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Locadoras de videogame driblam o tempo, com alegria e nostalgia
Reportagem Seriada

Locadoras de videogame driblam o tempo, com alegria e nostalgia

Bastante populares entre os jovens durante as décadas de 1980 a 2000, as locadoras de videogame continuam a existir no Ceará, trazendo uma mistura de diversão e nostalgia. Tanto no interior do Estado quanto na periferia de Fortaleza, esses empreendimentos oferecem acesso a equipamentos de última geração a preços acessíveis. Mas será que este modelo de negócio ainda pode ser financeiramente viável?
Episódio 1

Locadoras de videogame driblam o tempo, com alegria e nostalgia

Bastante populares entre os jovens durante as décadas de 1980 a 2000, as locadoras de videogame continuam a existir no Ceará, trazendo uma mistura de diversão e nostalgia. Tanto no interior do Estado quanto na periferia de Fortaleza, esses empreendimentos oferecem acesso a equipamentos de última geração a preços acessíveis. Mas será que este modelo de negócio ainda pode ser financeiramente viável?
Episódio 1
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Em meio ao movimentado Centro de Frecheirinha, o sol escaldante que bate no asfalto de repente reflete em um verdadeiro portal de nostalgia para a comunidade gamer. Na cidade situada ao sopé da Serra da Ibiapaba, uma fachada de tons marrom e rosa anuncia um estabelecimento que conquistou milhares de fãs nas redes sociais em 2024: “Railander Games”. Esta locadora no interior do Ceará convida jogadores de todas as idades para uma viagem no tempo, rumo à era de ouro dos videogames no Nordeste.

Localizada a 283 quilômetros de Fortaleza, Frecheirinha é uma cidade com pouco mais de 15 mil habitantes, incluindo Vicente da Silva Façanha, de 51 anos. Natural de Itapebussu, Vicente ganhou o apelido de “Railander” há 20 anos, por causa do filme “Highlander - O Guerreiro Imortal”. Artista da música, ele ficou conhecido em Sobral e nas cidades vizinhas por animar festas com seu teclado, tocando desde músicas atuais até clássicos do forró.

Nos primeiros meses de 2024, Railander ganhou uma fama repentina, não pelo talento musical, mas pela ousadia de abrir uma locadora de videogames em uma época em que o acesso às telas e tecnologias está mais fácil do que nunca. Oferecendo diversão para os mais jovens e nostalgia para os mais velhos, ele tem ajudado a construir uma cultura gamer em uma cidade onde poucos sabem que, ao redor do mundo, esses jogos movimentam somas significativas de dinheiro.

Nos mesmos moldes das antigas locadoras de videogame, que até a primeira década dos anos 2000 eram verdadeiros pontos de encontro para a juventude, o empreendimento de Railander resgata a simplicidade que marcou a vida de tantos jovens. Com cadeiras de plástico posicionadas em frente a TVs conectadas a consoles, jogadores segurando controles e olhares fixos na tela, o ambiente recria uma atmosfera nostálgica.

As paredes exibem os jogos mais populares disponíveis e o vozerio que preenche o ar é acompanhado pela trilha sonora dos ruídos característicos de diversos games. Lá, crianças, jovens e adultos se tornam heróis corajosos, pilotos habilidosos e estrategistas perspicazes diante das várias TVs espalhadas pelo local. Para saborear a experiência, prateleiras repletas de doces e biscoitos e uma geladeira cheia de dindins e sorvetes que ajudam a refrescar nos momentos de calor mais intenso, dentro e fora dos jogos.

Única locadora em Frecheirinha, a Railander Games furou as bolhas das redes sociais após uma moradora da cidade publicar uma foto que exibia a entrada do local. De maneira despretensiosa, Nah Carla postou no X (antigo Twitter): “Simplesmente o novo empreendimento aqui na minha cidade, certeza vai ser um sucesso”. A publicação alcançou mais de 1 milhão de pessoas na rede, sendo curtida, comentada e recompartilhada por perfis do mundo todo.

 

 

“Eu nem sabia que esse pessoal todo tava compartilhando”, relembra Railander, fazendo um engraçado comparativo. “Como dizem, ‘o corno é o único que não sabe’. E eu fui o último a saber o que estava acontecendo”, diz, emendando uma breve gargalhada com este repórter.

