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Empreendedoras negras que apostaram no universo geek
Reportagem Seriada

Empreendedoras negras que apostaram no universo geek

Em meio ao aumento do interesse e do espaço que conquistaram no ambiente geek, pessoas negras também assumiram as rédeas da busca por negócios nesse segmento. No Ceará, empreendedoras utilizam da participação em eventos como o Sana para impulsionar suas vendas e exposição, além de manter vivo o compromisso de ocupar espaços de representatividade racial
Episódio 3

Empreendedoras negras que apostaram no universo geek

Em meio ao aumento do interesse e do espaço que conquistaram no ambiente geek, pessoas negras também assumiram as rédeas da busca por negócios nesse segmento. No Ceará, empreendedoras utilizam da participação em eventos como o Sana para impulsionar suas vendas e exposição, além de manter vivo o compromisso de ocupar espaços de representatividade racial
Episódio 3
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O universo geek permeia todos os cantos. Além dos quadrinhos e filmes consumidos por uma parcela de pessoas conhecidas como "nerds", inúmeras produções têm se integrado e sido integradas por este apaixonante segmento. No Ceará, jovens empreendedoras negras ousaram transformar suas paixões de vida inteira em verdadeiros negócios.

Com uma gama diversificada de produtos, que vão desde o mundo dos games e animes até filmes, séries e memes, essas empreendedoras utilizam sua criatividade quase ilimitada para se conectar com uma comunidade vibrante. São canecas, camisetas, bottons, adesivos e ilustrações que homenageiam personagens icônicos, atraindo fãs ávidos por consumir essas criações.

Durante o Sana 2024 - Parte 2, todos esses trabalhos estiveram expostos no Centro de Eventos do Ceará. Por lá, muitas histórias e desenhos puderam ser gravados em papéis e nas memórias das artistas-empreendedoras, resultando em um aumento de seguidores e na visibilidade da marca para um público alvo ideal.

Em seu 24º ano, o Sana é considerado por muitos como a maior festa da cultura pop e geek do Norte e Nordeste. Com duração de três dias, atrações nacionais e internacionais, salas temáticas e uma infinidade de atividades, o evento vem, desde 2001, atraindo fãs e impulsionando a economia de empresas de todos os tamanhos. Além disso, gera empregos diretos e indiretos, sendo cerca da metade deles ocupados por mulheres, negros, indígenas e LGBTQIA+, conforme destaca a organização.

“Para cada evento, estimado entre venda de produtos, ingressos e negócios fechados, o Sana deve movimentar R$ 8 milhões na economia. Ou seja, apenas nos últimos 10 anos, com a realização de mais de 20 eventos, o Sana movimentou na economia local mais de R$ 200 milhões”, afirma Ricardo Busgaib, diretor do Sana. O evento acontece duas vezes por ano, em janeiro e julho.

Émilly Silva diz buscar ser amante de League of Legends, Attack on Titan e The Boys, passando muito tempo na internet buscando novas referências para suas ilustrações(Foto: Victor Gomes PhotoENTITY_amp_ENTITYArt / Sana)
Foto: Victor Gomes PhotoENTITY_amp_ENTITYArt / Sana Émilly Silva diz buscar ser amante de League of Legends, Attack on Titan e The Boys, passando muito tempo na internet buscando novas referências para suas ilustrações

Em meio a essa grandiosidade, jovens empreendedoras decidiram expor suas artes em estandes apresentados para os mais de 81 mil participantes do evento. Entre elas está Émilly Silva, de 25 anos, que participou de sua sexta edição consecutiva. Moradora do mundo, Émilly nasceu em Macapá (AP), cresceu em Bacabal (MA) e fincou raízes em Fortaleza em 2020, quando casou-se com o fotógrafo e filmmaker Wemyson Silva.

Por suas mãos, um universo inteiro de cores, formas e personagens ganha vida. "Eu comecei a fazer ilustrações por encomenda em 2018, tudo online. Naquela época, nem imaginava participar de eventos, muito menos ter um estande", relembra Émilly, que teve uma mudança de perspectiva anos depois. Em 2022, já na capital cearense, ela participou pela primeira vez do Sana, tornando-se uma presença constante desde então.

Ao longo dessa jornada, Émilly celebra a oportunidade de interagir presencialmente com a comunidade geek, fortalecendo a relação entre sua arte e a demanda do público. Atualmente, sua loja é totalmente virtual, com atendimentos realizados via Instagram e site. No entanto, são os momentos presenciais que mais impulsionam as vendas e proporcionam um melhor entendimento das preferências dos clientes ao testar novos produtos.

