O audacioso plano de resgate de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, para fuga da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, por pouco não aconteceu de fato. O projeto criminoso foi descoberto quase por acaso pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo. No dia 2 de outubro de 2018, um preso procurou a direção da unidade para delatar a empreitada. Sairiam Marcola e os principais cabeças da organização.
Usariam artilharia pesada: balas ponto 50 (fura-blindagem), granadas, lança-foguetes. Previam explodir a subestação elétrica e um cerco a tiros a dois quartéis da Polícia Militar. Foi a descoberta deste plano que fundamentou o pedido de remoção dos principais nomes da facção, do sistema prisional paulista para penitenciárias federais.
Também como esboço do resgate, a rodovia Raposo Tavares, ao lado da penitenciária, seria interditada com carros incendiados e homens empunhando fuzis. Seria destruição em alto grau na cidade. Acionariam helicópteros, carros blindados e um avião de pequeno porte - também impedindo a decolagem do helicóptero da PM.
A muralha poderia ser derrubada. A pista de pouso local fica a dois quilômetros da cadeia, a distância perfeita para Marcola embarcar em tempo mínimo num jatinho. Deveria ser levado para Paraguai ou Bolívia numa primeira rota. Depois, sabe-se lá. O piloto era um iraniano e o co-piloto venezuelano, ambos capturados posteriormente.
Na fase de preparação do plano, mesmo diante de todo o aparato de segurança do local, a organização criminosa chegou a operar diversos sobrevoos de drones para registrar a rotina e possíveis vulnerabilidades da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau. Vários foram percebidos.
O primeiro deles dava rasantes na muralha às 9h50min do dia 27 de outubro de 2018. Mais cedo, às 4h30min da mesma data, já haviam visto o equipamento. Desse dia até 6 de novembro foram pelo menos sete drones avistados por câmeras de segurança. Pela altura, os policiais não conseguiam derrubá-los, segundo a investigação.
Aquilo tudo, em vias de acontecer, o promotor de Justiça Lincoln Gakiya usou como argumento para pedir a urgente transferência dos chefes do PCC. A facção já havia contratado mercenários da África e de vizinhos sulamericanos, treinados especificamente para a operação de resgate.
Os recursos para a fuga eram expressivos: R$ 100 milhões. Por isso, o MP paulista demandou que era urgente removê-los das cadeias paulistas para o sistema penitenciário federal.
A lista de resgatáveis tinha 15 nomes das “Sintonias” mais importantes (Final e Estadual): Marcola, Marcolinha, Pezão, Chacal, Funchal, Sandrinho, Bradock, Granada, Cego, Azul, Carambola, Lori, Val do Bristol, Du da Bela Vista e Forjado.
O Gaeco e o Serviço de Inteligência da Administração Penitenciária de São Paulo já estavam convencidos, com aquele desenho de fuga engenhoso e uma recente nova condenação de mais de 30 anos - acrescidos a outros 300 anos de pena - Marcola "já não possuía expectativa de sair da prisão pela porta da frente". Silenciosamente, as transferências foram confirmadas e o plano acabou minado.
O homem de confiança acionado por Marcola para fazer o plano de resgate "rodar" do lado de fora foi Gilberto Aparecido dos Santos, o "Fuminho". Até então foragido, ele seria o substituto na missão que havia sido dada - e não cumprida - a um outro "de confiança" do chefe: Rogério Jeremias de Simone, o "Gegê do Mangue". Logo que saiu da cadeia, no início de fevereiro de 2017, Gegê havia prometido ao "irmão" Marcola que o tiraria das grades.
Ele era o principal chefe da facção em liberdade naquele momento. Porém, não teria se esforçado tanto assim. Gegê veio morar no Ceará, comprou carros caros, casa luxuosa, tirou "férias", mas também teria montado um esquema particular para tráfico de drogas entre a Bolívia, o Brasil e países da Europa.
Mas ainda usando a estrutura da facção, segundo documentos da investigação. Como parceiro, chamou Fabiano Alves de Souza, o "Paca", também membro da Sintonia Final, nome da cúpula da organização.
Gegê foi apontado como traidor por desviar recursos da "família". Gakiya cita algo na faixa de R$ 100 milhões retirados. Teria sido essa a causa de sua "decretação" (sentença de morte) pelo PCC de Marcola. Além de abandonar o projeto de resgatar os cabeças da facção.
"Fuminho teria percebido que Gegê não tinha interesse algum na liberdade de Marcola, pois uma vez resgatado, Gegê passaria a ser um coadjuvante na facção e Marcola descobriria as diversas irregularidades praticadas", descreve um relatório de inteligência da administração penitenciária de São Paulo a que O POVO teve acesso.
Gegê foi executado em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza, em 15 de fevereiro de 2018. Por ironia, dentro de uma mata de mangue da aldeia indígena jenipapo-kanindé. Paca estava ao lado e também foi morto. Ambos a tiros.