Ele comenta que só foi perceber que sua locadora estava em evidência nas redes sociais após um jornalista mineiro entrar em contato solicitando uma entrevista. “Eu perguntei sobre o que era e ele respondeu: ‘Não está sabendo? O senhor está no meio do mundo’”, conta, dizendo que em um primeiro momento pensou que se tratava de um golpe. Quando se deu conta de que sua locadora conquistou milhares de corações, Railander começou a investir em mais publicações no Instagram, fazendo promoções e buscando engajamento.

Atualmente, são mais de 5 mil seguidores acompanhando o trabalho e a evolução que a Railander Games vem ganhando dia a dia. É verdade que a maioria do público que acompanha a locadora é de fora do Ceará, mas em Frecheirinha mesmo existem aqueles moradores que já reconhecem esse trabalho por causa das redes. “Eu chego nos cantos e vem gente dizer que eu estou famoso”, diverte-se.

 

Mas por que investir em um negócio aparentemente ultrapassado?

Montar uma locadora de videogames no interior do Ceará talvez não esteja no topo da lista de melhores investimentos. Mesmo quem tem experiência no ramo já chegou a franzir a testa após ouvir que Vicente “Railander” havia aberto a sua em Frecheirinha. Para o empresário, no entanto, a oportunidade só poderia acontecer em cidade parecida com aquela e com um propósito muito nobre: proporcionar que a juventude tenha acesso a equipamentos de última geração pertinho de casa.

“Há poucos dias eu estive em Sobral e encontrei uns colegas que também eram donos de locadora. Quando falei que estava com a locadora em Frecheirinha, logo me perguntaram se eu estava ficando doido”, relembra Railander, que menciona a frase mais ouvida nessas conversas: “Não dá mais” e “Não existe mais locadora”.

Crianças reunidas para jogar videogame na Railander Games(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Crianças reunidas para jogar videogame na Railander Games

O fluxo apresentado pela Railander Games e a comoção gerada por muitos dos seguidores que acompanham pelo Instagram indicam uma visão contrária. De acordo com o próprio dono, que também divide as atenções e as contas com apresentações musicais de teclado, crianças e adultos estão sempre presentes no local da hora que levanta até a hora que baixa seus portões.

Nascido em Itapebussu, na Região Metropolitana de Fortaleza, Railander viveu em Sobral de 1995 a 2019, quando precisou se mudar para Frecheirinha por causa de questões de saúde da sua esposa. Na tranquila cidade de pouco mais de 15 mil habitantes, as apresentações de teclado continuaram até que surgiu a oportunidade de rememorar os tempos de locadora. Em novembro de 2023, ele reuniu recursos próprios, comprou equipamentos e a “Railander Games” começou a tomar forma.

Se em Sobral, chegou a contar nos anos áureos com seis Playstation 2, um Playstation 3 e um Xbox 360, sua locadora recomeçou em Frecheirinha com apenas dois consoles: um Xbox 360 e um PlayStation 3. “Aí o movimento foi aumentando e eu fui comprando mais”, diz, listando todos aqueles equipamentos que já oferece aos seus clientes:

 

Conectados a TVs de tela plana, esses equipamentos estão acessíveis aos jovens frecheirinhenses a valores de R$ 5 a R$ 7, por hora.

Questionado sobre o que mudou, fora as questões físicas dos consoles e dos jogos, ao longo desses últimos anos, Railander comenta que hoje em dia muitas crianças sequer sabem “pegar direito” no controle. “Os meninos chegam e vão aprender a mexer no controle, pois vivem com o celular e não têm esse costume de jogar em locadora. Também não conhecem jogos mais antigos. Tanto é que às vezes chega o pai com o filho para jogar jogos mais antigos, aí fica naquela resenha do jogador ‘raíz’ contra o jogador ‘Nutella’”, continua.

O aspecto financeiro de parte de seus clientes também chama atenção. Railander rapidamente faz os cálculos de alguns dos seus equipamentos e constata que poucos dos jogadores que vão até ao local teriam condições de acessar tais tecnologias. “O preço de um videogame desses é quase R$ 3 mil, já uma televisão dessas é mais R$ 2,5 mil. Então seria quase impossível para vários aqui”, constata.

Vicente da Silva Façanha é conhecido como Railander, o dono de uma locadora em Frecheirinha(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Vicente da Silva Façanha é conhecido como Railander, o dono de uma locadora em Frecheirinha

O empresário conta que ainda não é possível financeiramente viver exclusivamente da locadora. Os shows de teclado continuam sendo parte essencial da renda que sustenta a família. “Tem vezes que a renda da locadora é maior do que a do teclado, tem vezes que é menor e tem vezes que empata”, diz, apontando na sequência o que mais lhe motiva a manter a locadora.