Émilly Silva durante a participação no Sana 2023 - Parte 2, quando levou seus produtos para a Vila dos Artistas(Foto: Victor Gomes Photo)
Foto: Victor Gomes Photo Émilly Silva durante a participação no Sana 2023 - Parte 2, quando levou seus produtos para a Vila dos Artistas

“Durante os eventos, com certeza a demanda aumenta muito. É a época do ano que dá um pico de vendas e que o pessoal procura mais”, afirma. O exemplo mais palpável que ela cita está na criação de uma camiseta estampada lançada no começo de 2024 que traz um personagem não dos quadrinhos, mas da TV cearense: o Doquinha, do programa “Nas Garras da Patrulha”.

Considerando-se ruim de cálculo por ser “mais de humanas”, Émilly estima:

 

"Consegui vender 50 camisetas em um único fim de semana de Sana. Esse mesmo número levei meses para vender online" Émilly Silva, ilustradora e criadora da marca ilustraemi

 

Amante do jogo “League of Legends”, do anime “Attack on Titan” e da série “The Boys”, a ilustradora diz encontrar referência em diversas fontes. Justamente por isso, precisa ser bastante seletiva para não investir em produtos com pouca aderência, evitando prejuízos.

"Minhas inspirações vêm da cultura pop, animes e, principalmente, dos memes. Passo muito tempo na internet buscando novas ideias, então ficar de olho nas tendências me ajuda muito nas minhas criações. Mas às vezes uma coisa que está em alta sai logo de moda e acaba sobrando alguma quantidade ali que não vendo. Esse é um lado ruim, pois nem tudo se torna atemporal”, pontua.

No coração de Émilly, o Sana ocupa um lugar especial. "Desde criança, ainda no Macapá, li algo sobre o Sana e passei a sonhar em participar. Hoje, fazer parte do evento é como realizar aquele sonho infantil. É uma sensação única estar imersa em um ambiente onde todos compartilham os mesmos gostos e paixões", diz emocionada, apontando para o futuro almejado: "Quero ilustrar livros ou criar um art book. Mas, por enquanto, estou feliz encontrando meu caminho e crescendo a cada evento e a cada novo projeto."


 

 

 

Da paixão pela cultura geek à oportunidade de empreender

A cultura geek existe há décadas em todo o mundo, mas quase sempre associada especialmente a um grupo específico: de fãs, personagens e produtores brancos. Apesar disso, diversas pessoas negras passaram a reinvindicar e a ganhar cada vez mais espaços nesse segmento, seja consumindo, produzindo ou até mesmo empreendendo nesse mercado que movimenta cifras bilionárias em todo o mundo.

Conforme apontam dados da Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (Abral), por exemplo, o faturamento no varejo de produtos geeks (bonecos colecionáveis, roupas, acessórios, jogos de videogame e mangás) foi de R$22,1 bilhões em 2022, no País. No ano anterior, o montante havia sido de R$ 21,5 bilhões, o que representa um aumento de 5% de um ano para o outro.

Em todo o Brasil, diferentes pessoas interessadas passaram a buscar fazer desse cenário que une paixão às oportunidades de realizar verdadeiros negócios rentáveis. No Ceará, parte desse protagonismo foi assumido por mulheres negras, que montaram seus negócios com traços artísticos únicos, força de vontade e colaboração de uma rede de apoio próxima.

Danielle Alícia durante a realização do Sana 2023 - Parte 2, na sala Black Heroes(Foto: Rey / Sana)
Foto: Rey / Sana Danielle Alícia durante a realização do Sana 2023 - Parte 2, na sala Black Heroes

Exemplo disso é Danielle Alícia, uma empreendedora que transforma seus sentimentos pelo ambiente nerd em criações artísticas únicas. Aos 27 anos, ela combina suas habilidades em ilustração e artesanato para produzir livros feitos à mão, ecobags, ilustrações e adesivos para cativar públicos dos mais diversos. Ao passo que seu trabalho reflete uma paixão pela cultura, há também uma importante demarcação de uma luta por representatividade racial.

