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Doutor José Frota, o "médico perfeito" que dá nome ao maior hospital público do Ceará
Reportagem Seriada

Doutor José Frota, o "médico perfeito" que dá nome ao maior hospital público do Ceará

Um homem de baixa estatura mas de gigante moral entre a classe médica que, com ciência e caridade, praticou a arte de Hipócrates sem distinção. O médico José Frota dedicou a vida para melhorar os serviços de saúde em Fortaleza e deixou na memória dos cearenses a ressonância perene de seu nome
Episódio 2

Doutor José Frota, o "médico perfeito" que dá nome ao maior hospital público do Ceará

Um homem de baixa estatura mas de gigante moral entre a classe médica que, com ciência e caridade, praticou a arte de Hipócrates sem distinção. O médico José Frota dedicou a vida para melhorar os serviços de saúde em Fortaleza e deixou na memória dos cearenses a ressonância perene de seu nome
Episódio 2
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Uma fisionomia expressiva marcada pela gargalhada característica, o notável bigode e a personalidade sentimental, humilde e simples. Médico até de pijamas.

Assim era conhecido José Frota (1880 - 1959), um homem de baixa estatura mas de gigante moral entre a classe médica e a sociedade cearenses — que resolveram agradecer por suas obras com uma homenagem à altura ao batizar o maior hospital público do Ceará: o Instituto Dr. José Frota (IJF).

Com ciência e caridade, doutor Frota dedicou uma vida inteira à arte de Hipócrates para melhorar os serviços de saúde e deixou, no coração de Fortaleza, a ressonância perene de seu nome: de Assistência Municipal a Frotão, um complexo hospitalar que pulsa 24 horas de proteção à vida.

Além de diretor da Assistência Municipal, o médico José Frota foi diretor da Santa Casa de Misericórdia, da Casa de Saúde Dr. César Cals, da Maternidade Popular Dr. João Moreira, do Departamento Estadual da Criança e de Higiene Municipal(Foto: Acervo de Fernando Amora)
Foto: Acervo de Fernando Amora Além de diretor da Assistência Municipal, o médico José Frota foi diretor da Santa Casa de Misericórdia, da Casa de Saúde Dr. César Cals, da Maternidade Popular Dr. João Moreira, do Departamento Estadual da Criança e de Higiene Municipal

Destinado a marcar profundamente a medicina cearense, José Ribeiro da Frota nasceu em meio às serras de Viçosa do Ceará em 17 de junho de 1880 — mas foi um longo caminho percorrido até construir esse legado que continua a salvar vidas.

Fruto da união entre o desembargador José Gomes da Frota, do Tribunal da Relação da Província do Ceará (atual Tribunal de Justiça) e Primilívia Avelino da Silva Frota, filha do coronel Joaquim Ribeiro, de Sobral, José cresceu em uma família tradicional da região, mas foi pobre e se tornou expoente da sua classe.

Começou os estudos na Capital, que já era Fortaleza. Para os preparatórios — estudos prévios para a entrada no ensino superior —, Frota assistiu aulas na escola mais renomada daquele tempo: o Liceu do Ceará.

Foi nessa época em que ficou órfão. A mãe, Primilívia, teria sofrido uma morte repentina após a forte emoção de reencontrar uma irmã que não via há quase 30 anos e havia ido morar em outro estado.

Com a perda, o pai, desembargador José Gomes da Frota, adoeceu gravemente e buscou tratamento no Rio de Janeiro. Ao voltar com os filhos a bordo do vapor Alagoas, teria falecido na altura da costa de Pernambuco.

José Frota e o irmão, Joaquim Ribeiro da Frota, não comunicaram o falecimento do pai para que o cadáver não fosse lançado ao mar, como era de praxe à época. Foi enterrado no Ceará.

Junto de seus irmãos (não se sabe exatamente quantos), o pequeno José Frota teve como tutores o pai de desembargador Moreira, comendador José Antônio Moreira da Rocha, que era casado com Ermelinda Carolina da Silva Rocha, também filha do coronel Joaquim Ribeiro e, portanto, tia materna dos menores.

