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IA nas eleições: oportunidades e riscos para candidatos, eleitores e Justiça
Reportagem Seriada

IA nas eleições: oportunidades e riscos para candidatos, eleitores e Justiça

As inteligências artificiais como aliadas na produção de conteúdo são o grande desafio das eleições 2024 no Brasil. A apreensão está no crescimento da qualidade e da quantidade da desinformação disseminada. Contudo, assim como são ferramentas usadas para gerar fake news, as IAs também oferecem os possíveis antídotos para combater esse problema
Episódio 1

IA nas eleições: oportunidades e riscos para candidatos, eleitores e Justiça

As inteligências artificiais como aliadas na produção de conteúdo são o grande desafio das eleições 2024 no Brasil. A apreensão está no crescimento da qualidade e da quantidade da desinformação disseminada. Contudo, assim como são ferramentas usadas para gerar fake news, as IAs também oferecem os possíveis antídotos para combater esse problema
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A realidade atual é marcada pela presença da inteligência artificial, que possibilita a criação de textos, imagens, áudios e vídeos complexos em um piscar de olhos. Essas ferramentas, conhecidas por sua habilidade de produzir conteúdo em velocidades sobre-humanas, representam uma mudança significativa na forma como interagimos com a tecnologia.

Diante desse cenário, em momentos de agitação social como as Eleições Municipais de 2024, as IAs surgem não apenas como facilitadoras para candidatos, a Justiça e os eleitores, mas também como desafios a serem enfrentados em conjunto.

Especialista dizem ser inevitável o uso de IAs na eleições municipais de outubro. Identicam riscos e oportunidades(Foto: Adobestock)
Foto: Adobestock Especialista dizem ser inevitável o uso de IAs na eleições municipais de outubro. Identicam riscos e oportunidades

É inegável que as inteligências artificiais podem abrir portas para amplificar vozes e perspectivas, economizando tempo e recursos nas mais diversas áreas. Tarefas como redação ou correção de textos, geração de imagens em alta qualidade, dublagem de discursos para outras línguas, análise de sentimentos do público e muitas outras podem ser facilmente realizadas por meio de IAs disponíveis pagas e gratuitas, otimizando processos e reduzindo custos.

Nos últimos anos, essas tecnologias se popularizaram consideravelmente e passaram a ser praticamente onipresentes nas mãos de um público crescente a cada dia. Para especialistas ouvidos pelo O POVO+, o uso de IAs segue uma trajetória semelhante à das redes sociais, que em um passado recente eram utilizadas por apenas alguns grupos, mas agora são quase indispensáveis tanto nas relações pessoais quanto profissionais.

Na política, essa dinâmica não é diferente e aqueles que dominarem essas ferramentas de maneira eficiente e rápida terão mais chances de se destacar, especialmente nas urnas.

Em conversas com professores das áreas da computação e da sociologia, há um consenso de que as IAs serão amplamente utilizadas por candidatos nas próximas eleições municipais. Esse pensamento acontece sobretudo pela explicação de que essas ferramentas, na verdade, já não são necessariamente uma completa novidade no dia a dia das pessoas. Portanto, é uma realidade que não deve retroceder. Pelo contrário, a perspectiva é de que ocorram avanços cada vez mais rápidos e em ritmo acelerado.

Essa expectativa de avanço veloz e contínuo, aliás, reflete a intensa popularização das IAs, que se tornaram parte integrante da rotina de consumidores, eleitores e usuários da web nos últimos anos. Grandes corporações como Amazon, Google, Meta e Microsoft têm liderado o uso dessas ferramentas para melhorar buscas, recomendações de compras e personalização de conteúdo por meio dos chamados algoritmos.

Aplicações em áreas como marketing, medicina, educação, gestão pública, entre muitas outras, também não ficaram para trás e exemplos concretos dessa disseminação são abundantes, evidenciando sua variedade de usos. Desde cientistas da Universidade de São Paulo (USP) que utilizam IA e o histórico de postagens em redes sociais para prever quadros de ansiedade e depressão até a “ressurreição” virtual da cantora Elis Regina em uma propaganda da Volkswagen, as aplicações dessa tecnologia se expandem em velocidade impressionante, transformando profundamente nossa sociedade.

 

Veja algumas aplicações de IAs

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Co-fundador do Coletivo IA, Gabriel Myrrha menciona que outro modo de utilização das IAs é no contexto político. Para defender sua ideia, ele aponta como exemplo o prefeito de Nova Iorque, Eric Adams, que em janeiro de 2024 realizou chamadas telefônicas com dublagem de sua própria voz em diferentes idiomas para se comunicar diretamente com cidadãos de origens estrangeiras que moram na cidade.

