No último episódio da série de reportagens do O POVO+ sobre o Instituto Doutor José Frota (IJF), a gestão hospitalar encara um cenário de avanços e desafios. É o que revela a entrevista com o cirurgião e traumatologista bucomaxilofacial José Maria Sampaio Menezes Junior, superintendente da unidade.
Suas ações buscam uma maior integração entre áreas de gestão e assistência, além de uma estratégia de redistribuição de pacientes entre hospitais secundários, visando a reduzir a sobrecarga do IJF.
Outro ponto crucial é a segurança institucional, aprimorada, de acordo com o gestor, por novas tecnologias e a parceria com órgãos de segurança pública em resposta ao aumento de violência — que se apresentam tanto externa quanto internamente ao maior hospital público do Ceará.
Além disso, a entrevista aborda a situação do heliponto do IJF e o desafio de manter insumos e a equipe com condições de trabalho adequadas.
O superintendente também reflete sobre o futuro, prevendo a necessidade de descentralizar atendimentos e ajustar as fontes de financiamento para garantir que o Instituto continue sendo referência no atendimento de alta complexidade.
Esse episódio final traça um panorama das complexidades e das soluções em curso, ressaltando o papel fundamental do IJF na rede de saúde e suas estratégias para enfrentar a crescente demanda.
Acompanhe a seguir, na íntegra, a entrevista do superintendente ao O POVO+.
O POVO + — Logo que assumiu o cargo de superintendente, o senhor mencionou que não pretendia realizar mudanças na equipe de assistência, mas que ajustes seriam feitos no setor administrativo devido a diferenças de pensamento. Até o momento, quais as principais áreas têm sido ajustadas na administração do IJF e como essas mudanças têm impactado ou irão impactar o funcionamento geral do hospital?
José Maria — Fizemos exatamente isso: não realizamos mudanças na equipe assistencial, visto que o IJF oferece à sociedade cearense a melhor e mais qualificada equipe multiprofissional para atender ao seu principal objetivo, que é o cuidado ao paciente vítima de traumatismos graves e de alta complexidade.
Na gestão das rotinas de trabalho, alinhamos as áreas de atuação e reforçamos a integração dentro da nossa ampla estrutura: o setor administrativo, com sua expertise e conhecimento técnico de gestão, e os setores assistenciais, voltados ao atendimento direto ao público. Intensificamos a sinergia entre eles, ajustando a atuação dos profissionais às suas competências e especializações.
Ademais, por meio de ampla cooperação com outros órgãos do Executivo municipal, desenvolvemos novas ferramentas e estratégias para o avanço no controle orçamentário-financeiro, na organização dos fluxos e na melhor estruturação funcional.
Com isso, aperfeiçoamos setores gerenciais, tais como o Núcleo de Planejamento, Orçamento e Gestão, a Central de Licitações e Contratos, o Núcleo de Controle de Órteses, Próteses e Materiais Especiais, além de subnúcleos no Almoxarifado e na Farmácia, aprimorando processos e controlando custos e consumos.
O impacto dessas ações é visível no dia a dia da instituição. A direção do hospital dispõe das ferramentas necessárias para a aquisição de insumos e serviços imprescindíveis à assistência aos pacientes.
O IJF conta com fluxos internos bem estabelecidos, pensados para dar o suporte necessário à sua dinâmica de funcionamento e atender às necessidades reais do ponto de vista financeiro e de recursos humanos.
OP+ — Um dos seus objetivos para 2024 era a redistribuição de pacientes e a ampliação da rede de assistência nos hospitais secundários. Como tem ocorrido a implementação dessa redistribuição e qual é o impacto esperado na redução da sobrecarga do IJF?
José Maria — Seguimos estreitamente interligados à Rede de Urgência e Emergência de Fortaleza e Região Metropolitana para garantir que a população possa contar com o melhor atendimento, no local correto, no menor tempo possível e mais próximo de casa.
Nesse contexto, o perfilamento dos pacientes torna-se imperativo para que as vítimas de grandes traumatismos tenham o IJF como referência de socorro rápido e eficiente.
Para isso, estamos em permanente alinhamento com os demais hospitais da rede municipal, com os Serviços de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192) de Fortaleza e do Ceará e com a Central de Regulação do Estado, para que os atendimentos emergenciais e as transferências ocorram conforme o perfil e as necessidades de cada paciente.