A tutela permaneceu até Nininha, a irmã mais velha de José Frota, atingir a maioridade.

O jovem José Ribeiro da Frota em foto de formatura(Foto: Acervo da Santa Casa de Misericórdia)
Foto: Acervo da Santa Casa de Misericórdia O jovem José Ribeiro da Frota em foto de formatura

Era início do século XX quando o jovem decidiu cursar Medicina.

Em razão da ausência da graduação no Ceará em 1901, viu-se obrigado a deixar o Estado para estudar na Faculdade de Medicina da Bahia, onde formou-se em 1906, quando a medicina no Brasil ainda era um campo em desenvolvimento.

Como interno, atuou no hospital Santa Izabel e assumiu a função de sócio efetivo do tradicional Grêmio dos Internos dos hospitais da Bahia.

A fim de se especializar no ramo, deslocou-se até Paris para a realização de estágio.

Também aprimorou seus conhecimentos em grandes centros europeus como Berlim e Viena, cidades que eram, na época, o epicentro do saber médico mundial.

Na Europa, foi assistente de Joaquim Bensaude "Joaquim Bensaude foi um engenheiro e historiador português. Ganhou notoriedade pelos seus estudos sobre os descobrimentos portugueses e, sobretudo, a história da ciência náutica e da astronomia no período da expansão marítima europeia." , depois seu íntimo amigo.

Sua tese de “doutoramento” versou sobre “Abcesso do fígado e seu tratamento cirúrgico”. Também era diplomado em Farmácia e dominava bem a arte de formular.

De volta ao Ceará e com a experiência médica na bagagem, Dr. José Frota montou seu consultório em Fortaleza, na farmácia de Turíbio Mota — onde, por mais de 50 anos, dedicou-se à medicina como clínico geral, ginecologista, obstetra e cirurgião.

Seu consultório não era apenas um lugar de diagnósticos, mas um ponto de referência para a população pobre, que encontrava nele um porto seguro num tempo em que não havia Sistema Único de Saúde (SUS).

Diploma de médico de doutor José Frota pela Faculdade de Medicina da Bahia(Foto: Acervo de Fernando Amora)
Foto: Acervo de Fernando Amora Diploma de médico de doutor José Frota pela Faculdade de Medicina da Bahia

Casou com a jovem Guiomar de Arruda Frota (nascida Cavalcate de Arruda) logo que o médico, em plena ascensão, chegou da Europa. Com ela teve seis filhos: Alice, Maria, José, Rita, Francisco e Mauro.

O casal teria tido uma sétima filha, batizada de Primilívia em homenagem à mãe de José Frota, mas a primogênita faleceu aos dois anos de idade.

Quem conta essa história é o advogado Fernando Frota, de 67 anos, filho de Maria e um dos netos do médico. Ele cuida de um enorme acervo com registros raros e importantes da trajetória do doutor José Frota.

Da esquerda para a direita: Francisco, Rita, José, Maria e Alice. A foto data de antes de 1929, já que o caçula, Mauro Frota, não aparece(Foto: Acervo pessoal de Fernando Amora)
Foto: Acervo pessoal de Fernando Amora Da esquerda para a direita: Francisco, Rita, José, Maria e Alice. A foto data de antes de 1929, já que o caçula, Mauro Frota, não aparece

Apesar da pouca convivência, já que o avô materno faleceu quando Fernando tinha apenas 2 anos, ele é um dos guardiões dessa memória que envolve toda a família.

O advogado usa o jargão “coisas que o tempo levou” e lamenta: “Não fosse pelo hospital que leva seu nome, ninguém mais se lembraria do meu vovô”.

Em entrevista ao O POVO+, o neto de José Frota compartilha detalhes do homem que existia para além do médico: “Vovô era um homem bom e muito caridoso que não fazia diferença com ninguém. Mesmo depois de aposentado não deixou o consultório”.