Ao trazer para o cenário interno do Brasil, torna-se quase indiscutível que partidos e candidatos deverão adotar essas tecnologias na corrida eleitoral. “Eu tenho certeza que as IAs vão ser utilizadas nas eleições. Isso é um fato, porque o principal mercado impactado pela inteligência artifical foi o marketing e quem faz o marketing das campanhas eleitorais deve usar as IAs em todos os momentos que puderem”, prevê.

Verdadeiro catálogo de plataformas de inteligência artificial, o Coletivo IA seleciona e exibe em suas redes as principais notícias e ferramentas que surgem no segmento. Com o conhecimento das tendências que se apresentam a cada instante, Gabriel Myrrha afirma que chatbots, programas de produção de relatórios e de criação de avatares virtuais, por exemplo, se colocam como potenciais recursos a serem abertamente explorados pelos candidatos.

Gabriel Myrrha é cofundador do Coletivo IA, plataforma que cataloga ferramentas de inteligência artificial(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Gabriel Myrrha é cofundador do Coletivo IA, plataforma que cataloga ferramentas de inteligência artificial

“As ferramentas de inteligência artificial se tornam praticamente obrigatórias para desenvolver conteúdo, se conectar com o público, analisar os cenários, automatizar os processos e ganhar velocidade. Sem contar que elas vão trazer um custo mais baixo para as campanhas. Então quem estiver mais atento a isso e contar com uma infraestrutura melhor pode sair na frente, pois terá mais dados para entender melhor suas audiências e gerar mais conteúdos em cima disso”, completa.

A professora de Ciência da Computação da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Ana Luiza Bessa, raciocina sobre o sentimento de obrigatoriedade para aplicar as IAs em diferentes instâncias da vida. “Se não estou usando, eu posso estar perdendo alguns recursos que estão disponíveis para mim?”, questiona, escolhendo o ChatGPT como seu objeto de reflexão.

"O ChatGPT é uma ferramenta extraordinária para auxiliar no trabalho, especialmente na organização de informações. Seu uso é obrigatório? Não, mas é um recurso valioso que pode ser aproveitado", afirma, acrescentando: "Não é que o ChatGPT, ou a IA em geral, vá substituir o ser humano. Não acredito nisso, mas vejo a IA como uma ferramenta poderosa para aprimorar atividades humanas".

Ana Luiza Bessa é professora de Ciência da Computação da Universidade Estadual do Ceará (Uece)(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Ana Luiza Bessa é professora de Ciência da Computação da Universidade Estadual do Ceará (Uece)

Também doutora em Engenharia de Teleinformática pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Ana Luiza considera desafiador para um político negligenciar o potencial das redes sociais, já que estaria desperdiçando um espaço poderoso de conexão com os eleitores. Nessa lógica, seria igualmente contraproducente ignorar as IAs, que se tornam gradualmente indispensáveis, uma vez que elas são capazes de captar detalhes que podem passar com desatenção pelo olho humano. Ela ainda aponta que dar importância para as IAs é o mesmo que adaptar-se a uma “nova era”.

"Um político com recursos limitados para contratar uma equipe de marketing pode utilizar a IA para gerar conteúdo, como textos e imagens. Isso não significa que serão informações falsas, pois nem tudo que a IA gera será fake news. A IA pode ser de grande ajuda. Como ferramenta, ela será cada vez mais adotada e aqueles que não a utilizarem ficarão para trás, assim como aconteceu com as redes sociais. É uma adaptação aos tempos atuais, é o rumo que o mundo está seguindo”, analisa.

Possíveis aliadas dos candidatos, as IAs abrem margem para diferentes e diversos propósitos ao longo de um processo eleitoral. “Elas têm o poder de levantar informações, redigir materiais de campanha personalizada para cada público, contribuir na elaboração de questionários e na forma de interação com os eleitores. É uma miríade de soluções e aplicações”, constata o professor Edemilson Paraná, Universidade Politécnica de Lappeenranta (LUT University, sigla inglês), na Finlândia.

