O perigo de consumir alimentos
Muitos dos alimentos consumidos diariamente pelos brasileiros integram essa lista: hambúrgueres vegetais, empanados de frango, biscoitos e macarrão instantâneo (o popular miojo) são alguns deles.
O glifosato — substância comprovadamente ligada ao desenvolvimento de câncer e proibida em diversos países, porém a mais vendida em território brasileiro e no mundo — foi o agrotóxico mais encontrado nas amostras analisadas.
Esse é um polêmico herbicida considerado como “provavelmente carcinogênico ou capaz de causar câncer”, de acordo com a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc), da Organização Mundial da Saúde (OMS). Por seu perigo, já foi proibido em países como França, Alemanha, Bélgica, Países Baixos e México.
O conjunto de estudos científicos do Idec comunica e alerta para os riscos: em primeiro lugar, porque comprovadamente os ultraprocessados têm em suas composições ingredientes nocivos à saúde humana; e, em segundo, porque os produtos analisados apresentam resíduos de pesticidas cancerígenos como o glifosato.
A busca por esse resíduo é feita por método diferente e mais caro da realizada para a grande maioria dos demais agrotóxicos. Há, portanto, a combinação do alto volume de uso com custos de monitoramento mais elevados, o que torna mais temerários os efeitos a longo prazo sobre a saúde dos brasileiros.
Dessa vez, o estudo analisou também produtos plant-based (feitos à base de plantas). E nesses produtos, que são vendidos como “saudáveis e sustentáveis”, também foram encontradas substâncias perigosas.
Apesar de não figurarem entre os mais presentes nas mesas brasileiras, os alimentos à base de plantas entraram nessa pesquisa por dois motivos: primeiro, porque muitas vezes trazem um apelo de saúde mesmo sendo ultraprocessados; e também porque pesquisas de mercado mostram que há um crescente interesse por esse tipo de produto.
A indústria apresenta essa categoria de produtos para as pessoas consumidoras como a solução para diminuir a demanda por carnes e contribuir positivamente com as questões climáticas. Os plant-based surgem, então, como uma alternativa aos impactos negativos da agropecuária.
Acontece que esses produtos são ultraprocessados, o que elimina as chances de resultarem de um processo produtivo limpo e serem compostos apenas de ingredientes de boa qualidade.
Além disso, a grande maioria deles é feita à base de matérias-primas que, por si só, contêm altos níveis de agrotóxicos, como soja e trigo. O apelo à sustentabilidade destes produtos não encontra fundamento na realidade e é uma prática de
Uma transição para reduzir o consumo de ultraprocessados e melhorar a saúde da população também passa por um maior consumo de leguminosas in natura ou minimamente processadas em preparações culinárias. Só que isso não é lucrativo. É o que explica Tamara Andrade, especialista em Regulação do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec.
Você sabe diferenciar alimentos in natura, processados e ultraprocessados?
“A proteção da saúde e a segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos perigosos ou nocivos é um direito básico da pessoa consumidora, que deveria ter acesso à informação adequada e clara sobre os riscos que os diferentes produtos apresentam e, como se vê, estes direitos não são respeitados.”
Segundo a pesquisadora, o levantamento surgiu “para preencher uma lacuna de informação e regulação” deixada pelo poder público.
Isso porque muitos dos agrotóxicos proibidos na União Europeia continuam sendo vendidos no Brasil, inclusive produzidos por empresas europeias.
Ela explica que a flexibilidade da legislação brasileira e os incentivos fiscais ao agronegócio favorecem esse mercado.
“A nova Lei dos Agrotóxicos, em vigor desde o final de 2023, flexibilizou os critérios para registro de agrotóxicos: enquanto a lei anterior estabelecia as características proibitivas do registro de substâncias, agora são vetadas apenas as que apresentam ‘risco inaceitável’, o que sequer é definido”, aponta.
Tamara indica que “o Pacote do Veneno reduziu a importância da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no processo de aprovação”.
“Suas análises sobre impactos à saúde humana e ao meio ambiente perderam o caráter vinculante, sendo a decisão concentrada no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que naturalmente tem interesse em fomentar a produção agrícola e é mais suscetível às demandas do setor”, diz.