“Dizem que ele se punha, com uma caneta, a desenhar relógios no meu pulso. Acho que daí veio meu fascínio por essas máquinas que dizem as horas. Por causa dele, veio a devoção de minha mãe à Nossa Senhora. Indiretamente devo a ele isso também”, relata.

Ao apresentar uma dos registros de seu acervo, o advogado detalha a árvore genealógica: Alice casou-se com o médico Dr. Trajano Augusto de Almeida; enquanto Maria, sua mãe, casou-se com o Dr. Manoel Albano Amora, procurador-chefe da República no Ceará, professor catedrático da faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC).

José, dentista, casou-se com Maria Lourdes Vasconcelos Frota; Rita, por sua vez, fez matrimônio com o engenheiro João Firmino Ribeiro da Nóbrega.

Francisco foi casado com sua prima Maria Alice Campos de Arruda, filha do senador Edgard de Arruda, irmão de sua mãe, Guiomar. E Mauro, o caçula, casou-se com Maria de Fátima Sampaio da Frota.

Fernando lembra: “José Gomes da Frota (o “novo”, porque o pai do vovô tinha o mesmo nome, também médico, era sobrinho e foi criado como filho pelo meu avô. “Zededé”, como o chamávamos em família, é confundido às vezes como sendo o homenageado com o nome do IJF. Era o dono do Hospital Gomes da Frota/Hospital Aguanambi, que existiu em Fortaleza até os fins dos anos 90”.

Folha do bloco de receituário de médico do Dr. José Frota(Foto: Acervo de Fernando Amora)
Foto: Acervo de Fernando Amora Folha do bloco de receituário de médico do Dr. José Frota

Consagrado e exímio cirurgião, o doutor Frota foi por muitos anos a figura central do meio médico cearense, amigo da classe e introdutor de melhorias na renovação técnica dos hospitais.

Era considerado o maior cirurgião do Estado, grande chefe, orientador e mestre de elevado número de especialistas, o que o levou a escrever seu nome na história da saúde pública do Ceará.

Teve como íntimos colegas e amigos os médicos César Cals, Antônio Justa, Eliézer Studart, Manuelito Moreira e Adalberto Studart.

Foto de 1943 em almoço oferecido à classe médica onde observa-se a presença dos médicos César Cals, José Frota, Octávio Lobo e José Paracampos. Figuram também os doutores Antonio Jucá, Pontes Neto, Jose Carlos Ribeiro e Adalberto Studart (Foto: Acervo de João Otávio Lobo Neto)
Foto: Acervo de João Otávio Lobo Neto Foto de 1943 em almoço oferecido à classe médica onde observa-se a presença dos médicos César Cals, José Frota, Octávio Lobo e José Paracampos. Figuram também os doutores Antonio Jucá, Pontes Neto, Jose Carlos Ribeiro e Adalberto Studart

Como continuadores, teve os professores José Carlos Ribeiro, Galba Araújo e José Anastácio Magalhães.

Foi um dos fundadores de importantes instituições de saúde na Capital, como a Casa de Saúde Eduardo Salgado, a Maternidade Dr. João Moreira e a Casa de Saúde Dr. César Cals.

Exerceu os cargos de diretor da Assistência Municipal, da Casa de Saúde Dr. César Cals, da Maternidade Dr. João Moreira, diretor clínico da Santa Casa da Misericórdia, diretor do Departamento Estadual de Proteção à Maternidade e à Infância, fundador e presidente do Centro Médico Cearense (atual Associação Médica Cearense).

