Logo O POVO+
Tecnologia acelera soluções para quem está na ponta
Reportagem Seriada

Tecnologia acelera soluções para quem está na ponta

A pandemia de novo coronavírus trouxe muitos transtornos, mas também impulsionou muitas melhorias. No Estado não é diferente. Neste segundo episódio do especial Indústria na Saúde no Ceará, O POVO mostra quais as soluções que surgiram deste período de turbulências
Episódio 2

Tecnologia acelera soluções para quem está na ponta

A pandemia de novo coronavírus trouxe muitos transtornos, mas também impulsionou muitas melhorias. No Estado não é diferente. Neste segundo episódio do especial Indústria na Saúde no Ceará, O POVO mostra quais as soluções que surgiram deste período de turbulências
Episódio 2
Tipo Notícia Por

A pandemia do novo coronavírus tem cobrado um preço alto de estados e municípios pela falta de aparelhamento do sistema de saúde em quantidade e qualidade suficientes para atender a população. Uma resposta para anos de desigualdade, obviamente, não surge da noite para o dia. Mas a necessidade de atenuar ou retardar o colapso do sistema tem apressado soluções tecnológicas na área da saúde.

No Ceará, por exemplo, foram criados vários serviços de atendimento remoto na rede pública. Somente na plataforma Plantão Coronavírus, do Governo do Estado, desde abril, foram contabilizados quase 600 mil atendimentos. Destes, 320 pelo chatbot e 63 mil via Whatsapp.

Sistema de atendimento automatizado ajuda a tirar dúvidas e fazer autoavaliação de sintomas
Foto: Reprodução/Governo do Estado do Ceará
Sistema de atendimento automatizado ajuda a tirar dúvidas e fazer autoavaliação de sintomas

Na rede privada, muitas operadoras de planos de saúde e profissionais autônomos da área também estão fazendo uso destes recursos durante o isolamento, seja para viabilizar operações que não estão sendo possíveis de serem realizadas durante o isolamento ou porque a demanda aumentou muito durante a pandemia.

Com projetos de suporte tecnológico na área de saúde pública no Ceará, Bahia, Alagoas, São Paulo e Minas Gerais, o diretor da ELO Group Consultoria, Luís Takada, explica que a empresa viu a demanda neste segmento crescer exponencialmente durante a pandemia.

“Na verdade, todas as áreas de Governo, e setor privado, estão passando por um processo de transformação intensa, sendo obrigados a prover atendimento por meio digital. Na saúde isso foi muito evidente. Muito já vinha sendo discutido sobre teleatendimento, mas não tinha um marco regulatório, então saímos praticamente do zero para uma demanda grande e que deve se consolidar ainda mais neste cenário pós-pandemia”, afirmou Takada.

Para ele, a lei federal 13.989, sancionada em 15 de abril, que regulamentou o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus, abre caminho para uma forte expansão do segmento nos próximos anos e novas regulações relacionadas ao tema.

Quem são os pacientes que estão buscando atendimento pelo Plantão Coronavírus

O secretário da Saúde do Ceará, Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho, o Dr. Cabeto, explica que o Estado já vinha se preparando para desenvolver a indústria da saúde no Estado. Tanto que o setor é um dos principais destaques do programa de aceleração da economia Ceará Veloz, lançado no ano passado, mas a pandemia apressou alguns processos, como a necessidade de ampliação do número de leitos de UTI, compra de equipamentos e investimentos em tecnologia para telemedicina e teleatendimento.

Com a experiência obtida neste período, sobretudo, na Capital, o uso dessas ferramentas devem ser intensificadas no Interior e ampliadas para outras modalidades. “Como muita coisa está sendo feita a distância, já ganhamos velocidade. É uma repercussão importante no sentido de ampliar o acesso à população. Vamos acrescentar para todas as áreas fundamentais, inicialmente, expandindo essa metodologia para os principais agravos, como doenças crônicas, câncer, atendimento de idosos e criança”.

