“Faria tudo de novo e me orgulho do que fiz”: assim teria dito o jovem João Nogueira Jucá ao pai, o desembargador José Jucá, em seu leito de morte. Em 11 de agosto de 1959, o estudante de 17 anos ficou imortalizado como herói — dias depois de entrar no incêndio que atingiu a Casa de Saúde César Cals (hoje Hospital Geral Dr. César Cals) para resgatar pacientes, acompanhantes e funcionários.
Mesmo fragilizado, ele encarou as chamas por diversas vezes e salvou vidas incansavelmente até o momento em que um tubo de oxigênio explodiu ao seu lado e o atingiu.
A bravura do jovem, que tinha o sonho de ser oficial da Marinha do Brasil,
Com 80% do corpo queimado, João Nogueira Jucá foi levado junto com outras vítimas para a Assistência Municipal de Fortaleza (AMF), onde faleceu.
Àquela altura, o pequeno hospital no Centro de Fortaleza já era o principal destino para o tratamento de queimados de toda a região — quando o uso pioneiro da pele de tilápia na recuperação de queimaduras ainda nem pensava em existir.
Em funcionamento desde 1936, o edifício baixo na chamada “Pompéia” — esquina entre Senador Pompeu e Antônio Pompeu — hoje fica quase escondido diante da magnitude do que veio depois.
Com o crescimento da população e a expansão urbana da Capital, novas demandas por especialidades médicas cada vez mais complexas aumentaram a necessidade de um hospital de grande porte.
A chegada de novas indústrias e o aumento do número de veículos, por exemplo, fizeram as estatísticas de acidentes aumentarem.
Assim, décadas depois, a pequena Assistência Municipal fez levantar e consolidar-se como referência o gigante Instituto Dr. José Frota (IJF), conhecido mundialmente pelo socorro às vítimas de traumas de alta complexidade como fraturas múltiplas, lesões vasculares e neurológicas graves, queimaduras e intoxicações.
O nome foi uma homenagem do prefeito José Walter ao prestigiado médico José Ribeiro da Frota, que foi diretor da AMF e dedicou dias e noites à unidade de saúde da qual era vizinho. Walter idealizou a mudança de nomenclatura ainda em 1970, quando o instituto recebeu o título de autarquia municipal.
A administração do prefeito Juraci Magalhães fez surgir o prédio que hoje abriga suas dependências, cravado no número 1816 da rua Barão do Rio Branco, concluído e inaugurado em 1993 pelo prefeito
Naquela época começavam as primeiras iniciativas para o município assumir as suas responsabilidades na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela Constituição de 1988.
Linha do tempo
Ao O POVO+, Cambraia narra o que testemunhou da inauguração do maior centro médico de urgência e emergência de nível terciário da rede de saúde pública de Fortaleza.
“A velha Assistência Municipal, muito antes da construção do novo IJF, sempre prestou relevantes serviços à população de Fortaleza e de grande parte do Estado do Ceará. No passado estive algumas vezes, poucas, na Assistência Municipal, acompanhando pessoas, quer da família, quer pessoas amigas”, conta.
E segue: “Uma delas me marcou muito, quando presenciei e tive a consciência da precariedade dos atendimentos naquele hospital, ao chegar, num jeep, uma pessoa acidentada e ser retirada do veículo pelos seus acompanhantes, segurando pelas pernas e braços de uma forma muito degradante. Mas era, à época, o único hospital de urgência e emergência”.
“O novo IJF foi uma inspiração do prefeito Juraci Magalhães que tive a ventura, na qualidade de prefeito de Fortaleza, de concluir. Quando assumi a gestão da municipalidade, as obras estavam construídas em torno de 40%. Tive a missão de equipar e por para funcionar dentro de uma nova concepção, com a ampliação e estruturação de novas equipes, destacando-se a unidade de queimados, ocupando um andar inteiro do hospital e que tem prestado um inestimável atendimento nessa área”, detalha.
Ao reconhecer a importância do complexo hospitalar para a saúde da população cearense, o ex-prefeito sabia que “a Prefeitura teria grande dificuldade de ordem financeira para mantê-lo, por se tratar de um hospital responsável pelo atendimento à saúde de alta complexidade, com elevados custos para a sua manutenção”.
“Eu tinha a consciência de que iria necessitar da ajuda e colaboração não só dos governos federal e estadual, mas de toda a sociedade civil”, recorda.
Cambraia destaca a grande preocupação que era a viabilidade financeira do empreendimento, “haja vista o aumento de custos com a saúde que certamente adviriam nessa nova fase do hospital. Infelizmente esse problema permanece ainda hoje. Os recursos disponíveis não são suficientes para uma melhor prestação dos serviços de saúde à população”.