“Eu tenho aquele prazer de saber que aquela coisa com que eu trabalho não é mais importante do que o que eu ganho. Tem menino que não tem condição de pagar a taxa da locadora, mas sempre está lá, olhando. A gente sempre deixa jogar um pouquinho quando não tem ninguém jogando no aparelho. Para mim esse é um prazer que eu tenho. Não importa tanto que eu não estou ganhando ou se eu vou ganhar. O importante é a gente ver aquela alegria dos meninos jogando.”

No Instagram, diferentes seguidores já chegaram a mandar transferências bancárias de presente para os clientes da Railander. Ou seja, pessoas que depositaram quantias via PIX para a locadora para que os jogadores se divertissem sem pagar nada. “Na primeira doação, eu nem conhecia a pessoa, mas na mensagem do PIX ela comentou que era uma doação para a garotada brincar. Separamos um sábado para o pessoal passar o dia jogando”, menciona.

 


Na periferia de Fortaleza, locadora envolve comunidade em volta dos videogames

Em áreas onde o poder aquisitivo costuma ser menor, a cultura das locadoras de videogame se mostra fortalecida na vida das pessoas. Em periferias de Fortaleza, por exemplo, empreendedores transformavam espaços de suas residências em verdadeiros centros de entretenimento, reunindo uma juventude local em emocionantes disputas virtuais. Embora muitos pensem que esse modelo se extinguiu com o avançar das tecnologias e do tempo, uma locadora surge como refúgio pulsante na comunidade João Paulo II, no bairro Barroso.

Funcionando na garagem de casa, a Locadora Geek&Games é um sonho que Danilo Soares carrega desde menino. Crescendo imerso no ambiente gamer, ele recorda que seu primeiro contato com esse universo foi por meio de um Atari 2600, trazido pelo pai, Natanael Lopes. "Não sei se ele tinha pegado emprestado de alguém, só sei que eu joguei bastante nesse Atari", diz, lembrando que a sensação em casa logo depois passou a ser um Super Nintendo.

Danilo Soares é o idealizador da locadora que apresenta equipamentos de última geração a preços acessíveis a crianças de periferia em Fortaleza(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Danilo Soares é o idealizador da locadora que apresenta equipamentos de última geração a preços acessíveis a crianças de periferia em Fortaleza

Mesmo possuindo um console próprio, Danilo diz ter sido um frequentador assíduo das locadoras do bairro, onde podia acessar diferentes jogos e os consoles mais atuais da época, como o PlayStation 1 e o PlayStation 2. “Do PlayStation 3 em diante, já vem a fase adulta, quando geralmente a gente tem o dinheiro para comprar os videogames e os jogos, mas não tem o tempo de antes. Mas na época de criança, aproveitei muito”, afirma.

Ainda na adolescência, Danilo já ensaiava os primeiros passos no empreendedorismo nos jogos eletrônicos. Em 2007, abriu a primeira locadora, equipada com um dos consoles mais amados daquele período: o PlayStation 2. No entanto, problemas pessoais impediram o sucesso do negócio. “Eu bebia muito, usava toda a minha renda da semana para isso. Trabalhava de ressaca, mal-humorado e acabei fechando. Também foi quando soube que minha namorada, e hoje esposa, estava grávida”, relembra, explicando que, nesse momento, foi obrigado a vender os consoles.

Com o passar dos anos, Danilo Soares atuou em diversas frentes, desde uma pastelaria e serigrafia até uma cantina de um hospital na Cidade. Durante esse tempo, o sonho de reabrir a locadora se manteve vivo, até que em 7 de janeiro de 2019, Danilo apresentou ao mundo a Geek&Games. Localizada em uma área de extrema vulnerabilidade social, a locadora abriu as portas ao público com dois PlayStation 3 e um PlayStation 4. Hoje, já são seis consoles e um fliperama, sendo eles:

 

Para jogar na locadora, os preços são baixos, variando de R$ 0,50 por ficha no fliperama até R$ 4 por hora no PlayStation 4 ou Xbox One. Essa realidade evidencia o maior desafio a ser enfrentado por Danilo: embora ofereça entretenimento a preços acessíveis para uma comunidade menos favorecida, ele depende de um alto volume de clientes diários para manter seu negócio saudável financeiramente.

