía mecânicos de fusquinhas e não teve mais caixa para trazer outros craques.
Ainda assim, na primeira temporada, o ex-galo da Gávea foi o vice artilheiro do Campeonato Italiano com 19 gols. Apenas um atrás do francês Michel Platini, da campeã Juventus e a Udinese apenas na 9ª colocação.
Zico ainda voltou para o Flamengo, em 1985, mas eu já não chorava mais por causa do futebol e tinha esquecido o sonho (impossível) de ser jogador. O último choro foi exatamente quando vi Zico sair do Flamengo e, um pouco antes, ao ver a seleção de Têle Santana ser eliminada por Paolo Rossi, em 1982, na Copa da Espanha.
Como torcedor, ainda guardo a imagem que desenhei do Zico dos tempos do Flamengo glorioso e de minha ilusão adolescente pelo futebol. Como jornalista, descobri um astro razinza, pouco simpático em entrevistas que não fossem para a Globo ou para quem o contratasse. Mesmo assim, “Arthuzico” foi o primeiro gênio da bola que tive o prazer de ver jogar entre quatro linhas.
* Demitri Túlio é jornalista e cronista do O POVO
Desempenho na última temporada e idade podem indicar que Messi e Cristiano Ronaldo iniciam o ocaso de suas carreiras.