Haviam sido levados para a emboscada de helicóptero, cedo daquele dia. Esse "salve" (ordem) contra Gegê e Paca no território cearense teria sido coordenado por Fuminho à distância.
No último dia 13 de abril, após 21 anos foragido, Fuminho foi preso em Maputo, capital de Moçambique. Está respondendo, na comarca de Aquiraz, no Ceará, como mandante dos assassinatos de Gegê e Paca. Outros dez teriam sido os executores.
A principal moeda trabalhada pelo PCC é o dólar. Nas cifras mais robustas, para além do que é movimentado pelo mercado consumidor interno ou sulamericano de armas e drogas, é com o dinheiro americano que mais a organização brasileira acerta seus negócios.
É como compra, recebe, lava, esconde em paraísos fiscais e, de fato, enche os cofres. Os reais, euros, libras e moedas africanas ou asiáticas também são usados, mas seriam em escalas menores, como moeda circulante.
Na estimativa do Ministério Público de São Paulo (MPSP), apenas em transações geradas pelo braço paulista, a "família" estaria faturando perto de 100 milhões de dólares anualmente.
Na cotação atual, o valor passa de meio bilhão de reais. Para camuflar, a Sintonia Financeira do PCC, que reúne os contadores e operadores do dinheiro da facção, evita a todo custo o sistema bancário tradicional.
O artifício é recorrer prioritariamente a doleiros. Em qualquer parte do globo onde fecham aquisições ou vendas. Mesmo que não seja a moeda do país onde aconteça a negociata ilícita.
"Nós já descobrimos que é paga via doleiro, dólar-cabo (negociação no mercado paralelo para depósito em instituição no exterior), como era a questão da Lava Jato. O sujeito recebe um código internacional de transação bancária e esse código pode ser, digamos, descontado no Paraguai, na Bolívia, na Colômbia, no Peru, no Brasil, na Suécia. A gente vai atrás desses doleiros e dessas ligações", descreve o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPSP.
O dinheiro "pouco", de R$ 50 mil, por exemplo, segundo Gakiya, é usado para gerir os pequenos negócios dentro de uma unidade prisional ou em células (bocas) de bairros. O trabalho do doleiro seria permitir que o dinheiro circule por países diversos sem que vire espécie.
O promotor descreve que um quilo de cocaína na Europa, ao preço de 35 mil euros, e no caso de uma tonelada da droga exportada mensalmente apenas pelo porto de Santos (SP), seria um problema quando esse dinheiro retornasse ao Brasil em cédulas.
Mas a operação compensa porque o valor do quilo do pó é o triplo do que é negociado no Brasil. Pelo dólar-cabo, evitam o transporte de dinheiro, o risco da quantia ser apreendida e facilita o esquema de lavagem.
Gilberto Aparecido dos Santos, o “Fuminho”, após 21 anos foragido, foi capturado em abril em Maputo, capital do Moçambique. Sócio de Marcola, estaria acertando novas transações no continente africano. Morava na África do Sul. Mas, fora do Brasil, ele também era próximo da Ndrangheta, uma das máfias da Itália. Operava de acordo com a moeda da oportunidade. (Cláudio Ribeiro)
Matrícula nº 45.465 no sistema prisional paulista, removido por medida de segurança para a Penitenciária Federal de Brasília, mantido sob o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).
Na contagem até março de 2020, pouco antes de começar a quarentena do lado de fora da muralha, Marco Willians Herbas Camacho, "Marcola" (ou "Boy", para os mais chegados), 52 anos de idade, tem ainda longos 330 anos de cadeia a cumprir.
Pena que pode aumentar um pouco mais, se a Justiça de São Paulo concordar com nova denúncia formalizada contra ele, no final de junho último.
Serão de três a oito anos de reclusão a mais de condenação, caso a acusação do Ministério Público de São Paulo (MPSP) seja confirmada em julgamento. A denúncia é de associação criminosa.
O caso em questão foi denominado pelo MP como "o das Cartas da Penitenciária-2 de Presidente Venceslau". Especificamente, um lote de sete bilhetes apreendidos na inspeção feita junto a duas mulheres numa visita àquela unidade prisional.
Eram mais ordens levadas de dentro para fora das cadeias locais. As mulheres eram companheiras de dois colegas de Marcola (um deles da mesma cela). Não seria incomum, não fossem os manuscritos comandos diretos para matar pelo menos duas autoridades.
"A análise e a decodificação das cartas apreendidas evidenciaram ordem para os assassinatos do dr Lincoln Gakiya" (promotor de justiça do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado-Gaeco) e "do coordenador regional dos presídios da Região Oeste do Estado (Roberto Medina), responsável pela equipe de inteligência que descobriu o plano de resgate" dos chefes da facção, descreve a nova denúncia assinada por cinco promotores do MPSP. Parte dos "salves" estava codificada.
Gakiya e Medina estariam no alvo por terem descoberto e atrapalhado a trama de fuga de Marcola e de outros chefes do PCC. Um projeto de R$ 100 milhões da facção para resgatar a cúpula da organização da Penitenciária-2.