Diante de uma realidade tangível em que as IAs podem e devem ser bastante utilizadas no processo eleitoral que se aproxima, OP+ solicitou aos entrevistados que fizessem indicações daquelas ferramentas que melhor podem trazer resultados aos seus usuários quando bem empregadas. Abaixo, confirma as principais delas:

 

Indicações de IAs que devem ser bastante utilizadas nas Eleições 2024

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As preocupações que a IA causa no processo eleitoral

Com a crescente presença da inteligência artificial em diversas esferas da sociedade, surge uma preocupação cada vez maior sobre seu uso político. A IA, com sua capacidade de processar grandes volumes de dados e automatizar tarefas complexas, oferece às campanhas políticas uma série de ferramentas potencialmente poderosas. Ao mesmo tempo, essa mesma tecnologia também levanta questões éticas e práticas que precisam ser consideradas.

Entre as principais preocupações está no potencial uso indevido da IA para manipular informações e disseminar desinformação. Docente de Sociologia Econômica da finlandesa LUT University, Edemilson Paraná destaca um ponto crucial de preocupação para a Justiça Eleitoral em 2024: a popularização das inteligências artificiais generativas.

IAs generativas são aquelas com capacidade de gerar textos, imagens, áudios e vídeos a partir de prompts (os comandos em texto), o que aumenta significativamente a possibilidade de produção de conteúdo tanto verídico quando falso. Desse modo, a inquietude é de que haja uma produção e disseminação de fake news em escalas assustadoras.

Edemilson Paraná é professor da Universidade Politécnica de Lappeenranta (LUT University, sigla inglês), na Finlândia(Foto: LUT University)
Foto: LUT University Edemilson Paraná é professor da Universidade Politécnica de Lappeenranta (LUT University, sigla inglês), na Finlândia

“Certamente o uso da IA vai ocorrer eventualmente de maneira positiva para ampliar o alcance das mensagens do candidato no contexto de uma disputa democrática aberta, clara e idônea. Agora de fato a utilização desses instrumentos é, sim, motivo de preocupação para a Justiça Eleitoral e exige um cuidado e uma atenção ainda maiores. Se há potenciais positivos, há também um potencial muito significativo de dano ao processo com informações falsas, fake news e deep fakes que podem confundir as pessoas”, aponta.

Também professor do programa de pós-gradação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), ele particulariza a periculosidade de produção de vídeos falsos produzidos por inteligência artificial que podem confundir dos mais leigos aos mais instruídos dos eleitores: “A qualidade que esses vídeos estão ganhando é assustadora.”


As preocupações em relação ao uso indiscriminado das IAs no processo eleitoral, portanto, se tornam “absolutamente legítimas e fundamentadas em fatos, evidências e acontecimentos pregressos”, retoma Edemilson Paraná.

“A qualidade das produções feitas por IA são realmente preocupantes no sentido do quanto elas podem confundir as pessoas sobre a verdade dos acontecimentos. Isso serve para imagens, textos, vídeos, interações com chatbots ou disparadas em massa de mensagens dirigidas a grupos específicos. Não é só um risco, é uma realidade que inclusive está levando a uma regulação nas Eleições de 2024”, conta.

O especialista se refere à regulamentação inédita, aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobre o uso da inteligência artificial na propaganda de partidos, coligações, federações partidárias e candidatos nas Eleições Municipais de 2024. No fim de fevereiro, a Corte aprovou uma série de regras que devem ser seguidas no processo eleitoral.

Entre as regras a serem seguidas estão: a proibição de deep fakes, a exigência de notificação sobre o uso de IA na propaganda eleitoral, a limitação do uso de robôs para interagir com os eleitores (impedindo a simulação de diálogos com candidatos ou outras pessoas) e a responsabilização das grandes empresas de tecnologia que não removerem imediatamente conteúdos contendo desinformação, discurso de ódio, ideologias nazistas e fascistas, além de mensagens antidemocráticas, racistas e homofóbicas.

Importante lembrar que a produção de fake news não é algo exclusivo das ferramentas de inteligência artificial – apesar destas poderem ser utilizadas para tal, inclusive aumentando a qualidade e o volume da desinformação. Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Artur de Oliveira lembra que gerar informações mentirosas já está democraticamente ao alcance de poucos cliques.

“Existem sites capazes de gerar notícias falsas no formato de jornais, como se fossem manchetes. São geradores de notícias falsas, em que você coloca o texto e eles (os sites) já formatam como se fosse um print (captura de tela) de um jornal. E isso não é IA”, afirma ele, que leciona Ciência da Computação no campus de Itapajé.