Dr. Cabeto é o secretário de Saúde do Estado (Foto Fco Fontenele/O POVO)
Foto: FCO FONTENELE
Dr. Cabeto é o secretário de Saúde do Estado (Foto Fco Fontenele/O POVO)

Ele diz que para fazer frente a esta nova demanda, e à própria ampliação da infraestrutura dos hospitais no Interior que precisou ser feita por conta da pandemia, o Estado pretende lançar em breve 500 novas residências na área de saúde. Estes profissionais serão capacitados para atuar especificamente no Interior, o que dará velocidade também ao projeto de descentralização do atendimento em regionais de saúde, que já vinha sendo tocado pelo Estado.

Mineração de dados

Outra frente que vem ganhando forte salto é a digitalização dos dados em saúde, afirma o secretário da Saúde do Ceará, Dr. Cabeto. Desde o início de abril, a atualização dos dados epidemiológicos é feita diariamente e disponibilizada na plataforma de transparência IntegraSus, da Secretaria de Saúde.

“Esta questão da inteligência de dados tem sido muito importante não somente para dar mais transparência ao processo para todo mundo, mas também para o planejamento de ações, fazer prospecções regionalizadas, decidir onde é possível avançar, onde é preciso ir mais devagar”.

Para ele, a construção de um banco de dados mais robusto, mais amplo, sobre saúde, atendimentos, será determinante para o desenvolvimento da cadeia da saúde no Estado. “Ter qualidade na produção desses dados é um grande atrativo para este tipo de indústria, principalmente, fármacos”.

De acordo com a Open Knowledge Brasil, o Ceará soma 98 pontos, de uma escala de 100, no Índice de Transparência da Covid-19, que considera tanto o conjunto de dados fornecidos, como a forma como eles são disponibilizados.

Já um boletim, de 5 de junho, da iniciativa Covid-19: Políticas Públicas e as Respostas da Sociedade, da Rede de Pesquisa Solidária, coloca o Ceará como um dos cinco estados que disponibilizam em suas plataformas tanto o número de leitos de UTI Covid-19 do SUS, como do sistema privado e uma das sete unidades federativas, dentre as 27, que informa a taxa de ocupação em tempo real.

A pesquisa ressalta que a taxa de ocupação de leitos de UTI para Covid-19 “representa o elo final da possibilidade de colapso do sistema de saúde no atendimento aos pacientes em quadro clínico severo o que significa, em última instância, a identificação da capacidade da rede de atendimento preservar vidas que atingiram estado crítico de saúde”.

Acesse aqui o relatório da Rede de Pesquisa Solidária na íntegra

Presidente do Instituto Ethos, Caio Magri
Foto: Reprodução da Internet/Linkedin
Presidente do Instituto Ethos, Caio Magri

Para o presidente da Rede Ethos, Caio Magri, embora ainda precise aprimorar o grau de detalhamento de alguns dados, oferecer informações confiáveis e em tempo real, como o Ceará vem fazendo, é uma política assertiva no combate à pandemia. Ainda mais considerando que não há uma diretriz clara do Governo Federal na área da saúde e as diferenças entre os dados apresentados nas plataformas oficiais chegam, por exemplo, a 200% quando se compara os registros da Plataforma Covid-19 e os do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, referentes a maio de 2020.

A principal consequência de não se dar transparência aos dados sobre saúde é a morte. Se você tiver efetivamente os dados, projeções, os momentos em que a curva reduziu porque isolou, você tem condições de tomar decisões políticas e administrativas da gestão municipal e estadual que possam ir na direção de reduzir o número de mortes”.

Segundo ele, a tecnologia é um importante aliado para tornar as políticas públicas de saúde mais eficientes e abrangentes. O que, por sua vez, é um pressuposto fundamental para que o Brasil pudesse estar em um outro lugar no enfrentamento da pandemia. “Há uma ineficiência muito grande de todos os equipamentos públicos neste momento, mas eles, mais do que nunca, demonstram-se como absolutamente necessários de ser de fato fortalecidos”.