Registro da fundação do Centro Médico Cearense, em 20 de fevereiro de 1913. Em pé, da esquerda para a direita: Adalberto Studart, Raimundo Gomes, José Frota, Nelson Catunda, Alfredo Pontes, Amâncio Filomeno, Antônio Mesiano, Eliezer Studart, César Cals. Sentados estão Meton de Alencar, Eduardo Salgado, Barão de Studart, Manuelito Moreira, Costa Ribeiro e Costa Ribeiro Filho(Foto: Acervo da Santa Casa de Misericórdia/Arquivo Nirez)
Foto: Acervo da Santa Casa de Misericórdia/Arquivo Nirez Registro da fundação do Centro Médico Cearense, em 20 de fevereiro de 1913. Em pé, da esquerda para a direita: Adalberto Studart, Raimundo Gomes, José Frota, Nelson Catunda, Alfredo Pontes, Amâncio Filomeno, Antônio Mesiano, Eliezer Studart, César Cals. Sentados estão Meton de Alencar, Eduardo Salgado, Barão de Studart, Manuelito Moreira, Costa Ribeiro e Costa Ribeiro Filho

“Colocar o Dr. Frota à frente de algum empreendimento era ter a segurança do bom êxito da empresa. Todas as campanhas em benefício das casas de Caridade, da Santa Casa, de que foi diretor, das maternidades para indigentes e muitas outras entidades e obras, tiveram sempre o seu empenho e muito bem aproveitado pelo sucesso do esforço empregado”, escreveu o médico Vinicius Barros Leal em homenagem póstuma.

E acentuou: “Podemos dizer que, nos anos das décadas de 20 a 50, todas as iniciativas da área da saúde tiveram a colaboração e a diligência do Dr. Frota; especialmente as que se relacionavam com o atendimento médico de urgência”.

“A estes, dedicou os últimos anos de sua vida, procurando melhorar o Serviço de Pronto Socorro da Prefeitura que hoje leva o seu nome, tornando-o eficiente e um hospital digno de uma Capital do porte de Fortaleza”, pontuou.

Publicação datada da década de 20 mostra os médicos mais expressivos do Ceará. No centro da imagem está o Dr. José Frota, que aparenta ter cerca de 50 anos. Na montagem aparecem também dois dos seus maiores amigos de toda a vida, os médicos César Cals de Oliveira e Eliezer Studart da Fonseca(Foto: Acervo pessoal de Fernando Amora)
Foto: Acervo pessoal de Fernando Amora Publicação datada da década de 20 mostra os médicos mais expressivos do Ceará. No centro da imagem está o Dr. José Frota, que aparenta ter cerca de 50 anos. Na montagem aparecem também dois dos seus maiores amigos de toda a vida, os médicos César Cals de Oliveira e Eliezer Studart da Fonseca

Criada em 1861, a Santa Casa de Misericórdia foi um dos locais onde José Frota atuou por mais tempo. Pelos serviços prestados, tem um busto seu em bronze na praça dos Mártires (Passeio Público), rente à porta principal, instalado em 1965 como uma homenagem.

Em discurso proferido pelo procurador Manoel Albano Amora na inauguração da herma, em 10 de setembro de 1965, José Frota foi reconhecido como “médico perfeito”.

“No âmbito das limitações humanas, foi o Dr. José Frota um desses médicos perfeitos. A Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza deu o ‘grande homem e grande médico’ tudo quanto poderia oferecer a sua alma prestimosa e cristã”, disse.

 

 

E emendou: “A Misericórdia, em retribuição, inaugurou esta herma no Passeio Público a fim de que a posteridade possa contemplar a fisionomia simpática e respeitável de cearense benemérito, que as gerações pretéritas tanto admiraram”.

“O Doutor José Frota é agora um dos venerandos vultos cívicos de nossa cidade. Ornamenta, com a sua presença simbólica, o Panteão de Fortaleza. Que caiam sobre a representação escultural do seu busto, lágrimas de saudade de flores de alegria”, cravou. 

 

 

“Médico até de pijamas”

Essas realizações, no entanto, foram apenas parte do legado de Frota. Como diretor da Assistência Municipal, cargo que assumiu em 1937, ele transformou o Hospital do Pronto Socorro de Fortaleza em um dos melhores do País.

Ali, a saúde pública cearense encontrava um verdadeiro clínico-geral, que soube diagnosticar as necessidades do hospital e aplicar o tratamento correto para elevá-lo ao patamar nacional.