De acordo com a especialista, algumas hipóteses e dados têm se consolidado no decorrer do “Tem veneno nesse pacote”.
Uma delas é a inércia de órgãos públicos fundamentais na regulação e fiscalização de alimentos e produtos disseminados pelo País.
Devido à falta de uma rastreabilidade ao longo da cadeia de processamento industrial para produtos ultraprocessados, por exemplo, não há como discernir exatamente de qual etapa provém o resíduo de agrotóxico — se foi utilizado na matéria-prima ou se é proveniente de contaminação cruzada no maquinário e equipamento industrial.
O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (Para), conduzido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), monitora frutas, legumes, hortaliças e grãos — mas deixa de fora os ultraprocessados.
Como tudo está relacionado
Para Tamara, isso gera uma falsa percepção de que apenas alimentos in natura oferecem riscos.
“Os ultraprocessados têm participação crescente na alimentação brasileira e, ainda assim, não são monitorados quanto à presença de resíduos de agrotóxicos”, critica.
Outra questão que se repete, conforme a pesquisadora, é “a tendência da indústria de se aproveitar da inocência de julgamento das crianças em suas estratégias publicitárias” — o que, por si só, já viola o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Os campeões do veneno
“Resultados das edições anteriores já indicavam a dimensão do problema: no volume 1, todas as quatro principais marcas de “bisnaguinhas” analisadas continham resíduos de pelo menos cinco tipos diferentes de agrotóxicos. O mesmo aconteceu com as bolachas recheadas: no mínimo três agrotóxicos diferentes estavam presentes em cada uma das quatro marcas mais vendidas. São produtos que não são exclusivos, mas têm um apelo muito forte ao público infantil”, coloca.
Para se proteger, a recomendação do Idec para os adultos é atenção à lista de ingredientes e a produtos com muitos aditivos alimentares, como corantes e aromatizantes. No entanto, a responsabilidade não deve recair apenas sobre o consumidor.
O Idec defende políticas públicas que incentivem uma transição para um sistema alimentar mais sustentável: “Defendemos o acesso universal a alimentos saudáveis e a redução da dependência de agrotóxicos. É preciso transformar a maneira como os alimentos são produzidos, distribuídos e consumidos”, propõe Tamara.
A especialista vê a nova cesta básica de alimentos, composta por itens in natura e da sociobiodiversidade brasileira, como um passo importante: “A isenção de impostos para esses alimentos e a taxação de bebidas açucaradas são medidas que fortalecem a promoção de uma alimentação adequada e saudável”.
O Brasil é um exemplo de falta de regulamentação eficiente que impõe à população teores máximos de resíduos em alimentos. No mercado brasileiro são encontrados, em alguns casos, níveis de resíduos duas ou três vezes maiores do que os limites máximos da União Europeia (UE).
No País, o monitoramento de resíduos é feito pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em nota a esta reportagem, a Gerência de Toxicologia da Anvisa respondeu a uma série de questionamentos sobre o papel do órgão no controle de ingredientes, substâncias e elementos que podem ser nocivos à saúde e estão presentes em produtos disseminados entre a população. Confira, a seguir, na íntegra, as respostas da Agência.
O POVO+ — Como a Anvisa avalia a segurança dos alimentos em relação aos resíduos de agrotóxicos por meio do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para)?
Gerência de Toxicologia da Anvisa — No Brasil, os agrotóxicos somente podem ser utilizados se previamente autorizados ou registrados em órgão federal, nos termos da Lei nº 14.785, de 27 de dezembro de 2023.
Nesse contexto, a atuação da Anvisa inicia-se previamente ao registro desses produtos. A Agência realiza avaliação técnica criteriosa para fins de registro dos agrotóxicos, que inclui a avaliação do risco aos consumidores e o estabelecimento do limite máximo de resíduo (LMR), definido como a quantidade máxima de resíduo de agrotóxico oficialmente aceita no alimento.
No âmbito pós-mercado, ou seja, quando o produto está em uso pela população, a Anvisa realiza a reavaliação, ou reanálise, de ingredientes ativos de agrotóxicos autorizados e conduz o monitoramento de resíduos de agrotóxicos nos alimentos por meio do Para.
