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Do que a quadrilha levou, Banco Central conseguiu recuperar R$ 24,9 milhões
Reportagem Seriada

Do que a quadrilha levou, Banco Central conseguiu recuperar R$ 24,9 milhões

QUANTO VOLTOU | Entre dinheiro apreendido e leilões, o valor reavido pelo BC representa 15% dos R$ 164,7 milhões furtados em 2005, no histórico crime em Fortaleza. Mais R$ 5,2 milhões estão custodiados pelo Poder Judiciário e aguardam decisão para serem incluídos na quantia restabelecida
Episódio 3

Do que a quadrilha levou, Banco Central conseguiu recuperar R$ 24,9 milhões

QUANTO VOLTOU | Entre dinheiro apreendido e leilões, o valor reavido pelo BC representa 15% dos R$ 164,7 milhões furtados em 2005, no histórico crime em Fortaleza. Mais R$ 5,2 milhões estão custodiados pelo Poder Judiciário e aguardam decisão para serem incluídos na quantia restabelecida
Episódio 3
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O valor furtado foi expressivo, o maior caso no Brasil, o terceiro maior do mundo até então: R$ 164.755.150,00. Do furto milionário ao Banco Central de Fortaleza, em 2005, sempre se soube mais de quanto foi levado, na sequência lavado e curtido pela quadrilha - e por alguns mais agraciados com as cédulas distribuídas pelos criminosos. As cifras que o banco conseguiu recuperar, de fato, ao longo desses 15 anos do caso foram sempre menos contadas, nunca especificadas nos detalhes e centavos. Quanto efetivamente voltou para a instituição?

O POVO confirmou com a assessoria do Banco Central do Brasil, em Brasília, após uma década e meia do fato, quais os valores exatos "apropriados" (termo que adota para "aqueles que, efetivamente, já ingressaram no patrimônio do Banco"): R$ 24.910.976,67. Equivale a 15% da quantia furtada. "Este é o montante que representa o valor recuperado por este Banco Central", confirmou o BC em nota enviada por email.

Essa conta, segundo o Banco, é composta "das cédulas furtadas que foram recuperadas; devolução de depósitos ou de aplicações financeiras que foram originados por cédulas furtadas; e, por fim, de valores devolvidos ao Banco Central, por determinação judicial, de receitas apuradas em leilões judiciais de alienação dos bens dos furtadores, desde que adquiridos com o produto do furto". Na caixa-forte, as cédulas estavam separadas para serem destruídas por causa do desgaste.

Em espécie, uma das maiores quantias reavidas de uma só vez foi a apreensão de R$ 12,2 milhões numa casa no bairro Mondubim, em Fortaleza. Antônio Edimar Bezerra, dono do imóvel e réu num dos primeiros processos, chegou a pedir para a mulher comprar um quilo "daquelas liguinhas de amarrar... papel", num diálogo interceptado à época pela Polícia Federal. Cauteloso, Edimar não queria dizer ao telefone que era para embalar muito dinheiro. As notas estavam amontoadas dentro de um buraco no chão de um dos quartos. A PF chegou ao endereço no dia 28 de setembro daquele 2005.

O valor restituído do furto em Fortaleza pelo Banco Central pode vir a aumentar. A instituição confirmou na mesma nota que ainda há R$ 5.247.072,62 a mais sob a custódia do Poder Judiciário. Os numerários "são os que foram bloqueados por decisão judicial, no âmbito dos vários processos relativos ao furto. Estão acautelados em depósitos bancários, aplicações financeiras ou transferidos para depósito judicial, sem que, até o presente momento, exista qualquer decisão ordenando a transferência do numerário para o BC".

São dados de relatório interno recente sobre o caso. "Somente após decisões judiciais será possível promover a transferência dos mencionados recursos financeiros para este Banco Central", complementa. Se o repasse for confirmado judicialmente, o BC terá recuperado R$ 30.158.049,29. Chegará a 18% do total furtado. Não há previsão para esses julgamentos.

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Em leilões eletrônicos realizados pelo Poder Judiciário, com o auxílio de empresas especializadas, o Banco Central estima que cerca de 200 itens foram objeto de alienação judicial. "É preciso esclarecer que um item pode ser composto de diversos bens móveis apreendidos e leiloados conjuntamente, como um rebanho de animais apreendidos em uma fazenda ou diversos móveis apreendidos em objeto de sequestro judicial", discorreu a nota do BC, para justificar que não seria possível precisar o número exato de bens leiloados nos diversos processos judiciais que tratam do caso.

Num levantamento de 57 leilões realizados entre outubro de 2007 e agosto de 2012, a quantia reavida até então havia sido de R$ 10.350.049,51. Envolvia 108 bens móveis e 64 imóveis postos à venda naquele período. Mais da metade desse valor foi arrematado somente no ano de 2011, com R$ 5.422.761,87. Foi o ano mais movimentado de recuperação dos valores do furto nos pregões. São dados de processos na Justiça Federal. 

A conta é fácil, como disse ao O POVO o procurador da República Samuel Arruda, sobre a relação entre os bens adquiridos pela quadrilha e o que se pode converter como valor recuperado nos leilões judiciais. Ele atuou nos processos a partir de 2008. "O cara tem um bem que vale dez, ele compra por 30 e quando a gente vai fazer o leilão vende por cinco. O que era 30 vira cinco".