Nomeado pelo então prefeito Raimundo Alencar Araripe, José Frota foi o segundo diretor da história do IJF, sucedendo o médico José Deusdedit Vasconcelos.

Inauguração da "Assistência Municipal", hoje "Instituto Dr. José Frota".  Na foto, dentre outros, Dr.  Francisco de Menezes Pimentel, governador do Ceará, Dr. Raimundo de Alencar Araripe, prefeito de Fortaleza, e o organizador do hospital e seu primeiro diretor, Dr. José Ribeiro da Frota(Foto: Acervo de Fernando Amora)
Foto: Acervo de Fernando Amora Inauguração da "Assistência Municipal", hoje "Instituto Dr. José Frota". Na foto, dentre outros, Dr. Francisco de Menezes Pimentel, governador do Ceará, Dr. Raimundo de Alencar Araripe, prefeito de Fortaleza, e o organizador do hospital e seu primeiro diretor, Dr. José Ribeiro da Frota

Ainda na gestão do primeiro coordenador, quando a unidade de saúde se chamava Assistência Municipal de Fortaleza (AMF), foi lançada a pedra fundamental do Hospital de Pronto Socorro (HPS) em 1940, na rua Senador Pompeu, próximo à praça da Bandeira.

Até então, a AMF funcionava no posto anexo ao Hospital de Polícia. Antes de ser concluído o HPS, Deusdedit entregou o bastão a José Frota, que assumiu no último dia de 1937.

Já sob nova direção, inaugurou-se o Hospital de Pronto Socorro, onde se localiza até hoje, no cruzamento das ruas Senador Pompeu e Antônio Pompeu. Com um andar, a antiga fachada continua preservada.

Prédio da antiga Assistência Municipal, que deu origem ao IJF e hoje abriga o pronto-socorro do complexo hospitalar(Foto: Arquivo O POVO.Doc)
Foto: Arquivo O POVO.Doc Prédio da antiga Assistência Municipal, que deu origem ao IJF e hoje abriga o pronto-socorro do complexo hospitalar

À frente da Assistência Municipal de Fortaleza entre 1937 e 1947, doutor José Frota transformou o hospital em um dos mais respeitados do País. Sua liderança, que misturava a precisão cirúrgica com a administração, elevou os padrões de atendimento da instituição.

Frota obteve outros méritos importantes ao longo da gestão: aumentou o número de quadros da instituição e enviou equipes para realizar estágio no Rio de Janeiro e em São Paulo a fim de que se formassem cirurgiões e traumatologistas.

Foi responsável também por criar os serviços de Clínica Médica e Transfusão de Sangue na AMF. Talvez por essas e outras ações, o prefeito José Walter Cavalcante (1967-1971) tenha decidido lhe prestar homenagem.

No aeroporto do Galeão, ministro Abner de Vasconcelos foi receber Dr. José Frota, que tinha ido ao Rio de Janeiro para o casamento de seu filho Francisco. Abner e José Frota eram desses amigos "quase irmãos".(Foto: Acervo de Fernando Amora)
Foto: Acervo de Fernando Amora No aeroporto do Galeão, ministro Abner de Vasconcelos foi receber Dr. José Frota, que tinha ido ao Rio de Janeiro para o casamento de seu filho Francisco. Abner e José Frota eram desses amigos "quase irmãos".

A dedicação do médico, aliás, ia além dos horários convencionais de trabalho.

Conta-se que ele não apenas supervisionava as três trocas de plantões diárias, mas também fazia questão de estar presente, até mesmo à meia-noite, já vestido de pijama, mostrando que seu compromisso com a saúde dos pacientes não se limitava ao horário comercial.

Essa dedicação inabalável fez com que o prefeito José Walter, em 1970, renomeasse a instituição para Instituto Doutor José Frota, uma homenagem a quem tanto fez pela saúde pública cearense.

O IJF, que começou como um pequeno hospital de pronto-socorro, cresceu e se tornou o maior hospital público do Ceará.