Um dos dados mais relevantes do Para, do ponto de vista do consumidor, é a avaliação do potencial de risco agudo e de risco crônico. Ou seja, e que medida os resíduos de agrotóxicos identificados nos alimentos podem oferecer riscos à saúde humana.
O risco agudo é o risco de danos à saúde pelo consumo do alimento com resíduo em curto espaço de tempo, como uma refeição ou um dia de consumo do alimento.
O risco crônico avalia o consumo diário por toda a vida de diversos alimentos com resíduos de agrotóxicos e leva em consideração o perfil de consumo no Brasil.
Para avaliar o risco crônico, a Anvisa projeta cenários e faz o cálculo do valor da exposição considerando os dados de consumo da população brasileira na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) produzido pelo IBGE, o histórico de dados do programa de monitoramento e ainda o limite máximo de resíduos permitido, no caso dos alimentos não monitorados no período.
Destaca-se que a avaliação técnica realizada pela Anvisa está em consonância com os procedimentos internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Os resultados do PARA também geram informações sobre a conformidade dos valores encontrados com o Limite Máximo de Resíduos (LMR) estabelecido pela Anvisa.
Este é um dado relevante uma vez que aponta as situações de não conformidade, ou seja, os casos em que o uso do agrotóxico no campo gerou resíduos acima do limite estabelecido. Ainda, se o agrotóxico foi aplicado em uma cultura para a qual não está autorizado ou se houve aplicação de um produto não permitido no Brasil.
As não conformidades podem indicar erros no processo produtivo e na adoção de boas práticas agrícolas aprovadas. São consideradas infrações sanitárias e podem representar risco principalmente à saúde dos agricultores pela aplicação de agrotóxicos em desacordo ou na ausência das recomendações de uso autorizadas.
O POVO+ — Como os resultados do Para influenciam a criação de novas regulamentações ou restrições ao uso de agrotóxicos?
Gerência de Toxicologia da Anvisa — Um dos principais usos dos dados do Para é como subsídio para a reanálise de produtos agrotóxicos.
A reanálise, ou reavaliação toxicológica, é o processo no qual a Anvisa revisa os parâmetros de segurança para a saúde humana relacionados a um agrotóxico. Esse processo pode resultar na manutenção do produto no mercado, na imposição de restrições específicas ou até no seu banimento.
Nos últimos dez anos, a Anvisa concluiu a reanálise de 12 ingredientes ativos de agrotóxicos, utilizados em centenas de produtos. Desses, seis foram banidos no Brasil (carbendazim, carbofurano, forato, paraquate, parationa metílica e procloraz). Além disso, várias restrições foram implementadas para redução de riscos identificados na reanálise.
O Para também permitiu a elaboração da norma conjunta entre Anvisa e Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para rastreabilidade de alimentos.
Esta iniciativa busca aumentar a quantidade de alimentos que podem ser rastreados desde sua origem e assim permitir ações mais efetivas de controle pelas autoridades locais.
Os resultados do Para também podem indicar a necessidade de restrições para determinados agrotóxicos em culturas específicas em função dos riscos ao consumidor.
Um exemplo disso são o carbossulfano, a metidationa e o formetanto, para os quais foram publicadas resoluções e instruções normativas estabelecendo restrições para alguns cultivos.
O programa também evidencia a avaliação de produtos para lavouras que contam com baixa cobertura fitossanitária, ou seja, baixa oferta de produtos para tratamento de praga típicas de cada cultura.
A partir dos dados do Para, novos produtos podem ser priorizados para culturas de menor interesse econômico conhecidas como Culturas com Suporte Fitossanitário Insuficiente ou Minor Crops.
O POVO+ — Um estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) apontou resíduos de agrotóxicos em alimentos ultraprocessados, incluindo produtos plant-based. Como a Anvisa responde a essa preocupação? A Agência possui regulamentos que limitem essa presença de resíduos em produtos como os ultraprocessados, por exemplo?
Gerência de Toxicologia da Anvisa — A detecção de resíduos de agrotóxicos em alimentos processados e ultraprocessados é considerada na avaliação realizada pela Anvisa, uma vez que os alimentos in natura são a base para a fabricação desses produtos. Assim, a avaliação da presença de resíduos é essencial para garantir a segurança do consumo de alimentos pela população.