Eram raros casos como o de uma fazenda de 174 hectares confiscada na cidade de Boa Viagem, no Sertão Central cearense. Pertencia ao réu Antônio Argeu Nunes Vieira, ex-vice-prefeito local. Foi comprada por R$ 73 mil (leilão em 13/5/2011), quando a avaliação inicial era de R$ 15.300. Valorizou 477%. Argeu foi condenado em 2010 a pena inicial de 47 anos, depois reformada para 18. Pelo menos quatro fazendas no município foram confiscadas judicialmente naquele ano.

Acreditava-se mesmo em mais reais retornados ao BC nestes anos, a partir de declarações dadas nas fases de investigação e nos andamentos processuais. Sempre o valor repassado era apontado por estimativa, sem a confirmação do próprio banco. Os criminosos pulverizaram a partilha comprando fazendas, casas, carros, fez farras, investiu em negócios de amigos e parentes. Ou foram obrigados a pagar extorsões a policiais e resgates em sequestros sofridos por familiares e membros do grupo.

Não eram baratos os honorários cobrados pelas bancas de advogados acionadas. Uma fonte contou ao O POVO que o custo com "os gravatas", como são chamados na gíria do crime, chegava a bater de R$ 500 mil a R$ 1 milhão por atuação ou recurso garantido. Alguns enterraram malas e sacolas cheias das cédulas de 50 reais e foram descobertos - não se sabe se todos. O furto resultou em 28 ações penais, com 143 pessoas denunciadas, 120 condenadas, 16 absolvidas e dois dos acusados mortos.

O juiz Danilo Fontenele , da 11ª Vara Federal, que julgou todo o caso na primeira instância, acredita que não se achará mais dinheiro "nem uma butija enterrada, como se imagina". Ele reforça a tese de que a quantia levada, além da lavagem e das cédulas recuperadas, foi espalhada também financiando outras ações criminosas nos meses seguintes ao episódio de Fortaleza. 

Carros-fortes de empresas de segurança entrando no Banco Central, na semana seguinte ao furto descoberto 15 anos anos atrás(Foto: EDIMAR SOARES, em 16/8/2005)
Foto: EDIMAR SOARES, em 16/8/2005 Carros-fortes de empresas de segurança entrando no Banco Central, na semana seguinte ao furto descoberto 15 anos anos atrás

BC criou área de inteligência para avaliar riscos

O Banco Central do Brasil também esclareceu sobre eventuais suspeitas de que alguém de dentro da instituição pudesse ter ajudado a quadrilha no furto de 2005. "Investigações foram promovidas pela Polícia Federal e, internamente, o BC realizou um amplo trabalho administrativo de investigação dos fatos. Não foi identificada a participação de servidores do BC", confirmou em nota.

Os criminosos até tiveram ajuda valiosa de dentro do banco, repassada por terceirizados. Dois vigilantes, Edilson Santos Vieira e Deusimar Neves Queiroz, colaboraram efetivamente com o bando, segundo a Polícia Federal. Eram amigos de Antônio Jussivan Alves dos Santos, o "Alemão", cearense apontado como um dos chefes do plano.

Foi numa reunião entre Edilson, Deusimar, Alemão e Davi Silvano da Silva, entre o fim de 2004 e início de 2005, que surgiu o embrião do plano do furto. Os vigilantes teriam repassado plantas da arquitetura do prédio do BC de Fortaleza. Naquele mês, uma das informações levantadas à época é que o edifício passava por serviços de reforma e os sensores estariam desligados. "Véi Davi" foi quem, por três meses, chefiou as escavações do túnel de 80 metros usado para violar a caixa-forte. Era respeitado dentro da facção PCC, experiente em fugas subterrâneas. Posteriormente, Edilson foi encontrado morto num caso descrito como suicídio pela Polícia de São Paulo.

"As informações de como os assaltantes chegaram de maneira exata à caixa forte do banco ainda são um mistério. Eles não erraram, saíram exatamente no que chamamos de chaminé de saída. Poderiam ter errado, ter saído na calçada, debaixo de um contêiner na caixa forte", pontuou o juiz federal Danilo Fontenele. "É uma curiosidade que ficou sem ser esclarecida".

Questionado sobre a participação dos terceirizados no crime, o Banco Central se eximiu. "A competência correcional no âmbito do Banco Central restringe-se aos servidores, quando identificados indícios de violação disciplinar. Não foi identificada a participação de servidores do BC. A competência correcional do BC não alcança empregados terceirizados".

A sede do BC na capital cearense, após a entrada dos criminosos, passou por requalificação em sua estrutura física e mecanismos de segurança. Em nota, a assessoria do Banco Central de Brasília confirma que "realizou um amplo trabalho administrativo de investigação dos fatos, inclusive com o propósito de identificar aperfeiçoamentos nas áreas de segurança e do meio circulante". Uma das principais mudanças foi a criação de uma nova "área interna com foco em ações de inteligência e contrainteligência para gestão e análise de riscos relacionados com segurança".

O Banco afirma que foram aperfeiçoados "os processos de trabalho relacionados com a segurança operacional de pessoas, valores e patrimônio bem como prevenção e controle de ameaças à organização". Foram firmados convênios com a Polícia Militar, ampliando a cooperação com órgãos de segurança pública e atualizados equipamentos e sistemas eletrônicos de vigilância.

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