A locadora de Danilo está desde janeiro de 2019 na comunidade João Paulo II, no Barroso(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal A locadora de Danilo está desde janeiro de 2019 na comunidade João Paulo II, no Barroso

“Já me falaram diversas vezes que esses preços são muito baixos. Quando calcular o valor do aparelho, com o preço que ele tem, a manutenção, a internet, o PS Plus para jogar online (os serviços de streaming), você se assusta. Mas são custos que acabo não passando para o consumidor final, porque não adianta. É periferia, né. Também não posso deixar muito caro, porque a galera não vai ter acesso, porque o meu público são as crianças”, constata.

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Mais abaixo veja algumas estratégias para equilibrar as contas em locadoras

Aposta na nostalgia para driblar os desafios da tecnologia

A importância da Locadora Geek&Games reflete na comunidade do João Paulo II, no Barroso, especialmente entre os mais jovens que não têm um acesso tão fácil às tecnologias. Inserido em uma periferia de Fortaleza, o empreendimento proporciona que pessoas de todas as idades consigam ter à disposição equipamentos e jogos eletrônicos atualizados a preços acessíveis e abaixo do mercado.

O fliperama faz sucesso principalmente com o jogo The King of Fighters 2002(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal O fliperama faz sucesso principalmente com o jogo The King of Fighters 2002

“Muita gente me pergunta se as locadoras são como antes, e é claro que não são. Hoje, cada pessoa tem um celular nas mãos, que é como um mini videogame. Antigamente não tinha isso, para jogar tinha que ir à casa de um amigo ou à locadora. Então as locadoras viviam lotadas, porque até quando não ia jogar, a gente ia para conversar, bater um papo”, comenta Danilo Soares – apesar de ponderar que nem todos os seus clientes têm smartphone.

Justamente para tentar resgatar um maior engajamento envolta da locadora, ele afirma traçar estratégias para ultrapassar essas barreiras da comunicação. Para tanto, busca manter ativa a comunidade gamer local por meio da criação de eventos e competições dos mais diferentes jogos e plataformas.

Vale lembrar que no fliperama existe um destaque especial entre o público mais nostálgico para travar disputas acirradas, principalmente, no jogo de luta The King of Fighters 2002. Ao falar de nostalgia nos consoles, por outro lado, games como Bomberman, Sunset Riders e Super Mario também surgem entre os pedidos.

Apesar disso, a preferência da grande maioria dos clientes gira em torno de apenas três jogos mais atuais, conforme relata o proprietário da Geek&Games. Segundo ele, GTA V, Fortnite e futebol virtual são os que figuram sempre entre os mais pedidos.

“A nossa experiência é tentar reviver aquilo que a gente viveu anos atrás, aquela ‘época raiz’ das locadoras, com as pessoas conversando, interagindo e reviver aquelas recordações boas”, evidencia Danilo.

 

 

Como equilibrar as contas, cobrar preço justo e manter os valores sociais?

Empreendimentos como Railander Games e Geek&Games se notabilizam ainda hoje pelo fato de atuarem a plenos pulmões nos moldes das clássicas locadoras dos anos 2000 para trás. Com uma simplicidade organizacional e espaços improvisados para acomodar equipamentos caros e de última geração, esses negócios estão situados em regiões de baixo poder aquisitivo e, por isso, oferecem preços extremamente acessíveis.

A título de comparação, enquanto as locadoras de Vicente “Railander” e Danilo Soares cobram de R$ 0,50 a R$ 7 para que seus clientes joguem, lojas de games presentes em shoppings de Fortaleza chegam a cobrar de R$ 100 a R$ 450 pelo uso de equipamentos semelhantes. É certo que as propostas e os públicos alcançados por esses espaço são diferentes, mas uma questão surge de maneira inevitável: é possível que essas pequenas locadoras mantenham as contas em dia sem perder sua essência e razão de ser?

De acordo com o analista de negócios do Sebrae-CE Alan Girão, a resposta é positiva. Para isso, porém, a criatividade e a disposição para enfrentar desafios por meio de muitas tentativas, erros e novas tentativas são essenciais para o sucesso desses empreendimentos.