Analisamos uma tendência bastante positiva e estamos otimistas em relação à estratégia adotada em Fortaleza, mas seguimos atentos às constantes demandas dos demais municípios, que historicamente, pela falta de interesse na estruturação de uma rede assistencial regionalizada no interior do Estado, continuam sobrecarregando as unidades de atendimento na Capital.
Outro fator importante são os investimentos da Prefeitura de Fortaleza na prevenção de acidentes e na promoção da segurança viária, que têm reflexo direto na redução das hospitalizações e mortes.
No entanto, esses investimentos infelizmente não são implantados em outras cidades, algumas até de grande porte, especialmente no que diz respeito à educação, fiscalização e infraestrutura de trânsito.
"Para o hospital, eles (pacientes custodiados) são usuários, com todas as suas garantias legais, sem privilégios ou impedimentos à devida assistência"
OP+ — A segurança no IJF é uma questão crítica, principalmente após como o homicídio ocorrido no refeitório do hospital. Quais medidas concretas estão sendo tomadas para melhorar a segurança no IJF, tanto para os pacientes quanto para os profissionais de saúde?
José Maria — A insegurança é uma questão crítica em todo o Estado e, infelizmente, está presente nas ruas, nas escolas, nos estádios de futebol, nas casas de show, nas praias, nas praças, nos shoppings e nas residências.
Como um termômetro social, observamos o aumento da violência na rotina de acolhimentos na Emergência. Os dados são alarmantes e indicam um crescimento no número de atendimentos a pacientes e na gravidade das lesões causadas por armas de fogo, esfaqueamentos e espancamentos.
Nos últimos meses, um terço dos pacientes que chegaram ao hospital sofreu algum tipo de agressão. Esses números refletem a grave situação de vulnerabilidade que enfrentamos, a qual também afeta instituições públicas e privadas.
Diante disso, muito tem sido feito no IJF para garantir o conforto e a tranquilidade dos nossos usuários e funcionários, desde mudanças arquitetônicas até alterações nos controles de acesso e permanência nas áreas de atendimento, que contabilizam um fluxo diário de aproximadamente 5 mil pessoas.
A Prefeitura Municipal de Fortaleza criou e empossou a nova Gerência de Segurança Institucional do IJF, com um quadro de profissionais qualificados para atuação no local, além de disponibilizar um batalhão da Guarda Municipal dedicado ao hospital e às áreas do entorno.
Além disso, novas estratégias e tecnologias vêm sendo implantadas, como a ampliação do sistema de videomonitoramento e o patrulhamento das unidades de internação.
Atualmente, mais de 100 profissionais atuam direta e indiretamente na preservação da nossa segurança interna, em regime de plantão permanente.
OP+ — Como o senhor já comentou algumas vezes, muitos dos problemas enfrentados pelo IJF refletem questões urbanas mais amplas, como a violência no trânsito e a própria violência urbana. Como o hospital tem se articulado com as forças de segurança pública para mitigar esses desafios? E quais soluções o senhor acredita que precisam ser implementadas a curto e longo prazo?
José Maria — A principal integração do IJF é com a Secretaria Municipal da Segurança Cidadã (Sesec), por meio da Guarda Municipal de Fortaleza (GMF).
No entanto, temos buscado uma maior articulação com os órgãos de controle e repressão do Estado, como a Polícia Militar do Ceará, a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização, e, mais recentemente, estreitamos a colaboração mútua com a Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) por meio de um Acordo de Colaboração Técnica firmado para a facilitação da identificação de pacientes sem documentação e para a coleta de vestígios de interesse criminal, como amostras balísticas e biológicas.
Internamente, contamos com comissões especiais para o atendimento qualificado e humanizado às vítimas de violência, principalmente mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiência, que são assistidas por nossas equipes multiprofissionais, compostas por assistentes sociais, psicólogos, médicos, enfermeiros e até advogados, visando um atendimento integral, além da assistência clínica e cirúrgica necessária.
Quando necessário, os demais órgãos envolvidos na rede de proteção são acionados, como a Defensoria Pública e o Conselho Tutelar.
Dentro de sua missão como orientador e fomentador de políticas públicas, o IJF também atua, por exemplo, na pesquisa e análise de dados sobre segurança viária com base no perfil dos pacientes acolhidos, por meio do Núcleo Hospitalar de Epidemiologia, que colabora com a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) para a implementação de estratégias de educação, fiscalização e infraestrutura nas ruas e avenidas de Fortaleza.
