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Entenda a polêmica sobre o filme Persuasão, baseado na obra de Jane Austen
Reportagem Seriada

Entenda a polêmica sobre o filme Persuasão, baseado na obra de Jane Austen

Adaptação da obra Persuasão, da escritora inglesa Jane Austen, para a Netflix, desencadeia uma saraivada de críticas às licenças da diretora Carrie Cracknell. No centro da polêmica, a quebra da quarta parede. Entenda a polêmica
Episódio 5

Entenda a polêmica sobre o filme Persuasão, baseado na obra de Jane Austen

Adaptação da obra Persuasão, da escritora inglesa Jane Austen, para a Netflix, desencadeia uma saraivada de críticas às licenças da diretora Carrie Cracknell. No centro da polêmica, a quebra da quarta parede. Entenda a polêmica
Episódio 5
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Foi só o filme “Persuasão” ser lançado na plataforma Netflix para a polêmica tomar conta da comunidade de leitores, principalmente leitoras, da escritora inglesa Jane Austen (1775-1817). A crítica de TV, cinema e streaming do jornal estadunidense "New York Times", Sarah Lyall, escreveu um longo artigo investigando as causas de muito leitores quase “desmaiarem” diante da nova adaptação do sexto romance de Austen e outros “abandonarem de vez o sofá” com desgosto das “liberdades” que empanturram a obra fílmica.

 

Dakota Johnson faz Anne Elliot em Persuasão, filme baseado na obra de Jane Austen(Foto: Divulgação )
Foto: Divulgação Dakota Johnson faz Anne Elliot em Persuasão, filme baseado na obra de Jane Austen

A crítica de cinema Dana Stevens, da revista "Slate", não teve piedade da diretora britânica Carrie Cracknell ao afirmar que o filme “Persuasão” não seria apenas “a pior adaptação de Austen, mas um dos piores filmes da memória recente”.

No Brasil, o filme parece não ter agradado nem aos gregos (críticos) nem aos troianos (espectadores- leitores de Jane Austen). A psicanalista, escritora e crítica literária Fabiane Secches afirmou, em texto publicado na "Folha de S. Paulo", sobre o filme: “é uma obra fraca, com decisões ruins, que se distancia muito da qualidade do material original”.

 

Dakota Johnson interpreta Anne Elliot em Persuasão (Foto: Divulgação )
Foto: Divulgação Dakota Johnson interpreta Anne Elliot em Persuasão

 Mas por que tanto rebuliço em torno da adaptação de uma obra publicada em 1818, após a morte da autora? Em primeiro lugar, os leitores da Jane Austen formam uma comunidade apaixonada pela autora. “Ela é muito querida. Sua obra é comparada a uma joia”, afirmou Adriana Sales, criadora do site Jane Austen Sociedade do Brasil, que de leitora tornou-se pesquisadora e tradutora da obra de Austen.

Professora de língua inglesa e suas literaturas no Cefet-MG, Adriana ameniza a saraivada de críticas ao filme afirmando que a adaptação é muito bem vinda, principalmente por ser uma obra com alta carga romântica e que traz à tona questões de gênero.

No entanto, embora não tenha debandado do sofá, viu algumas fragilidades na tradução do livro para o filme. A começar pela dramaticidade da personagem Anne Elliot que, no livro, é uma moça recatada envolta num sofrimento íntimo por ter recusado o amor de sua vida 8 anos antes. “Esse sofrimento não é retratado, não se consegue acompanhar a dor de Anne Elliot”, analisa a professora, principalmente quando o capitão Frederick Wentworth retorna ao lugarejo onde Elliot ainda peleja com o arrependimento por tê-lo dispensado.

 

Além disso, a polêmica da quarta parede parece infinita e se tornou um dos maiores pontos de discórdia entre as espectadoras da adaptação. O recurso no qual a personagem fala diretamente com o espectador via câmera, segundo Adriana Sales, é bem vindo e foi positivo, mas, em alguns momentos, soa muito “forçado”. 

Adriana Sales, pesquisadora e tradutora da literatura de Jane Austen(Foto: Acervo da autora )
Foto: Acervo da autora Adriana Sales, pesquisadora e tradutora da literatura de Jane Austen

A especialista em Jane Austen afirma ainda que o ator Cosmo Jarvis escolhido como par romântico da mocinha é bonito e sóbrio, mas “não entrou no personagem”, que é muito mais intenso. Segundo ela, algumas licenças são até necessárias para uma adaptação a fim de modernizar o texto básico.