Analista de negócios do Sebrae-CE, Alan Girão comenta estratégias que podem ser adotadas por locadoras de videogame(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Analista de negócios do Sebrae-CE, Alan Girão comenta estratégias que podem ser adotadas por locadoras de videogame

Ele comenta que é necessário que os empreendedores enxerguem seus negócios como os verdadeiros investimentos que de fato são. “Uma locadora de games pode ser perfeitamente formalizada, trabalhando com alvará de funcionamento e CNPJ, o que eventualmente permitiria ao empreendimento acessar fornecedores para comprar jogos ou consoles com condições diferenciadas”, aponta.

O especialista acrescenta que seria preciso também fazer um estudo detalhado para identificar os custos envolvidos na operação, como aluguel, energia, internet, água e manutenção. Ele destaca que é crucial que os donos de locadora tenham conhecimento do preço de venda, o valor cobrado por hora, por locação de jogo ou pelo aluguel do console para uso em casa, por exemplo. Tudo tem que ser precificado com base na vida útil do produto, considerando sua depreciação e todos os custos envolvidos.

Se mesmo com tudo isso, a locadora acabar identificando que eventualmente aumentar o preço da hora poderia impactar diretamente o consumidor final, será fundamental recorrer a estratégias de marketing para manter a viabilidade do negócio. “É possível utilizar o senso de nostalgia para atrair clientes. Promover eventos, como transmissões de campeonatos de jogos, também pode estimular as pessoas a se reunirem na locadora”, sugere.

A grande questão é utilizar todas as ferramentas à disposição, incluindo aí as redes sociais, para criar uma sensação de comunidade. Para exemplificar o pensamento, Alan compara o que ocorre em países como a Coreia do Sul, onde lan houses permanecem ativas apesar do acesso a computadores domésticos ser bastante popular. Seja no país asiático, seja na periferia ou interior cearense, a ideia é fazer com que as pessoas frequentem esses estabelecimentos pela oportunidade de socializar e jogar juntas, ao passo que criam memórias afetivas.

Lan houses continuam bastante ativas na Coreia do Sul ainda hoje para as pessoas jogarem e sociabilizarem(Foto: Seoul Insiders Guide / Reprodução)
Foto: Seoul Insiders Guide / Reprodução Lan houses continuam bastante ativas na Coreia do Sul ainda hoje para as pessoas jogarem e sociabilizarem

Questionado sobre as possibilidades de incrementar empreendimentos gamers no Ceará, Alan Girão destaca duas alternativas. Uma delas é a busca por microcrédito por meio do Crediamigo, do Banco do Nordeste. O programa opera com base na confiança solidária, permitindo que empreendedores de uma mesma região, mas com expertises diferentes, apresentem propostas conjuntas para solicitar recursos. Nele, cada empreendedor pode investir individualmente em suas áreas específicas. Os setores que participam do programa são da indústria, comércio e serviços – categorias nas quais as locadoras e outros negócios de games se encaixam.

Outra oportunidade está no aconselhamento dos empreendedores com intuito de identificar e resolver eventuais gargalos em seus negócios. Para auxiliar nesse processo, o Sebrae oferece consultorias gratuitas. Através de atendimentos individualizados, os interessados se reunem com especialistas para receber orientações e estratégias personalizadas para suas realidades.

Os atendimentos são realizados presencialmente em Fortaleza, na sede do Sebrae, localizada na Avenida Monsenhor Tabosa, 777, Meireles. Para agendar um horário, basta ligar ou enviar uma mensagem pelo WhatsApp para o número 0800 570 0800. Empreendedores do interior do Ceará também têm a opção de obter atendimento online através do site da instituição (clicando aqui).

 

 

>> Ponto de vista

“A memória das locadoras serve como um lembrete do poder da interação humana”

Daniel Gularte*

A popularidade das locadoras de games no Brasil começou a crescer em meados de década de 80, com a consolidação do videogame como o principal brinquedo das crianças, notadamente o Atari da Polivox. Mas no final dos anos 80, quando surgem no País o Master System da Sega e os clones do Nintendo Entertainment System (NES) diversos fatores fizeram com que comerciantes criassem as locadoras de games.

Dentre os principais motivos que fizeram esse negócio crescer tanto foram os altos custos dos consoles e dos cartuchos de jogos, vendidos em grandes lojas de departamentos (como a Mesbla, no Centro de Fortaleza), tornando difícil para muitas famílias adquirirem esses produtos. Então as locadoras surgiram como uma solução econômica, permitindo que as pessoas alugassem jogos por períodos curtos, geralmente de um a três dias.