Ceará tem sua primeira Central de Manutenção de Ventiladores Pulmonares

A combinação dólar alto, dificuldade de importação de equipamentos hospitalares por conta do aumento da demanda global e as barreiras logísticas para entrega de mercadorias teceram o pano de fundo para criação de uma Central de Manutenção de Ventiladores Pulmonares no Ceará. De abril para cá, quase 100 equipamentos já foram recuperados e devolvidos para rede pública hospitalar.

No laboratório montado nas dependências do Senai da Jacareacanga, em Fortaleza, há investimento público, privado, técnicos formados não apenas pela instituição, mas também das universidades cearenses parceiras e da própria Escola de Saúde Pública, que juntos buscam dar uma sobrevida para equipamentos que, em muitos casos, estavam encostados há vários anos.

É o caso, por exemplo, de um ventilador pulmonar cujo conserto pela rede credenciada estava cotado em R$ 70 mil, mas que graças às soluções encontradas na Central foi recuperado por R$ 600. O engenheiro clínico da Escola de Saúde Pública do Ceará, David Guabiraba, conta que já teve situações em que a equipe teve que produzir uma peça do zero, por meio de logística reversa e materiais alternativos, porque não havia mais no mercado peças de reposição.

“Nunca se produziu tanto conhecimento técnico nesta área aqui no Estado, em tão pouco tempo, como agora. Aqui no Senai, eles já tinham este background muito bom em pneumática, mecânica, mas não sabiam como aplicar isso para aparelhos de ventilação mecânica, que são aparelhos extremamente complexos. Nós falamos sobre a fisiologia cardiorespiratória, a vivência dos hospitais, para juntos construirmos soluções e hoje temos uma equipe muito boa”.

David Guabiraba, engenheiro químico, mostra os protótipos de respiradores do projeto Elmo do Senai
Foto: JÚLIO CAESAR
David Guabiraba, engenheiro químico, mostra os protótipos de respiradores do projeto Elmo do Senai

Para o diretor técnico do Senai - CE, Paulo André Holanda, há um ganho importante também na formação de capital humano. Ele diz que a instituição já está dialogando com o Senai de São Paulo, que detém maior expertise nesta área, para abrir ainda neste ano, entre setembro e outubro, um curso técnico de manutenção de aparelhos hospitalares no Estado.

“Com a pandemia, estão surgindo muitas demandas na indústria da saúde que antes não tinha aqui no Estado. Abre oportunidade de capacitação, desenvolvimento de novas habilidades profissionais e na área da saúde tem um mundo de equipamentos para serem consertados como tomógrafos, ventiladores pulmonares, aparelhos cardiorrespiratórios”.

Para Francisco das Chagas, 22, instrutor em mecatrônica e bolsista da Central, a experiência ampliou seu olhar sobre a profissão. “Está agregando bastante tanto no pessoal, como no profissional. A minha área era mais indústria, um pouco da parte civil, mas conhecer a área hospitalar vai agregar muito minha formação e onde posso atuar”.

Separados pela tela do computador

A pandemia tem modificado de muitas formas a vida das pessoas. Há pouco mais de três meses, o consultório da psicóloga e psicanalista da Devir Clínica de Psicologia, Monaliza Leite, 28, é na própria casa. No início, a sensação foi de desconfiança se a experiência daria certo, mas com o tempo a tecnologia se mostrou eficaz para nova realidade.