Os alimentos ultraprocessados não recebem aplicação direta de agrotóxicos no campo. Contudo, podem conter resíduos provenientes das matérias-primas utilizadas, como frutas, verduras e cereais.
Nesse caso, de acordo com a legislação vigente, esses alimentos adotarão os mesmos valores dos limites estabelecidos para o alimento in natura, excetuados os casos de concentração ou desidratação do alimento, hipótese em que o cálculo se referirá ao alimento preparado para ser consumido e para o qual há metodologia técnica estabelecida.
Assim, já existe regulamentação específica para o estabelecimento do Limite Máximo de Resíduo (LMR) de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal que compõem os alimentos ultraprocessados, os quais são baseados nas Boas Práticas Agrícolas do uso do agrotóxico nos alimentos in natura e a exposição do consumo não devem extrapolar as doses de referência de segurança à saúde.
Normalmente, não se estabelece LMR para alimentos ultraprocessados, mesmo porque a base conceitual cientificamente adotada preconiza que a avaliação deve ser feita observando a exposição como um todo, o que inclui considerar nos cálculos de exposição os dados de consumo dos alimentos pela população brasileira.
Considerando que cada alimento ultraprocessado possui uma fórmula/composição específica e diferente dos demais (inclusive do mesmo tipo, mas de marcas diferentes), a tarefa de definir LMRs a esses alimentos implicaria no estabelecimento de limites específicos para cada marca de cada tipo dos milhares, de alimentos ultraprocessados, o que seria inviável na prática, motivo pelo qual tal procedimento não é adotado por nenhum país no mundo.
O LMR é um parâmetro agronômico estabelecido pela Anvisa no registro de agrotóxicos, considerando a cultura agrícola e as instruções de uso. Ele está relacionado à segurança dos alimentos comercializados, mas não é um parâmetro direto de saúde. Para avaliar se os resultados da pesquisa representam riscos à saúde, é necessário conduzir a avaliação do risco, seguindo metodologia validada e reconhecida cientificamente.
A experiência tem mostrado que os níveis de resíduos geralmente diminuem durante o processamento, como o descascamento, o cozimento e o suco. Entretanto, em outros casos, o nível de resíduos pode aumentar durante o processamento, como no caso do óleo de sementes oleaginosas e azeitonas.
Além disso, em alguns casos, o ingrediente ativo pode ser transformado durante o processamento em metabólitos que são mais tóxicos do que o composto original. Para esses casos, o art. 39 da RDC nº 04, de 2012, prevê a adoção dos procedimentos do Codex para o estabelecimento do LMR, conforme supramencionado.
Há um comércio considerável de alimentos industrializados baseados, por exemplo, em frutas, legumes, cereais e carne. Entretanto, a variedade de formas sob as quais os produtos são oferecidos impossibilita a recomendação de LMRs para todos os alimentos processados possíveis.
Por esse motivo, observa-se no cenário internacional que, no caso de alimentos processados em que os resíduos não se concentram, os LMRs não serão recomendados, mas para fins de ingestão dietética, os resíduos presentes no alimento processado serão levados em conta sempre que possível, utilizando-se dados de consumo de todos os alimentos industrializados e demais preparações que contém a cultura autorizada no registro, seguindo as diretrizes internacionais da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Desse modo, a estimativa da exposição aos resíduos de agrotóxicos realizada pela Anvisa (e autoridades regulatórias internacionais) considera a quantidade consumida de todos os alimentos, seja ele in natura ou industrializado.
No Brasil, segundo os dados de consumo da Pesquisa de Orçamento Familiares do IBGE, no caso da soja, por exemplo, são incluídos no cálculo o consumo de 44 tipos de alimento à base de soja, tais como suco de soja, tofu, pão de soja, molho shoyu, etc. Em relação ao trigo, são considerados no cálculo os dados de consumo de 659 diferentes tipos de alimentos que levam o produto in natura em sua composição.
O POVO+ — Há planos de reforçar a fiscalização da presença de agrotóxicos em produtos industrializados, especialmente os direcionados a crianças?