Daniel Gularte é pesquisador de games e CEO do Instituto Bojogá, que busca aproximar pessoas das tecnologias de jogos por meio de iniciativas inovadoras(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Daniel Gularte é pesquisador de games e CEO do Instituto Bojogá, que busca aproximar pessoas das tecnologias de jogos por meio de iniciativas inovadoras

Outro fator preponderante para que as locadoras fossem um espaço tão importante para a gamecultura brasileira era o fato delas também serem verdadeiros centros sociais. Eram locais onde os jogadores podiam se encontrar, trocar dicas, discutir sobre novos lançamentos e até mesmo formar novas amizades. Muitos jovens passavam horas nas locadoras, a partir do momento que havia também consoles disponíveis para jogar no estabelecimento ou simplesmente assistindo outras pessoas jogarem.

Dentre as inovações encontradas nestes espaços destacam-se as bombonieres, espaço de leitura com revistas da época e as próprias estações de jogos. As competições também eram uma parte significativa da cultura das locadoras. Torneios de jogos como "Street Fighter", "Mortal Kombat" e "Winning Eleven" eram eventos aguardados com ansiedade pelos assíduos frequentadores, atraindo jogadores talentosos do bairro. Esses torneios não só estimulavam a competição saudável, mas também ajudavam a elevar o nível de habilidade dos participantes.

Nos anos 2000 em diante, nota-se o declínio total das locadoras, por causa da expansão das grandes redes de lojas de varejo e a abertura do mercado para importação de jogos. A facilidade de compra, seja online ou em lojas físicas, reduziu a necessidade de alugar jogos. Além disso, o aumento das opções de entretenimento digital, como serviços de streaming e jogos para celular, competiu diretamente com o mercado de locação. Por volta dos anos 2010, a grande proliferação do marketplace online nos consoles pelos fabricantes afundou de vez o modelo das locadoras.

"Em um mundo cada vez mais digital e conectado, a memória das locadoras serve como um lembrete do poder da interação humana e da paixão compartilhada pelos jogos eletrônicos"

Embora muitas locadoras tenham fechado suas portas, o legado que deixaram é inegável. Essa cultura moldou toda uma geração de gamers no Brasil, criando um senso de comunidade e paixão que perdura até hoje, quando visitamos bairros mais periféricos onde ainda encontramos algumas garagens adaptadas de locadora. Os valores de compartilhamento, camaradagem e competição saudável construídos nesses espaços são traços marcantes que emergiram dessa época.

Além disso, a nostalgia pelas locadoras tem alimentado um renascimento do interesse por esse modelo de negócio. Em algumas cidades, novas locadoras têm surgido, focadas em oferecer uma experiência retrô, com consoles e jogos clássicos misturados com lanchonetes e bares. Esses estabelecimentos atraem não apenas jogadores veteranos em busca de nostalgia, mas também uma nova geração curiosa para experimentar os jogos que marcaram a infância de seus pais.

É inegável dizer que a cultura das locadoras no Brasil foi um fenômeno que marcou profundamente a história dos videogames no País e a forma dos jovens enxergarem os games. Elas não só democratizaram o acesso aos jogos, mas também criaram espaços de convivência e troca de experiências entre os jogadores. O impacto das locadoras de games pode ser visto nas lembranças afetivas de quem viveu essa época, nas práticas de consumo de jogos. Em um mundo cada vez mais digital e conectado, a memória das locadoras serve como um lembrete do poder da interação humana e da paixão compartilhada pelos jogos eletrônicos, algo que jamais vai mudar.

*Daniel Gularte é pesquisador de jogos, CEO do Instituto Bojogá e autor do livro “Jogos eletrônicos. 50 anos de interação e diversão”

 

>> Quer ler sobre games, acesse nossos colunista do OP+ Miguel Pontes e Wanderson Trindade

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Games como negócios

Amplo e diversificado, o universo gamer oferece uma infinidade de oportunidades. Nesse sentido, empreendedores encontraram nos jogos eletrônicos não apenas uma paixão, mas também uma fonte de sustento e de mudar realidades. A proposta desta série de reportagens é trazer narrativas de trajetórias de pessoas que transformaram o amor pelos games em negócios bem-sucedidos, unindo o espírito empreendedor ao desejo de abraçar um mercado rentável e cobiçado