Mesmo após sua morte, em 1º de março de 1959, aos 79 anos, o legado de José Frota continua vivo. Suas contribuições não foram apenas cirúrgicas ou administrativas; foram atos de um médico que entendeu que cuidar da saúde é, antes de tudo, um ato de amor ao próximo.

E é esse espírito que ainda circula pelos corredores do IJF, onde a sombra do antigo “matadouro” cedeu lugar ao trabalho de salvar vidas, uma missão que o médico abraçou com todo o coração.

Essa rotina extenuante, que incluía a presença diária no hospital, mesmo durante a madrugada, revela um médico que não apenas clinica, mas que vive e respira a medicina.

A vida de José Frota é também uma narrativa de sacrifício pessoal. Diziam que, por não ser capaz de dar marcha ré em seu carro, ele dependia dos filhos para dirigir até o hospital nas madrugadas.

Breve descanso durante o expediente na Maternidade Dr. João Moreira. Na imagem, os médicos José Frota e César Cals, que foram parceiros e amigos a vida inteira(Foto: Acervo da Santa Casa de Misericórdia)
Foto: Acervo da Santa Casa de Misericórdia Breve descanso durante o expediente na Maternidade Dr. João Moreira. Na imagem, os médicos José Frota e César Cals, que foram parceiros e amigos a vida inteira

Essa história, que poderia parecer um detalhe trivial, ilustra a humildade e a simplicidade de um homem que, apesar de seu brilhantismo na medicina, mantinha-se ligado ao essencial: o cuidado com seus pacientes.

Fato é que até os filhos eram obrigados a participar da empreitada noturna de José Frota. O pesquisador Geraldo Wilson da Silveira Gonçalves explica o porquê.

No livro “Assistência Municipal de Fortaleza (AMF) - primeiro quartel de século (1937 - 1962)”, de autoria de Gerardo, é revelado o segredo que José Frota talvez nunca tenha desconfiado que notassem. Ou apenas não se constrangia.

O espírito caritativo do médico José Ribeiro da Frota atingiu toda a população cearense através de seus feitos na área da saúde(Foto: Acervo de Fernando Amora)
Foto: Acervo de Fernando Amora O espírito caritativo do médico José Ribeiro da Frota atingiu toda a população cearense através de seus feitos na área da saúde

“(Ele) vinha com um filho como motorista, pois dizia-se que aquele saudoso e respeitável médico não era capaz de dar "marcha ré" da garagem, que ficava aos fundos da casa, pela rua Pedro I. Aquele ‘luxo’ ele nunca teve nos trajetos diurnos, se bem que houvesse no quadro de motoristas quem lhe pudesse servir como tal”, diz o texto.

No depoimento de Gonçalves sobre as idas de Frota nos três plantões diários, não há detalhes sobre possível revezamento da função de motorista entre os seis filhos que teve com Guiomar de Arruda Frota: Alice, Maria, José, Rita, Francisco e Mauro.

As informações dispostas nesta reportagem são fruto de entrevistas com familiares, pesquisas no acervo O POVO.Doc e trechos dos livros do pesquisador Gonçalves (1999) e da jornalista Juliana Diógenes (“IJF: histórias despercebidas de um hospital”, de 2013).

Se a medicina é uma arte, Dr. José Frota foi, sem dúvida, um dos seus maiores mestres. Com precisão cirúrgica e um coração dedicado, ele não apenas curou corpos, mas também tocou almas, deixando uma marca indelével na história da saúde pública do Ceará.

O hospital que hoje carrega seu nome é mais que uma homenagem; é um testemunho vivo de sua contribuição, uma extensão de sua prática e de sua vida dedicada ao bem-estar do próximo.

Um texto intitulado “A morte de um benfeitor”, do ministro do Tribunal Federal de Recursos, Abner de Vasconcelos, narra: “Está de luto profundo a família cearense, que deve ao grande médico uma fecunda assistência num período superior a cinquenta anos”.