Essas e outras iniciativas têm como principal objetivo a ampliação dos meios para a promoção da saúde da população, garantindo o direito básico de proteção à vida, por meio da identificação de situações de vulnerabilidade e apoio na contenção de possíveis ameaças.
OP+ — O senhor pode falar sobre o grupo de trabalho "Mais Segurança IJF" e quais são as metas estabelecidas para melhorar a segurança no hospital? Como esse grupo tem atuado para identificar e solucionar os principais pontos de vulnerabilidade no IJF?
José Maria — Trata-se de um conjunto de ações que visa alterações estruturais na arquitetura do hospital, bem como mudanças comportamentais, ou seja, na forma como os usuários e os funcionários percebem e utilizam esse equipamento público.
Realizamos mudanças nas áreas e processos de entrada e saída do hospital, com a instalação de novas catracas e portões, além da fiscalização e contenção de possíveis riscos.
Diversas alterações tecnológicas continuam sendo implementadas para o avanço das estratégias de segurança e vigilância interna.
A Gerência Institucional do IJF realiza, inclusive, ações de orientação e patrulhamento constantes, além de promover conversas diárias com funcionários e usuários, para que todos, de forma colaborativa, mantenham e valorizem um ambiente confortável para a cura e o trabalho.
OP+ — Com a crescente o aumento de casos de pacientes custodiados, como o IJF tem gerenciado a presença desses pacientes no hospital?
José Maria — É importante destacar que a responsabilidade pela custódia desses pacientes, de acordo com cada caso, é das Polícias Militar, Civil e Federal ou da Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização do Ceará (SAP).
Para o hospital, eles são usuários, com todas as suas garantias legais, sem privilégios ou impedimentos à devida assistência.
No entanto, cientes do desconforto gerado pelas possíveis vulnerabilidades nas rotinas de atendimento, estamos em constante contato com os órgãos responsáveis para garantir que a presença de acusados e apenados não represente uma fragilização da segurança dos demais usuários e funcionários, e que a permanência desses pacientes no hospital não dure mais do que o necessário.
Algumas unidades prisionais, por exemplo, contam com estrutura para o acompanhamento pré e pós-hospitalar, não sendo relativamente necessária a internação de custodiados por longos períodos.
OP+ — Em relação ao polêmico heliponto, existe alguma previsão de desativação ou reativação do seu pleno funcionamento? Atualmente, quais os serviços de manutenção que ele demanda e quanto isso custa para o hospital?
José Maria — Do ponto de vista estrutural, o heliponto está íntegro. Ele segue em processo de manutenção corretiva e preventiva, sendo assistido pela Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinf) para garantir o uso do equipamento dentro dos melhores protocolos e processos de qualidade.
Além disso, estamos analisando as fontes de custeio para seu funcionamento, de acordo com o perfil de acolhimento.
Outra grande obra executada pela Seinf no IJF ocorre no quinto andar do bloco principal, que está sendo totalmente reestruturado para a instalação de novas Unidades de Terapia Intensiva (UTI).
A reforma e modernização, a primeira desde a abertura da estrutura, em 1994, está sendo totalmente custeada pela Prefeitura.
OP+ — Funcionários do hospital têm denunciado problemas recorrentes, como falta de insumos básicos, não observância do dimensionamento profissional e sobrecarga de trabalho. Como a sua gestão está abordando essas questões e quais ações estão sendo tomadas para garantir condições de trabalho adequadas para os profissionais do IJF?
José Maria — Considerando a dimensão do IJF, que conta com 665 leitos de internação, 60 leitos de UTI, 20 salas de cirurgia, um dos maiores centros de diagnóstico por imagem, análise laboratorial e esterilização de materiais entre todas as unidades de saúde públicas e privadas do Ceará, os desafios são constantes.
Eles envolvem tanto o fornecimento de insumos quanto a manutenção corretiva e preventiva dos equipamentos e áreas de atendimento.
Porém, o maior desafio é garantir a plena atuação de um dos mais capacitados e competentes quadros de profissionais do Estado, composto por cerca de 5 mil servidores e prestadores de serviço, sem qualquer falha ou atraso na folha de pagamento.
A atenção é constante para que todas as engrenagens desses complexos sistemas funcionem de forma alinhada e eficiente.
Com o apoio de diversos órgãos da Prefeitura de Fortaleza, avançamos muito no desenvolvimento de novas ferramentas para melhor controle orçamentário e gerenciamento das necessidades do hospital em tempo real.