Após o plano ser detectado, em outubro de 2018 - após a delação de um irmão da facção de Marcola -, o promotor Gakiya requisitou, no fim de novembro, a transferência imediata de 15 nomes da "família" para penitenciárias federais. Isso teria irritado Marcola ao ponto de ordenar as execuções.
A notícia da transferência vazou para a imprensa dia 2 de dezembro. Os bilhetes foram apreendidos na visita do dia 8 de dezembro.
Além de Marcola, mais quatro pessoas fazem parte da denúncia apresentada à 3ª Vara Criminal de Presidente Venceslau (SP): Júlio César Figueira ("Taison"), Mauro César dos Santos Silva, Alessandra Cristina Vieira e Maria Eliane de Oliveira.
Conforme a investigação, Taison dividia cela com Marcola e é companheiro de Eliane. Mauro César teria participado mesmo estando em outra unidade, na Penitenciária-1, e é companheiro de Alessandra. Os bilhetes estavam nas bolsas, roupas e no carro das mulheres.
No Ceará, Marcola ainda não foi julgado por um crime cometido em fevereiro de 2000. Ele é um dos 20 réus acusados de participação no assalto à Nordeste segurança de Valores.
A quadrilha que atacou a empresa, em Caucaia, levou R$ 1,4 milhão. Dois denunciados morreram e parte do grupo já recebeu sentença. Oito não foram julgados, incluindo Marcola. Teria sido uma das incursões criminosas do chefe do PCC no Estado - não a única.
Pela regra jurídica, um crime pode prescrever em 20 anos, contados da data da denúncia feita pelo Ministério Público (7 de abril). Porém, com a extensão dos prazos processuais em 2020 por conta da pandemia, o processo segue em andamento. A validade estaria até 2021.
Dirigido aos "irmãos da rua" da facção, os bilhetes apreendidos com as mulheres na porta da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no interior paulista, detalhavam que já havia informações suficientes para os "salves" contra o coordenador regional da administração penitenciária dos presídios, Roberto Medina, e contra o promotor de justiça Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPSP.
Os escritos, segundo a investigação, já eram uma cobrança de Marcola (Marco Willians Herbas Camacho). Deixaram claro que as execuções estariam demorando, deveriam ter acontecido.
Os dois alvos estariam sendo monitorados pelos criminosos havia algum tempo. "Espero que esta encontre todos com saúde apezar (sic) do Frango, esse que mora na mesma quebrada de voceis (sic). Tá na mão tudo os endereço que ele vai tá mapeado. (...) Dá pra fazer ele hora que quiser", dizia o trecho com referência a Medina.
Na sequência, no mesmo bilhete, a citação é sobre o promotor Gakiya. "Outro salve do Frango Japoneis (sic) é um pouco mais complicado mais (sic) dá pra fazer também, ora (sic) que quizer. O que tá pegando é que a cidade dele é bem maior que w pra dar o balão depois é mais difícil, mais (sic) os irs (irmãos) tão nessa pegada. O de w dá pra fazer ora que vcs fala que é a ora. É nois". No palavreado da cadeia, "W" significa vocês e "dar o balão" é fugir.
Outro bilhete descoberto mencionava que, diante da real possibilidade de transferência de Marcola para uma penitenciária federal, ainda assim a "missão" dada deveria ser cumprida de qualquer jeito.
"Prest a atenção todos vcs da Restrita. Essa missão é de extrema, pois se o amigo aqui for para federal, essa situação tem que ser colocada no chão de qualquer forma". “O amigo” em questão seria o próprio Marcola mandando as execuções acontecerem logo ("colocar no chão").
No trecho final do manuscrito, Marcola destaca sua irritação com o plano de sua fuga ter sido descoberto. "Infelizmente a carona não deu certo, existem traidores no meio de nois (sic)". Ele considerou ter sido atrapalhado por traidores. E deixou definido: "Existe (sic) traidores no meio de nois, mas esses na melhor hora vão ter a resposta (à) altura".
A denúncia do MPSP feita à Justiça de São Paulo reconhece que "os bilhetes apreendidos deixam claro que a organização criminosa, por ordem de seu líder Marcos Willians, valendo-se da fundamental participação de Mauro César, Júlio César, Alessandra e Maria Eliane, agiu em retaliação aos pedidos de transferência e isolamento de seus líderes, disparando ordens para que outros integrantes passassem a coordenar o plano já em andamento para o assassinato do promotor de justiça e do coordenador da SAP".
1) Lincoln Gakiya (promotor de Justiça - Gaeco de Presidente Prudente)
2) Roberto Medina (coordenador das unidades prisionais da região Oeste de São Paulo)
3) Luis Fernando Negrão Bizoto (diretor geral da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau)
4) Maurício Moreira de Souza (diretor do Núcleo de Segurança e Disciplina da Penitenciária 1 de Presidente Venceslau)
Como é a vida do promotor Lincoln Gakya, há 15 anos marcado para morrer pela principal organização criminosa da América do Sul, o PCC