O então prefeito passou a convidar grupos de representantes de segmentos da sociedade para visitarem as obras em andamento, oportunidade em que eram dadas informações sobre o estágio da construção e também sobre as características do funcionamento do hospital e dos custos que adviriam com a sua manutenção.
Toda semana era convidado um grupo: “convidamos profissionais da imprensa, empresários, reitores das universidades e professores, vereadores, deputados estaduais, representantes do Judiciário, Forças Armadas, o que foi muito significativo para conhecerem o esforço da Prefeitura em prestar melhores serviços à população”.
No 7 de outubro de 1993 o novo IJF foi inaugurado com a presença do então ministro da Saúde, Henrique Santilho, e de outras autoridades políticas, dentre elas o governador Ciro Gomes, o senador Mauro Benevides, o ex-prefeito Juraci Magalhães, mentor da construção do novo hospital, e demais autoridades médicas, empresariais e imprensa.
“A construção de um hospital de emergência, com a excelência do novo IJF, certamente aumentaria a demanda, até pelo passivo existente. Isto, logo no início ficou constatado, tanto é que ainda na nossa administração foi construído novo prédio, anexo, com a ampliação de mais 40 leitos”, coloca.
Cambraia ressalta que “as administrações que se seguiram promoveram novas ampliações, mas, infelizmente, mesmo com o crescimento do sistema de saúde, com o funcionamento de outros hospitais públicos e privados e unidades de atendimento de urgência e emergência, o atendimento de saúde ainda é muito precário”.
“Mas o IJF, com toda a precariedade, ainda é o melhor hospital de emergência de nossa Cidade, especialmente no que diz respeito ao atendimento dos casos de grandes traumas e de alta complexidade”, acrescenta o ex-prefeito.
Na opinião de Cambraia, “A criação do Sistema Único de Saúde foi uma das iniciativas mais benfazejas que se adotou neste País. Pena que financeiramente o Sistema não se mantenha, haja vista a baixa remuneração dos serviços de saúde”.
Para ele, isso desestimula a participação da iniciativa privada e “deixa em grandes dificuldades financeiras as entidades filantrópicas que se propõem a atuar na área da saúde, a exemplo da Santa Casa de Fortaleza e os próprios entes públicos que se veem obrigados a utilizar recursos próprios do tesouro”.
“Além dos obrigatoriamente constitucionais para complementar o custeio da saúde e, mesmo assim, os serviços públicos de saúde deixam muito a desejar”, prossegue.
Oriundo da Assistência Municipal, o Instituto Dr. José Frota (IJF) está ligado à história de Fortaleza. Para mantê-la, inclusive, foi uma determinação de Juraci Magalhães preservar a construção antiga e o prédio vizinho, do
O projeto arquitetônico do complexo hospitalar ficou a cargo da empresa Projetos e Pesquisas em Arquitetura e Urbanismo (PPAU) e a parte de engenharia foi liderada pela firma Consig Engenharia, uma empresa da Bahia de propriedade do Banco Econômico.
O diretor-geral do projeto foi o arquiteto José Sales Costa Filho, que já era conhecido por desenhar projetos de maior complexidade e foi convidado pelo então prefeito.
Além dele, que hoje é professor do departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (Daud/UFC), participaram da concepção do IJF os arquitetos e urbanistas Marcondes Araújo Lima, Ricardo Werther, Robledo Valente Duarte, Antonio Medina, Láutia Feitosa e Esdras Fernandes.
As instalações elétricas e hidrosanitárias ficaram a cargo do engenheiro Antonio Marcus T. Botto, enquanto as de ar-condicionado foram responsabilidade do engenheiro Evanoir Romário Vago. Já os cálculos estruturais foram realizados pelos engenheiros Marcelo Silveira e Denise Jucá Silveira.
A obra previa uma população usuária acima de 5 mil pessoas por dia, o que incluía 1,3 mil atendimentos acrescidos de 1,5 mil acompanhantes e 2 mil funcionários, além dos fornecedores em uma rotina hospitalar intensa.
A exigência principal imposta pela Prefeitura era que o conjunto mantivesse sua localização tradicional e compusesse uma grande reforma de suas instalações.
O que resultou em 31 mil m² de complexo e uma consolidação realizada em sete etapas, ao longo dos anos de 1991 e 2001.
Foram instalados novos blocos compostos com as situações existentes, que incluíram a preservação de edificação histórica e compuseram um resultado singular.
As adequações foram baseadas em alta tecnologia, prevendo procedimentos médicos de ponta.
O conceito estrutural utilizou-se de grandes vãos em concreto protendido, já que, em alguns casos, a demanda de pavimento alcançava 2 mil m².
O partido arquitetônico adotado ao complexo o definiu não só como um equipamento social, mas também como conjunto de alta qualidade plástica que busca superar o conceito de lugar hospital como lugar traumático: as formas, a cor, a luz e os materiais componentes fundamentais.