“Não sabia distinguir entre os categorizados da sociedade e os pobres. Certa vez foi encontrado ao meio-dia de um ardente domingo de sol na enfermaria dos indigentes da Santa Casa, alagado em suor, tentando vencer, num longo esforço, a relutante paralisia abdominal de um doente anônimo. E se assim não o fizesse, a sua delicada consciência não o deixaria tranquilo”, continua o texto.

Abner recorda “de outra feita, um amigo que estava com um filho acidentado a duzentos quilômetros de distância, pediu-lhe a indicação de remédios de emergência, para ir buscá-lo num trem expresso. O magnânimo médico o satisfez, mas na hora da partida lá estava, de bolsa à mão, para seguir também, a fim de melhor poder ser útil à vítima naquele transe crítico”.

 

 
Ponto de vista

José Frota: médico e benemérito

Por Vladimir Spinelli*

Os cearenses devemos todos nos orgulhar deste médico humanitário e de larga visão, Dr. José Frota, nascido em 17 de junho de 1880, tendo vivido até 10 de março de 1959, espaço de tempo em que se destacou como um dos grandes nomes da medicina cearense.

Formado em 24 de dezembro de 1906, na Bahia, um dos destinos mais importantes à época para os que abraçavam essa nobre profissão, Dr. José Frota voltou ao Ceará para iniciar um belo capítulo para a área da Saúde.

Já no Ceará, em 1912 ingressou na Santa Casa de Fortaleza, onde exerceu a profissão nas especialidades de clínico geral, ginecologista, obstetra e cirurgião, além de assumir, em 1928 a vice-diretoria da Casa de Saúde Dr. César Cals, à época pertencente à Santa Casa.

José Frota obteve outros méritos importantes ao longo da gestão, como o aumento do número de quadros da instituição e o envio equipes para realizar estágio no Rio de Janeiro e em São Paulo a fim de que se formassem cirurgiões e traumatologistas(Foto: Acervo de Fernando Amora)
Foto: Acervo de Fernando Amora José Frota obteve outros méritos importantes ao longo da gestão, como o aumento do número de quadros da instituição e o envio equipes para realizar estágio no Rio de Janeiro e em São Paulo a fim de que se formassem cirurgiões e traumatologistas

Amigo, sócio e parceiro de nomes como Dr. César Cals e Dr. Manoelito Moreira, com este fundou a Maternidade Dr. João Moreira, em 15 de março de 1915 e que funcionou muitos anos vinculada à Santa Casa de Fortaleza, à época sob a gestão do Provedor Dom Manoel da Silva Gomes.

No período de 1947 a 1959, o Dr. José Frota assumiu como diretor da Santa Casa de Fortaleza, emprestando toda a sua energia, inteligência e comprometimento com a saúde em benefício desta instituição, legado até hoje reverenciado por todos nós.

A sua vontade de servir foi o que o levou a participar, de forma ativa, na criação, em 1936, da Assistência Municipal de Fortaleza, que em 1970 passou a denominar-se Instituto José Frota e é hoje referência nacional em atendimentos de alta complexidade a traumas graves e queimaduras.

Esta é uma das merecidas homenagens legadas a esse notável cidadão, cuja propensão em servir merece todas as honras, mercê de tanta dedicação aos mais carentes, de forma humanitária, além do olhar para o desenvolvimento da medicina em nosso Estado.

Ao Dr. José Frota, as honras merecidas.

*O administrador Vladimir Spinelli Chagas é provedor-geral da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, vice-presidente da Academia Cearense de Administração (Acad) e professor aposentado da Universidade Estadual do Ceará (Uece). É também articulista do O POVO

 

 

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No terceiro episódio dessa série de reportagens sobre o Instituto Dr. José Frota (IJF), especialistas, ex-funcionários, atuais colaboradores e pacientes analisam a inserção do complexo hospitalar na Cidade. Dentro do maior hospital público do Ceará, O POVO+ mostra como a saúde é atravessada pela violência urbana.

 

 

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