Gerência de Toxicologia da Anvisa — O monitoramento de produtos in natura realizado atualmente já contempla a maioria dos produtos in natura recomendados para o consumo infantil considerando uma dieta saudável.
Nesse contexto, a Anvisa reforça seu compromisso com a avaliação e monitoramento de alimentos de origem vegetal mais consumidos pela população brasileira, tendo como base os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, além de priorizar alimentos com maior índice de situação de potencial risco, de acordo com o histórico do PARA.
Considerando que os produtos industrializados e os respectivos dados de consumo são normalmente incluídos na avaliação do risco à saúde realizada pela Anvisa para fins de estabelecimento dos LMRs, a avaliação da conformidade quanto a esses limites deve ser feita preferencialmente nas matérias-primas utilizadas na fabricação do alimento processado.
Adicionalmente, alguns produtos de elevado consumo e com determinado nível de processamento já foram inseridos na listagem de alimentos monitorados no Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos - PARA, como farinha de mandioca, farinha de trigo, farinha de aveia e bebida de soja.
De forma geral, espera-se encontrar uma menor concentração de resíduos de agrotóxicos na maioria dos produtos processados, visto que os processos industriais de beneficiamento e processamento dos alimentos tendem a degradar as moléculas destas substâncias.
Seguindo esse raciocínio, coletar alimentos ultraprocessados significa que menores concentrações de agrotóxicos serão encontradas em comparação ao alimento in natura, salvo situações em que o agrotóxico possa ser concentrado, como no caso de alimentos desidratados.
O POVO+ — Como o consumidor pode reduzir a exposição aos resíduos de agrotóxicos nos alimentos sem comprometer sua nutrição?
Gerência de Toxicologia da Anvisa — O acesso a alimentos seguros é um direito do consumidor. Nesse sentido, o papel dos consumidores é crucial para a construção de um mercado mais responsável, onde as práticas agrícolas e alimentícias se alinham cada vez mais com a saúde pública e com a demanda por alimentos mais seguros.
Algumas recomendações válidas são:
O POVO+ — O Brasil tem acompanhado as políticas internacionais de restrição ao uso de determinados agrotóxicos? Há planos para banir ou restringir substâncias nos próximos anos?
Gerência de Toxicologia da Anvisa — Diferentemente de outros produtos regulados pela Anvisa, o registro de agrotóxicos no Brasil não possui previsão legal para a sua renovação ou revalidação. Portanto, uma vez concedido, o registro de agrotóxicos possui validade indeterminada.
No entanto, o conhecimento técnico-científico sobre essas substâncias está em permanente evolução e, após o registro, novos aspectos e riscos podem ser identificados, os quais não se limitam aos riscos relacionados à exposição dietética.
De acordo com a Lei nº 14.785, de 2023, quando organizações internacionais responsáveis pela saúde, pela alimentação ou pelo meio ambiente das quais o Brasil seja membro integrante ou com as quais seja signatário de acordos e de convênios alertarem para riscos ou desaconselharem o uso de agrotóxicos, de produtos de controle ambiental e afins, deverá a autoridade competente tomar providências de reanálise dos riscos considerando aspectos econômicos e fitossanitários e a possibilidade de uso de produtos substitutos.
A reanálise, denominada reavaliação pela legislação anterior, se configura como instrumento de revisão do registro de produtos com potenciais riscos à saúde não identificados no momento da concessão de registro e já considerava a restrição do uso em outros países como critério prioritário para indicação para reavaliação desde a legislação anterior (Lei 7.802/89 e Decreto 4.074/2002), em alinhamento às práticas internacionais.
A Lei nº 14.785, de 2023 estabelece que é proibido o registro de agrotóxicos, de produtos de controle ambiental e afins que apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente, por permanecerem inseguros, mesmo com a implementação das medidas de gestão de risco. Nesse sentido, a reanálise torna-se um instrumento fundamental para a redução, ao longo do tempo, dos riscos dos ingredientes ativos aprovados no país.
A conclusão da reanálise pode enquadrar um ingrediente ativo de agrotóxicos no aspecto proibitivo de registro que é o risco inaceitável, mas também pode resultar em recomendação de restrições de uso específicas para garantir a saúde à população exposta.