No entanto, colocar Dakota Johnson correndo enquanto um off com a voz dela lia o bilhete deixado pelo capitão Wentworth, “não foi a melhor alternativa” para a atualização da obra, avalia a especialista. "A carta é um ápice e a corrida fez perder o encanto do texto", sugere Adriana, que elogia a troca do outono e do inverno do livro pela primavera e o verão do filme, o que permite, inclusive, mais cenas valorizando a bela fotografia do filme.

Adriana é um exemplo de leitora apaixonada. Conheceu a autora durante a graduação em Letras, em 1998, mas só um pouco mais tarde, morando em Nova York, é que adquiriu toda a coleção de Austen. A paixão transformou-se pesquisa e, mais tarde, em tradução. Em 2008, decidiu criar um Jane Austen Sociedade do Brasil, a exemplo de outros países como Estados Unidos e Reino Unido que mantêm sociedades sustentadas pelos aficionados pela escritora. "Esses grupos são muito organizados e se reúnem com frequência em eventos sobre a autora. Participei, em 2016, em Londres, de um desses encontros com 850 pessoas pagantes". 

No País, o Jane Austen Sociedade do Brasil disponibiliza pesquisas recentes sobre a escritora e oferece cursos ministrados pela própria Adriana sobre Jane Austen. A autora movimenta de forma silenciosa uma legião de leitores, tanto que a obra em destaque Persuasão chegou ao clube de leitura do Tik Tok em agosto. O Book Club Tik Tok Book Club tem em média 60 bilhões de visualizações. 

 

 

 

 

>> Lista com 5 livros da Jane Austen

 

 

Quem é essa comunidade leitora de Jane Austen

De acordo com Adriana Sales, o público leitor de Austen no Brasil é formado por 95% de mulheres. O que atrai tantas mulheres à literatura novecentista da escritora inglesa? "Apesar dos livros ter sido escritos em pleno século 19, os temas persistem até hoje. As heroínas de Jane estão em primeiro plano e o texto atravessa séculos e transcorre do micro, que é o interior da Inglaterra, ao macro que são temas universais femininos", explica Adriana. Segundo ela, Jane pode ser considerada "protofeminista" por denunciar a situação da mulher daquela época nos seus romances", sem contar a forma como ela trouxe inovações para o romance. 

Ayla Nobre, leitora de Jane Austen(Foto: Acervo da Autora)
Foto: Acervo da Autora Ayla Nobre, leitora de Jane Austen

Ayla Nobre concorda que há uma identificação entre as heroínas de Austen e as leitoras do século 21. "Comecei a ler Jane Austen aos 15 anos e li, simultaneamente, Jane Austen e Charlote Brontë e eram dois mundos muito diferentes. Enquanto Charlote trazia o sobrenatural e o gótico em Jane Ayre, Jane Austen escreve sobre as relações mais sensíveis". 

As distâncias entre o tempo - século 19 -  e o cenário - interior da Inglaterra - nunca foram problema intransponíveis para Ayla. "Nenhum estranhamento. Quando comecei a ler, passei a pesquisar sobre a autora e o lugar onde acontece a trama e claro que é uma literatura muito diferente de Charles Dickens, embora Dickens escreva a partir da Inglaterra e também no século 19".

Kami Girão, leitora de Austen e escritora(Foto: Acervo da Autora)
Foto: Acervo da Autora Kami Girão, leitora de Austen e escritora

Quando a  escritora Kami Girão começou a ler Jane Austen, chamou sua atenção o fato de que o livro era vendido como "romance" que parecia bem mais mais simples do que ela encontrou na trama: "Percebi que os personagens eram complexos e havia uma ironia fina no texto". A ironia e a elegância do texto de Austen, por sinal, influenciaram a autora do romance "Fisheye" e do livro contos "Anamélia". 

As duas estão se esquivando da polêmica da quarta-parede e outras licenças do filme Persuasão. Enquanto Ayla está relendo a obra para ver o filme, Kami acompanha de longe a celeuma crítica. "Pelo que tenho lido, eles erraram a mão e talvez não fosse essa a pegada do filme". Ela cita, por exemplo, Patricinha de Bevery Hills, como um acerto fílmico baseado da obra de Austen. "Foi a melhor adaptação de Emma", afirma Kami.

 

 

 

 


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