Frequentadora do Sana desde criancinha, ela diz ter visto o evento crescer ao longo dos anos, assim como o espaço das pessoas que possuem seu mesmo tom de pele. Essa relação com o evento se tornou ainda mais estreita quando recebeu o convite do amigo Jeff “Lobo de Wakanda” para criarem junto de outros colegas uma sala temática no evento que desse destaque especial aos personagens negros. Assim nasceu a Black Heroes, em novembro de 2021.

 

 

“Eu comecei a vender minhas coisas lá dentro (da sala), e a fanart foi minha principal porta de entrada”, conta Danielle. Entre suas produções estão cadernos costurados por ela própria que vêm com ilustrações de Homem-Aranha, One Piece ou Hollow Knight. “O pessoal adora quando eu faço ilustrações desses personagens”, comenta.

Moradora da Granja Portugal, no Grande Bom Jardim, ela ainda busca estabelecer este trabalho artístico como sua renda principal – atualmente o dinheiro que vem das ilustrações apenas complementam suas despesas com a vida pessoal e acadêmica. Aluna de Sistemas e Mídias Digitais na Universidade Federal do Ceará (UFC), a empreendedora conta que só deu início a essa empreitada porque não tinha recursos sequer para poder comprar os cadernos onde faria seus próprios desenhos.

“Eu aprendi a costurar cadernos porque não tinha dinheiro para comprar uma Moleskine. Eu fazia meus próprios cadernos para ilustrar até que alguém chegou para mim e perguntou porque que eu não vendia”, relembra, afirmando que a técnica logo lhe ajudou a ingressar em eventos não mais como uma mera participante, mas agora como parte integrante da programação.

Danielle Alícia durante o Sana 2024, na sala Black Heroes(Foto: Esdras / Sana)
Foto: Esdras / Sana Danielle Alícia durante o Sana 2024, na sala Black Heroes

Hoje Danielle atua em duas frentes distintas: uma mais voltada para temáticas da cidade, com uma pegada da cultura mais cearense; e outra totalmente imersa no universo geek. “São clientelas totalmente diferentes, mas consigo ver o que mais agrada as pessoas em cada um dos espaços, recebendo feedbacks e ajustando minhas criações”, aponta, dizendo que seus produtos de maior valor são os cadernos e as ecobags.

Segundo ela, esses produtos podem girar em torno de R$ 70 a R$ 80, a depender do nível de complexidade do seu traço. Como desafio adicional para além do processo criativo e manual, Danielle tem uma jornada marcada pelas dores da fibromialgia, uma condição crônica que muitas vezes limita sua capacidade de produção.

“Nos períodos de crise, é complicado, mas minha família me apoia muito. Minha mãe, Aldair, até começou a fazer amigurumi para vender comigo no Sana. Ela aprendeu a técnica de crochê em junho e já estava vendendo suas criações no evento”, relata.

Dona Aldair, mãe de Danielle Alícia, exibe um de seus amigurumi vendidos no Sana 2024(Foto: Esdras / Sana)
Foto: Esdras / Sana Dona Aldair, mãe de Danielle Alícia, exibe um de seus amigurumi vendidos no Sana 2024

O entendimento de que estar ocupando espaços em eventos da magnitude do Sana, agora inclusive com a própria mãe, torna-se uma amostra para Danielle de que a luta por representatividade surte resultados. “Estar no Sana é importante não apenas para mim, mas para mostrar que pessoas negras também fazem parte desse universo. A diversidade dentro desses espaços inspira e acolhe outras pessoas.”.

 

 

Quem também resolveu apostar no cenário geek foi Roberta Sâmya, de 35 anos. Formada em Hotelaria e Secretariado Escolar, ela é dona de uma trajetória de resiliência e criatividade no empreendedorismo. Natural de Caucaia, Roberta deu início a sua jornada nos negócios geeks por causa da necessidade de levantar dinheiro. Com rotina dividida entre a cidade onde mora e Fortaleza, onde estudava, ela começou a confeccionar e a vender almofadas temáticas para bancar suas idas e vindas.

Roberta Sâmya tem 35 anos e é a criadora da loja online Golden Panda Store(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Roberta Sâmya tem 35 anos e é a criadora da loja online Golden Panda Store

Esse foi o pontapé que a levaria a criar a "Golden Panda Store", loja de canecas e outros produtos personalizados presente em shoppings e outros espaços na Capital e cidade vizinha.