Dessa forma, pode-se concluir pela manutenção do registro do ingrediente ativo sem alterações; pela alteração da formulação, da dose ou do método de aplicação; pela restrição da produção, da importação, da comercialização ou do uso; pela proibição ou suspensão da produção, importação ou uso; ou pelo cancelamento do registro.
A partir da experiência adquirida pela Anvisa no processo de reavaliação de ingredientes ativos de agrotóxicos, foi elaborada uma proposta de atuação regulatória que resultou na publicação da RDC nº 221, de 28 de março de 2018.
Este regulamento dispõe sobre os critérios e os procedimentos para o processo de reavaliação toxicológica de ingredientes ativos de agrotóxicos no âmbito da Anvisa, o que confere maior objetividade, clareza, transparência e efetividade aos procedimentos de reavaliação, de forma que eles correspondam às reais necessidades e à finalidade da atividade.
Para a indicação de agrotóxicos para a reavaliação/reanálise, a Anvisa recebe indicações internas, da sociedade, de instituições científicas, de outros órgãos envolvidos na regulação de agrotóxicos no Brasil e do setor regulado, ou seja, de qualquer ente interessado, por meio de um formulário.
Dentre os critérios para a seleção dos ingredientes ativos submetidos à reavaliação, a RDC nº 221, de 2018, estabeleceu que serão consideradas as evidências de riscos à saúde que incluem os resultados gerados pelo Para, como o monitoramento em resíduos em alimentos, além da extrapolação de parâmetros de referência dietéticos e a relevância da exposição ao agrotóxico para humanos avaliada por meio de dados de comercialização, do monitoramento do agrotóxico em água, em amostras biológicas e as intoxicações humanas, dentre outros.
A última lista publicada pela Anvisa com os agrotóxicos indicados para reavaliação com sete ingredientes ativos: carbendazim, tiofanato-metílico, epoxiconazol, procimidona, clorpirifós, linurom e clorotalonil. A lista completa, critérios e pontuação atribuída podem ser acessadas aqui.
A reavaliação do carbendazim foi finalizada, resultando em seu banimento, conforme publicação da RDC nº 739/2022. Os ingredientes ativos tiofanato-metílico, epoxiconazol, procimidona e clorpirifós estão em fase de análise técnica e elaboração de pareceres de avaliação toxicológica, enquanto linurom e clorotalonil aguardam abertura de edital para formalização do início do processo de reavaliação/reanálise.
Vale destacar a relevância dos resultados do PARA na detecção e seleção de agrotóxicos a serem submetidos ao procedimento de reanálise toxicológica. Como resultado, alguns agrotóxicos tiveram sua comercialização proibida ou foram estabelecidas medidas restritivas, como a exclusão da permissão de sua aplicação em determinadas culturas.
Assim, os resultados do Para também atuam como uma medida de monitoramento e auxílio no controle dos agrotóxicos proibidos ou restringidos por meio da reavaliação/reanálise.
A experiência adquirida pela Anvisa também demonstra que as ações oriundas da reanálise de ingredientes ativos de agrotóxicos e do monitoramento de resíduos pelo PARA são ações de vigilância pós-mercado que devem caminhar em sintonia na perspectiva da redução dos riscos à saúde da população decorrentes da exposição aos agrotóxicos.
Pesquisas mostram há décadas a relação entre agrotóxicos e desenvolvimento de doenças — desde intoxicações e distúrbios até cânceres, malformações, abortos e deficiências. Na outra ponta, grandes empresas que fabricam e lucram com defensivos agrícolas são as mesmas que vendem remédios para tratar seus efeitos. No próximo episódio dessa série de reportagens, especialistas da saúde e agronomia analisam o ciclo lucrativo dos agrotóxicos e os custos dessa exposição — para as contas públicas e para a vida das pessoas.
Série de reportagens mostra os efeitos da aprovação do uso de drones na pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará a partir de Limoeiro do Norte, agropolo fruticultor e terra de Zé Maria do Tomé. Na esteira desse tema, o especial aborda o legado do agricultor assassinado em 2010 e investiga as camadas de um problema silencioso e invisível que cresce em solo brasileiro