A psicóloga Monaliza Leite, 28, passou a atender remotamente durante a pandemia. Esta foto também foi tirada de maneira remota pela fotógrafa do O POVO
Foto: Deisa Garcez/Especial para O Povo
A psicóloga Monaliza Leite, 28, passou a atender remotamente durante a pandemia. Esta foto também foi tirada de maneira remota pela fotógrafa do O POVO

 

“Eu mesma me surpreendi, porque eu achava que o atendimento de psicologia necessariamente tinha de ser presencial, porque o contato é diferente, trabalhamos muito com silêncio. Mas, na verdade, quando existe a necessidade, este espaço virtual é válido e muito eficaz, ainda mais neste contexto de distanciamento, de pressão, em que as pessoas estão mais ansiosas, com necessidade de falar”.

Os pacientes, aos poucos, também se adaptaram à nova rotina. No início, muitos pediram para desmarcar as consultas, porque preferiam o atendimento presencial e como achavam que seria uma situação rápida, daria para esperar. Mas com 15 dias de isolamento, ela conta que os pacientes começaram a voltar e a demanda se intensificou. Hoje, mesmo com o decreto liberando as consultas médicas presenciais, o retorno está sendo avaliado.

“Estamos nos organizando, higienizando o espaço, mas, principalmente, avaliando com os pacientes, porque muitas pessoas ainda não se sentem seguras em relação a isso, seja porque são ou moram com pessoas do grupo de risco, ou por conta da questão do deslocamento, transporte público. Há muito medo de sair de casar”.

A professora Deborah Santos, 25, faz terapia há um ano e meio e decidiu não interromper o atendimento durante a pandemia. As consultas passaram a ser via chamada de vídeo. “No início é meio estranho, mas depois a gente fica à vontade. Para mim foi muito importante ter continuado pela própria situação em que estamos vivendo, de maior ansiedade”.

Já na casa da administradora Roberta Matos, 45, a primeira consulta virtual foi em abril quando sentiu febre e forte dor de cabeça. Com medo de ir aos hospitais, que estavam todos lotados à época, recorreu ao teleatendimento do seu plano de saúde. “É claro que não substitui um atendimento cara a cara e nem dá para resolver todo tipo de caso, mas foi bom. Orientaram direitinho o que tinha que fazer. Não precisei ficar esperando tanto tempo e ainda ficaram me ligando uns dois dias para saber como estava evoluindo meu caso”.

Oportunidade para startups

Jorge Moraes, cofundador da LabPacs, startup de tecnologia em saúde, desenvolveu soluções na área da saúde
Foto: Thais Mesquita
Jorge Moraes, cofundador da LabPacs, startup de tecnologia em saúde, desenvolveu soluções na área da saúde

Quem também viu a demanda aumentar durante a pandemia foi Jorge Moraes, cofundador da LabPacs, startup de tecnologia em saúde, que desenvolve soluções na área de exames por imagem. Dentre os serviços mais buscados está o de laudos remotos, que permite que o exame de imagem seja enviado para uma central em nuvem, facilitando o acesso dos médicos e pacientes.

“Aumentou muito a procura, porque durante pandemia o que todo mundo mais quer é evitar o risco de contaminação, que o paciente tenha que se deslocar para pegar o resultado do exame, ou mesmo entre a própria equipe médica. Além disso, o resultado chega mais rápido na mão do médico e facilita caso precise fazer comparações com laudos anteriores ou compartilhar o documento para buscar uma segunda opinião”.

Segundo ele, já são mais de 70 hospitais e clínicas que dispõem do serviço em todo o Nordeste. A ideia de criar soluções na área da tecnologia de saúde surgiu em 2016. De lá para cá, o projeto passou por diversas iniciativas, inclusive recebeu prêmio Startup destaque, do Sebrae, em 2018, e hoje está sendo acelerada pela Casa Azul Ventures.

Para Jorge, esta é uma demanda que já estava em ascensão antes da pandemia, mas que tende a acelerar neste novo contexto. Não apenas quando se trata de dar maior eficiência ao fluxo de diagnóstico por imagem para pacientes que estão internados, como quando for retomada a demanda, hoje reprimida, por atendimentos eletivos. “A tecnologia em saúde tem se mostrado crucial neste momento”.

O que você achou desse conteúdo?