“Sem esses instrumentos/soluções seríamos órfãos de ideias. Não concebemos o hospital tão somente como um equipamento social, mas como um conjunto edificado de alta qualidade plástica na busca da superação do conceito de lugar traumático que um equipamento de tratamento de trauma traz ao usuário e seus familiares”, diz o projeto do escritório ao qual O POVO+ teve acesso.
Conforme relembra o arquiteto José Sales em entrevista ao O POVO+, cada espaço foi cuidadosamente planejado para se adaptar às funções.
“A equipe chegou a abrir mão de pilares internos, ficando cada andar com vãos livres de 1.300 metros. Desse modo, os espaços poderiam ser trabalhados com mais liberdade, da maneira que ditassem as necessidades”, detalha.
Aos 75 anos, José Sales faz as contas: “O IJF foi um pedaço da minha vida. Eu trabalhei lá por 10 anos e tenho quase 50 anos de profissão, então foi um quinto da minha vida profissional dedicado a esse hospital”.
“O doutor Juraci Magalhães disse que precisava de um edifício hospitalar de referência. A gente foi atrás de pessoas que entendiam de estrutura hospitalar em São Paulo, fomos entender como funcionava a dinâmica hospitalar porque aquele não seria um hospital normal, seria um edifício inteiro de atendimento a traumas complexos, urgência e emergência”, conta.
A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) foi projetada como um grande salão com setores, uma espécie de rosácea que funcionava separada de outros núcleos, segundo Sales.
“A gente tinha a unidade de queimados em um pavimento, o pronto-socorro em outro, o centro cirúrgico, a parte de esterilização, a residência médica, que até então não existia e foi outra exigência do Doutor Juraci. O prédio precisava ter acessos e posteriormente um espaço separado para armazenamento de insumos, farmácia, setor administrativo, refeitório, estacionamento”, lembra.
A ideia de planejar verticalmente veio para suprir a falta de espaço na horizontal e o
“Era para ter um heliponto, mas ele não foi feito por problemas de economia e depois fizeram aquela gaiola horrorosa que foi projeto de outro arquiteto sem consultoria técnica, já sob outra administração e que só serve de enfeite. O que deveria ter sido feito era um prato de concreto arredondado, maior que o prédio”, explica.
Ainda segundo o professor, “aquele edifício foi excepcional em termos construtivos, porque era em concreto protendido, não tem vigas, só tem pilares externos que ficam lá, porque cada andar é diferente do outro. A gente achou também que deveria colocar cores para diferenciar o hospital e que dentro não deveria ser aquele negócio branco, como é o IJF 2, por exemplo”.
Em 2012, como mostra a imagem ao lado, o prédio da antiga Assistência Municipal de Fortaleza foi incorporado ao gigante IJF (que até então era composto por um único prédio)
Uma década depois, a paisagem sofreu alterações. No local onde antes havia a continuação da rua Antonio Pompeu foi construída uma passarela para ligar o IJF 1 ao 2, prédio erguido onde antes funcionava um estacionamento
O arquiteto rememora que todas as etapas do projeto eram acompanhadas pelo doutor Petrônio Leitão, diretor-geral do instituto na época.
“Ele também trabalhou na concepção, precisava mostrar tudo para ele. Certo dia a gente estava lá, e eu sempre estava lá, dia e noite, e começou a chegar ambulância. O sujeito disse que mandaram trazer o traumatizado porque o hospital ia começar a funcionar. O doutor Juraci tinha determinado que ia começar a funcionar. Aí eu sentei no chão e comecei a chorar. Eu não sabia se era de pavor ou porque estava entrando em funcionamento. Foi muito impactante para a minha vida, para a minha formação de arquiteto”, adiciona.
José Sales arremata: “Minha filha levou uma queda no Colégio Batista e abriu um rasgo na testa. Só existiu o ‘Zé Frota’. Nenhum hospital de atendimento a criança adolescente. Lá fizeram a cirurgia de sutura e ao mesmo tempo se fez uma cirurgia de reparação para não ficar a marca. Os médicos de alta capacidade todos passam pelo IJF. Lá estão os melhores especialistas que nós temos”.
No segundo episódio dessa série de reportagens do O POVO+ sobre o Instituto Dr. José Frota (IJF), conheça a história de José Ribeiro da Frota, o “médico perfeito” que dá nome ao maior hospital público do Ceará.
"Oie :) Aqui é Karyne Lane, repórter do OP+. Te convido a deixar sua opinião sobre esse conteúdo lá embaixo, nos comentários. Até a próxima!"
Série de reportagens passeia pela história do hospital IJF, ícone urbano de assistência à saúde, e investiga suas conexões com a cidade e a política da Capital