Alberto Bastos Balazeiro é ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e coordenador nacional do Programa Trabalho Seguro, iniciativa do TST e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho para reduzir o número de acidentes laborais no Brasil. O POVO+ elaborou 8 perguntas norteadoras para auxiliar o ministro durante a construção do artigo, todas sobre a relação entre o uso de agrotóxicos e a saúde de trabalhadores rurais no País. Confira o texto na íntegra a seguir.
É urgente a ampliação e o fomento às discussões sobre o uso, os riscos e as consequências da utilização de agrotóxicos no Brasil.
Inicialmente, destaco que pesquisas apontam que a exposição a agrotóxicos é uma das condições potencialmente associadas ao desenvolvimento de câncer (em especial leucemia e câncer de bexiga), além de infertilidade, malformações congênitas.
Além disso, os agrotóxicos também podem atuar como severos poluentes ambientais. Isso significa que trabalhadores incumbidos do manuseio de agrotóxicos, em geral, podem estar mais suscetíveis ao desenvolvimento de doenças tais como as mencionadas, diante da exposição, que tende a ser contínua, aos pesticidas.
A situação se torna ainda mais gravosa quando não são fornecidos aos trabalhadores os adequados Equipamentos de Proteção Individuais ou Coletivos — aspecto que, no geral, é muito comum em nosso País e é objeto de diversos recursos analisados em todas as sessões de julgamento de que participo no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Ainda que existam pesquisas no sentido de que o Brasil seja o país que mais faz uso de agrotóxicos no mundo, ainda são poucos os casos analisados pelo Tribunal Superior do Trabalho que envolvam diretamente a indevida utilização dos agrotóxicos e seus impactos na saúde dos trabalhadores.
De fato, até o momento, o dicloro-difenil-tricloretano (DDT) é o único pesticida cujos efeitos e danos à saúde já foram objeto de exame em casos concretos pelo TST.
Nos processos judiciais em que identificada a exposição continuada ao mencionado pesticida com a consequente constatação de lesão e doenças suportados por trabalhadores, os julgamentos colegiados do tribunal têm arbitrado condenações indenizatórias às empresas contratantes dos empregados vítimas das doenças ocupacionais geradas pelo pesticida.
As indenizações fixadas pelo TST têm por objetivo reparar os danos morais (pela violação aos direitos de imateriais do trabalhador) ou materiais sofridos pelo trabalhador (pagamento de gastos com tratamentos para o pleno restabelecimento da saúde, por exemplo) e também funcionam como medida pedagógica e preventiva, visando desestimular a reiteração da conduta ilícita daqueles envolvidas nos respectivos processos ou de outras que atuem no mesmo ramo.
Essas são, portanto, algumas das medidas judiciais observadas nos julgamentos do Tribunal Superior do Trabalho quando são apreciadas as questões concernentes ao descumprimento de normas de higiene, saúde e segurança.
Outras medidas importantes são aquelas adotadas pela Suprema Corte quando examinou questões concernentes ao uso geral de agrotóxicos. Uma das decisões paradigmáticas a esse respeito versou sobre a impossibilidade de flexibilização do controle de qualidade dos pesticidas (ADPF 910).
Ainda, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que é totalmente inviável autorizar quaisquer iniciativas que tenham por objetivo a entrada e registro de novos agrotóxicos no País, sem passar pelo rigoroso exame das autoridades competentes (ADPF 656).
Nesse sentido, é muito simbólico que a própria Suprema Corte tenha consignado expressamente em decisão que “o consumo de agrotóxicos no mundo aumentou em 100% entre os anos de 2000 e 2010, enquanto no Brasil este acréscimo correspondeu a quase 200%” e que são graves os danos à saúde causados por agrotóxicos como o Glifosato (ADPF 656), que é o mais utilizado no Brasil, apesar de já ter sido banido dos países europeus.
Isso porque acredito não apenas na força jurídica, mas também simbólica dos entendimentos do TST e do STF sobre a inviabilidade de minoração de responsabilização daqueles que geram danos individuais ou coletivos relativos ao uso de agrotóxicos.
"O STF já reconheceu que é totalmente inviável autorizar quaisquer iniciativas que tenham por objetivo a entrada e registro de novos agrotóxicos no País, sem passar pelo rigoroso exame das autoridades competentes"
Com efeito, a jurisprudência constitucional-trabalhista deve estar robustecida com decisões que reforcem, tanto quanto possível, que é inafastável o dever de todos de proteger o meio ambiente como um todo, inclusive o de trabalho.