Após dar início às vendas de almofadas, Roberta logo expandiu seu negócio para comercializar canecas. O ritmo desacelerou quando ingressou em trabalho formal de carteira assinada, mas com a chegada da pandemia de Covid-19 e o término de seu contrato, a cearense decidiu que era hora de apostar de vez em seu empreendimento. Hoje a Golden Panda reflete seus interesses no universo geek e pop, mas também no cenário político.

Com uma presença ativa em eventos e feiras, ela participa de espaços que reúnem outros empreendedores negros, quilombolas, LGBT e indígenas. São nesses locais onde está seu potencial público, sobre o qual diferentes estratégias foram traçadas para cativá-lo. Com um mescla de referências nerds e sátiras com mensagens de militância e humor, Roberta tem criações voltadas tanto para os fãs da cultura geek como integrantes do movimento LGBT e negro.

“Eu verdadeiramente amo trabalhar com esses produtos personalizados, amo criar e trabalhar com esse material. Tento fazer as pessoas sorrirem ao ver meus produtos”, compartilha, informando que entre suas canecas estão aquelas que fazem referência à “Pantera Negra”, “One Piece” e a “Todo Mundo Odeia o Chris”.

Roberta Sâmya entregou uma de suas criações para a atriz Tichina Arnold, a qual interpreta a icônica Rochelle da série Todo Mundo Odeia o Chris(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Roberta Sâmya entregou uma de suas criações para a atriz Tichina Arnold, a qual interpreta a icônica Rochelle da série Todo Mundo Odeia o Chris

Rosto ilustre desse último, a atriz americana Tichina Arnold (que interpreta a icônica Rochelle) foi uma das atrações do Sana 2024 - Parte 2. Durante sua participação no evento, Tichina recebeu das mãos de Roberta uma caneca personalizada da série. A empreendedora classificou a ocasião como “memorável”. “É a prova que podemos estar em lugares como o Sana, mostrando um pouco da cultura negra e geek”, ressalta.

 

 

Diversidade e inclusão de empreendedores que desejam participar do Sana

Para participar de alguma edição do Sana, os interessados podem apostar na Vila dos Artistas, espaço dedicado aos pequenos empreendedores entrarem em contato próximo com o público fiel e amante do universo geek e pop. Para isso, devem passar por um processo que possue uma série de critérios e cuidados que visam priorizar minorias.

A Vila dos Artistas reserva metade das vagas para empreendedores LGBTQIA+, negros, povos originários, portadores de deficiência e baixa renda(Foto: Victor Gomes Photo)
Foto: Victor Gomes Photo A Vila dos Artistas reserva metade das vagas para empreendedores LGBTQIA+, negros, povos originários, portadores de deficiência e baixa renda

Entre os critérios de escolha dos organizadores, está 50% das vagas sendo destinadas a artistas de minorias (LGBTQIA+, negros, povos originários, portadores de deficiência e baixa renda), os quais ganham isenção da taxa de pagamento de mesas. Aos estreantes no evento, também existe reserva de 10% das vagas.

A Vila dos Artistas foca em produções independentes como prints, adesivos, HQs e Zines, enquanto outros produtos vão para a área de Market. A seleção considera fotos de mesas em eventos anteriores, estilos próprios, qualidade das produções e a opinião de um grupo que simula o público do evento. Mesmo com critérios rigorosos, porém, muitos artistas que se encaixam no perfil buscado ficam de fora devido às limitações das vagas.

 

 

Valorização da figura do negro através da Black Heroes

O universo geek passou por transformações significativas nos últimos anos, muitas das quais movidas pelo desejo de inclusão e representatividade. Movimento com raízes em um contexto marcado pela predominância da branquitude, agora tem aberto espaços para vozes e histórias antes marginalizadas, como da comunidade de pessoas negras que hoje tem ganhado destaque no cenário.

Até pouco tempo atrás, convenções de animes, feiras de quadrinhos e encontros gamers eram eventos majoritariamente frequentados por um público branco. A narrativa dominante, inclusive, refletia heróis e histórias centradas em personagens caucasianos, enquanto as vozes e cores negras raramente eram raramente ouvidas e vistas. Após uma série de reflexões e reinvidicações por parte de fãs e promotores de eventos negros, a demanda por igualdade e justiça racial enfim entrou em pauta.

No maior evento da cultura geek do Ceará, o Sana foi um dos atores a se movimentar nesse cenário de transformações. Em novembro de 2021, graças à uma reunião de amigos moradores de periferias de Fortaleza e Região Metropolitana, apaixonados por games e fãs de animes conseguiram criar um projeto que traria novas perspectivas ao cenário nerd cearense. Trata-se da Black Heroes, sala temática dedicada à valorização do negro ambiente geek.