Artur de Oliveira é professor de Ciência da Computação, na Universidade Federal do Ceará (UFC), em Itapajé(Foto: Viktor Braga / UFC Itapajé)
Foto: Viktor Braga / UFC Itapajé Artur de Oliveira é professor de Ciência da Computação, na Universidade Federal do Ceará (UFC), em Itapajé

Também mestre e doutorando em Ciência da Computação pela UFC, ele conta que um usuário comum, mesmo com pouca habilidade de escrita, pode usar chatbots para escrever uma notícia e distribuir nas redes sociais. “O usuário não vai ter que aprender nenhuma ferramenta complexa ou que vai exigir tempo de edição de imagem, nem de áudio. Só vai ter que escrever e publicar. E todo esse processo vai ser em português”, constata.

 

 

Parte do problema, IAs também são a solução para combater fake news

As preocupações em relação ao uso de inteligência artificial nas eleições se intensificam, mas proibir seu uso não parece ser uma solução viável. Ao mesmo tempo, há a possibilidade de usar as próprias ferramentas de IA para combater fake news criadas por outras IAs. Pode-se considerar que, assim como o veneno produzido para criar desinformação, nas IAs também se encontram os possíveis antídotos para lidar com esse problema.

Professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Ana Luiza Bessa comenta que, de modo geral, o receio à respeito das tecnologias não é algo novo na história da humanidade. Na realidade, ainda na Revolução Industrial, no século XVIII, o surgimento das máquinas já soava como um grande e possível usurpador de empregos. Depois o mesmo aconteceu com os computadores e a internet. Agora, a bola da vez está com as inteligências artificiais.

“Portanto, não faz sentido demonizar a tecnologia”, relembra Ana Luiza, apontando que muitas das novidades que surgem com desconfiança logo são incorporadas até mesmo pelos seus críticos. “A IA veio para ficar. A principal questão é como vamos lidar com ela.” Diante disso, a professora menciona a possibilidade das próprias ferramentas de IA serem utilizadas para reconhecer e combater a propagação de fake news.

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"A IA gera um problema, mas a solução está dentro dela mesma" – Ana Luiza Bessa, professora de Ciência da Computação da UFC

"Existem recursos e algoritmos que você pode usar para descobrir essas falsidades. Por isso os governos batem bastante na tecla para que os servidores das plataformas (como Google, WhatsApp, etc.) tenham o dever de identificar se aquela informação é falsa ou não. E isso é possível de fazer”, complementa.

Em 2023, plataformas de inteligência artificial e de redes sociais se comprometeram a se somar na luta contra a desinformação. OpenAI, Google e Meta foram algumas das empresas que anunciaram que colocariam marcas dágua em imagens e vídeos criados por IA. A ideia é que essas informações não sejam visíveis ao público, mas que possam ser detectadas pelos algoritmos. Com isso, etiquetas (tags) devem adicionadas em publicações informando que tais imagens foram geradas por IA.

Além destas tags, há a ideia de qualificar certas informações compartilhadas nessas redes como falsas. "Essas grandes empresas têm recursos para fazer uma primeira filtragem. O primeiro antivírus deveria ser delas, mas elas evitam fazer por medo de dispersar usuários para outras redes", destaca o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Artur de Oliveira.

Ao mesmo tempo, ele pondera sobre essa abordagem, a qual poderia gerar um efeito oposto ao desejado. “Se um membro de um movimento conspiracionista for identificado com uma tag de disseminação de informações falsas, outros podem considerá-lo admirável, já que o 'sistema' estaria contra ele. O efeito pode ser até contrário, mas esse usuário tem que ser identificado, pois temos que saber quem ele é, até para assim ele poder ser investigado futuramente”, enfatiza.

Outra faceta desse emaranhado de conexões é o papel do eleitor, o qual deve se munir de pensamento crítico sobre o conteúdo que recebe em suas redes sociais e grupos privados. "É uma responsabilidade compartilhada entre governo, plataformas e indivíduos. Devemos verificar a veracidade das informações que recebemos, pois no mundo atual não dá para acreditar na primeira coisa que vemos", enfatiza Ana Luiza, sem esquecer a importância da regulação jurídica para responsabilizar e punir eventuais delitos.

À medida que as IAs generativas se popularizam, surgem também identificadores de IAs e de possíveis notícias falsas. Assim como foi solicitado aos entrevistados sugestões de ferramentas para produção de conteúdo, O POVO+ também pediu recomendações de tecnologias que ajudam a verificar a autenticidade de determinados informações. Confira abaixo:

 

IAs que ajudam identificar fake news ou produções de IA

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