A partir disso, considero que os Tribunais não têm sido — e penso que jamais serão- condescendes com condutas ilícitas que não observem as regras de saúde e segurança da população em geral, e dos trabalhadores, em especial.
Com isso, até aqui, os Tribunais seguem mantendo firme seu dever de observar os comandos contidos na Constituição Federal, que possui amplo leque de normas programáticas que asseguram o direito ao bem-estar e à preservação da dignidade dos modos de vida e de bem viver de todos nós.
A esse respeito, é preciso reconhecer que a progressividade dos direitos sociais — que garantem o acesso ao trabalho decente, saúde, segurança, lazer e outro — não é linear. Assim, é comum observarmos fluxos de avanços e influxos de retrocessos na conquista de direitos.
A experiência trabalhista brasileira não destoa desse cenário, assim como as questões concernentes à exposição dos trabalhadores aos agrotóxicos.
Assim, por exemplo, de um lado, a Norma Regulamentadora 31 (NR 31) prevê diversas disposições acerca do uso de agrotóxicos pelos trabalhadores, tais como regras sobre armazenamento e transporte das substâncias, normas pra minimizar a exposição, destinação das embalagens vazias.
"...a jurisprudência constitucional-trabalhista deve estar robustecida com decisões que reforcem, tanto quanto possível, que é inafastável o dever de todos de proteger o meio ambiente como um todo, inclusive o de trabalho"
Por outro lado, observamos dificuldades na manutenção de políticas de fiscalização ambiental e trabalhista do uso de agrotóxicos no Brasil, o que conduz, infelizmente, a graves incidentes por intoxicação — sólidas pesquisas científicas brasileiras apontam que a cada minuto 90 pessoas sofre intoxicação por agrotóxico de uso agrícola.
Além do mais, inexiste legislação específica que considere os riscos e os resultados jurídicos da pulverização de agrotóxicos em nosso país, embora tenha havido recente aprovação da Lei 14.785/2023 que trata de questões atinentes aos agrotóxicos em geral — sem dispor, contudo, especificamente sobre a pulverização e seus impactos.
Não fosse isso, não podemos esquecer que a Suprema Corte já declarou constitucional lei específica do Ceará que proíbe expressamente a pulverização aérea de agrotóxicos no Estado (ADI 6137).
Os argumentos apresentados nesse julgamento são muito interessantes porque apresentam dados e pesquisas sobre os riscos dos agrotóxicos para a saúde humana e para o meio ambiente, além de fartas evidências a respeito da contaminação da água e do ar na Chapada do Apodi, no Ceará.
Assim, as previsões contidas na NR 31, na Lei 14.785/2023 e na ADI 6137 demonstram as tensões existentes em torno do uso de agrotóxicos no Brasil, evidenciando igualmente a complexidade da questão.
Isso, ao final, torna necessária a adoção de estratégias, sempre de caráter preventivo, de técnicas e procedimentos estruturais entre os particulares (empresas que produzem agrotóxicos, empregadores, empregados) e o poder público, a fim de que se removam as irregularidades concernentes ao uso irregular de pesticidas, preservando-se, então, os direitos fundamentais ao trabalho decente, à saúde comunitária, à alimentação saudável.
"...inexiste legislação específica que considere os riscos e os resultados jurídicos da pulverização de agrotóxicos em nosso país"
No que se refere aos trabalhadores urbanos e rurais expostos aos agrotóxicos, esperamos que novo fluxo de conquista de direitos inclua, entre outros: (i) a pormenorizada regulamentação da matéria, considerando não apenas o crescimento econômico, mas a saúde e segurança dos trabalhadores; (ii) a existência de um sistema de vigilância em saúde efetivo e integrado com a consequente criação de um modelo agrícola ecológico e sustentável no Brasil; (iii) investigações científicas acerca das reais necessidades de saúde dos trabalhadores rurais com sistema educativo para eles criado.
Ainda, é necessário que as medidas estejam conectadas a modelos alternativos de desenvolvimento regional e local e com os princípios da sustentabilidade e da viabilidade da garantia da qualidade de vida dos trabalhadores rurais, das populações do campo e da cidade.
Série de reportagens mostra os efeitos da aprovação do uso de drones na pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará a partir de Limoeiro do Norte, agropolo fruticultor e terra de Zé Maria do Tomé. Na esteira desse tema, o especial aborda o legado do agricultor assassinado em 2010 e investiga as camadas de um problema silencioso e invisível que cresce em solo brasileiro