Sala Black Heroes pretende trazer representatividade e valorização do negro no universo geek(Foto: Rey / Sana)
Foto: Rey / Sana Sala Black Heroes pretende trazer representatividade e valorização do negro no universo geek

“Em mais de 20 anos de evento, eu notei que não tinha muito cosplay preto. Daí quando eu perguntava às pessoas negras o porquê delas não se vestirem de personagens negros, elas me respondiam dizendo que não conheciam muitos personagens assim. Foi aí que pensamos em juntar vários personagens e fazer a criação de uma sala temática”, recorda Jeff “Lobo de Wakanda”.

Entre os fundadores da Black Heroes, ele conta que esta iniciativa tem evoluído rapidamente, consolidando um legado de representatividade negras nos eventos do Ceará. "A Black Heroes não é só um grupo de amigos. É um legado. Estamos mostrando que podemos enfrentar as barreiras do preconceito e abrir caminho para muitos outros que virão", afirma.

Desde sua criação, a Black Heroes tem sido um destaque no Sana, promovendo a participação de pessoas pretas e faveladas. Jeff conta que os espaços ocupados hoje ajudam a promover um efeito profundo principalmente nos jovens, os quais conseguem se identificar facilmente com as histórias contadas nos filmes, quadrinhos e jogos. Personagens como Goku (Dragon Ball) e Naruto, por exemplo, apesar de não serem negros, têm suas histórias apropriadas e ressignificadas pelos jovens negros que enfrentam desafios semelhantes na vida real.

Personagens negros em destaque na sala temática Black Heroes(Foto: Rey / Sana)
Foto: Rey / Sana Personagens negros em destaque na sala temática Black Heroes

“A questão do Goku se esforçar, ‘se matar’ de treinar para poder enfrentar um inimigo mais forte, equivale ao jovem de favela que tá estudando para fazer um concurso; equivale a jovem favelada negra que está na faculdade atrás do diploma; está ali treinando para poder enfrentar grandes lutas e vencer”, exemplifica.

“Já o Naruto, que não tem pai nem mãe, mostra uma realidade que é a de muitos jovens negros aqui do Brasil, porque somos abandonados, temos o abandono parental ali latente na nossa vida. Isso acaba se tornando representativo, então a gente pega essas histórias como referência e aplica nas nossas vidas”, completa.

Ainda de acordo com Jeff, o aumento do interesse e participação negra no segmento também ajudou a transformar o mercado geek em algo mais acessível a empreendedores negros e periféricos. Jeff escolhe destacar a história de Aldair, mãe de Danielle Alícia, cuja a história foi narrada mais acima. Dona Aldair resolveu apostar em bonecos dos mais diversos, como Homem-Aranha, feitos de amigurumi para vender aos mais de 81 mil participantes do Sana 2024 - Parte 2.

Jeff Lobo de Wakanda é um dos criadores da sala temática Black Heroes(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Jeff Lobo de Wakanda é um dos criadores da sala temática Black Heroes

“Essa senhora, inclusive, mora na Granja Lisboa, bairro que faz parte do Grande Bom Jardim. Ela foi para o Sana e conseguiu faturar bem com o seu artesanato, com um preço que já venderia normalmente, porém agora em um espaço onde realmente poderia encontrar o público e a clientela ideal”, ressalta Jeff.

A reação do público ao se deparar com uma maior participação negra tem sido extraordinária, menciona. Mães e pais negros, por exemplo, se sensibilizam ao ver os filhos tendo acesso a referências que eles próprios não tiveram ao longo da vida. “Ver pais e mães emocionados ao mostrar essas referências aos seus filhos é algo surreal. Um jovem, quando está presente em um evento como o Sana, se sente representado e isso é muito importante para sua autoestima.”

Ao falar de futuro, Jeff comenta que Black Heroes tem planos ambiciosos. Parcerias com associações locais e a expansão de suas atividades para comunidades periféricas são apenas o começo. "Estamos planejando levar a imersão em realidade virtual com um mapa de Wakanda e um palco Afrogeek com danças urbanas para os próximos eventos", revela, apontando que essas iniciativas não apenas ampliam o alcance da Black Heroes, como também solidificam seu papel como agente de mudança no universo geek.

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