Por conta disso, situações imprevistas, como a falta pontual de algum suprimento devido a falhas na entrega pelo contratante ou à dificuldade do fornecedor em atender a grande demanda de algum item, são prontamente contornadas, dentro dos critérios legais, para que não ocorram interrupções na rotina de atendimentos.
Seguindo a mesma linha de cuidado com o equilíbrio orçamentário e atenção à legislação, já foram convocados cerca de 550 aprovados em concursos públicos para diversos cargos de nível médio e superior.
Foram 171 posses para enfermagem, 136 para técnicos de enfermagem, 67 médicos, 40 fisioterapeutas, 47 para outros cargos de nível técnico, 20 assistentes sociais, 15 psicólogos, 12 cirurgiões dentistas, 11 terapeutas ocupacionais, 10 farmacêuticos, 9 nutricionistas, 6 fonoaudiólogos e 3 advogados.
OP+ — Quais são os principais desafios que o senhor prevê para o IJF e quais serão suas prioridades para garantir que o hospital continue a atender as demandas da população com eficiência e segurança?
José Maria — Os dois principais desafios da instituição, para mim, são claros: a efetivação do perfil de atendimentos e o aumento dos valores e fontes de financiamento do hospital.
O IJF é um hospital municipal com abrangência regional, e é essencial que os atendimentos sejam descentralizados para evitar que o acolhimento de casos de menor complexidade, inclusive vindos de outros estados, cause estrangulamento nos nossos fluxos de atendimento.
Estamos preparados e estruturados para socorrer pacientes politraumatizados, vítimas de lesão cranioencefálica, amputação, queimaduras, intoxicação aguda, cortes e perfurações profundas, que representam riscos iminentes de morte e necessitam de equipes multiprofissionais especializadas.
Esses casos tendem a aumentar conforme os desafios sociais crescem, como o aumento do número de veículos nas ruas, a precarização das relações de trabalho, os acidentes domésticos devido à falta de estrutura das casas e a cultura da violência que põe em risco a vida de crianças, jovens e adultos.
Neste contexto, possuímos serviços que, além de serem referências nacionais, atendem pessoas de todo o País. Temos a única emergência do Ceará para socorro de fraturas e lesões pediátricas graves, funcionando 24 horas.
Nosso Centro de Queimados, também único no Estado, é destaque internacional pela sua perícia técnica e inovação.
"Entendamos que o IJF atende a todos. Por isso, precisamos mantê-lo vivo e forte"
O Centro de Informação e Assistência Toxicológica, que completou 40 anos em 2024, é um dos nove existentes em todo o País e oferece atendimento, inclusive virtual, 24 horas para profissionais de outros hospitais e para a população em geral.
Somos responsáveis pela captação de mais de 60% dos órgãos transplantados no Ceará e temos um dos maiores índices de autorização de doação de todo o Brasil, graças à solidariedade das famílias atendidas e à atuação da nossa Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (Cihdott).
Muitos dos médicos especialistas atuantes no Ceará e até fora dele, como cirurgiões gerais, traumatologistas, emergencistas, intensivistas, cirurgiões plásticos e anestesistas, foram formados nos programas de educação mantidos pelo IJF.
Apesar de nossa abrangência, somos financiados quase integralmente pela Prefeitura de Fortaleza, com complementos de uma tabela de preços defasada do Sistema Único de Saúde (SUS) repassada pelo Governo Federal e pela pactuação com o Governo do Estado, que não cobrem 20% dos custos do hospital.
Para manter a excelência em nossos serviços, é imperativo que novas contratualizações sejam realizadas. As fontes de recursos orçamentários precisam ser adequadas às demandas atuais e às atualizações do mercado, considerando os reajustes nos valores de insumos e serviços e a defasagem tecnológica, que é um dos grandes desafios para o avanço dos protocolos e processos em um hospital de nível terciário.
Entendamos que o IJF atende a todos. Por isso, precisamos mantê-lo vivo e forte.
Esse foi o quinto e último episódio de uma série de reportagens do O POVO+ sobre o Instituto Doutor José Frota (IJF). Clique aqui para acessar todos os episódios e não esqueça de deixar a sua opinião lá embaixo, nos comentários. Boa leitura!
Série de reportagens passeia pela história do hospital IJF, ícone urbano de assistência à saúde, e investiga suas conexões com a cidade e a política da Capital