Quando pensamos nas relações econômicas entre o Estado e Portugal, nos vem à cabeça grandes empresas e empresários estruturados. Porém, há uma realidade de pessoas físicas, com recursos limitados, que deixam sua terra na Europa em busca de novas chances além-mar.
No Ceará, de acordo com levantamento da Polícia Federal do fim do ano passado, vivem legalmente 1.929 portugueses. Porém, para o Conselho das Comunidades Portuguesas que atende o Estado, esse número estaria em torno de 3 mil portugueses com residência fixada por aqui.
A quantidade não é precisa, pois a inscrição no órgão português não é obrigatória, mas é o que garante ao cidadão português acesso a serviços como renovação de documentos (Passaporte e Cartão do Cidadão), por exemplo.
Responsável por cuidar dos portugueses que vivem nos estados do Ceará e Piauí, o conselheiro Arnaldo Vidal acredita que esse montante seja muito maior.
“Estimo que existam cerca de 7 mil portugueses atualmente no Estado. E veja que eles podem entrar no Brasil por outros estados e migrar para cá depois. Há também aqueles que vêm prestar serviços para empresas portuguesas e passam um determinado período, então, são muitas variáveis.”
É para estes que o governo português mantém os Conselhos das Comunidades Portuguesas, órgão consultivo do Executivo do país para as políticas relativas à emigração e às comunidades portuguesas no estrangeiro.
Vidal explica que o maior objetivo é apoiar essas pessoas caso ocorra algum problema em solo estrangeiro.
“Porém, eles (portugueses) não estão vindo com tanta intensidade, acredito que pelas inseguranças já conhecidas do país. Os últimos portugueses que tenho conhecimento que vieram e se instalaram aqui, têm mais de dez anos.”
O conselheiro ainda comenta que quando não são empresas ou empresários já estabelecidos que querem expandir seus negócios, os portugueses que acabam migrando para o Ceará, geralmente, estão em áreas da construção civil e de gastronomia, sendo a maioria profissionais autônomos.
Exemplo de português que saiu da sua terra para investir na gastronomia aqui no Ceará é o engenheiro mecânico Gabriel Rosa Santos Carvalho, 41 anos. Com a esposa, Írismaria Mendes Gomes de Araújo, 34 anos, que largou a advocacia trabalhista, abriu a confeitaria Tasquinha Portuguesa, no bairro São Gerardo, em Fortaleza.
Ela brasileira, ele português, constroem juntos um espaço que traz na sua essência, o gostinho de Portugal. Mesmo tendo atuado durante anos como engenheiro mecânico, ele lembra que sempre teve um “grande gosto para a culinária”, por conta de sua mãe, que foi chef de cozinha em um hotel, por mais de 30 anos.
“É algo que eu sempre tive presença em minha casa e de ir muitas vezes ao trabalho da minha mãe. Além disso, a minha vó também cozinhava, fazia pães caseiros. Então, eu sempre estive inserido neste ambiente, nesta cultura de produção.”
Ainda sobre a sua história, Gabriel lembra que a cozinha, na sua casa em Portugal, tinha um papel de sala de estar, de confraternização entre a família. Era um local para receber pessoas. E já neste período de infância e adolescência, ele aprendia o fazer culinário com suas matriarcas.
O agora chef da Tasquinha Portuguesa destaca que ser engenheiro mecânico também era algo que sempre quis e foi por meio da sua profissão de formação acadêmica que veio para o Brasil.
A primeira vez que veio foi como engenheiro empregado de uma empresa portuguesa que prestava serviços aqui, em 2013, na área de manutenção de equipamentos da indústria de cerâmica, na cidade de Ribeirão Preto (SP).
Foi em 2016 que Gabriel conheceu o Ceará, vindo para trabalhar em Caucaia. No mesmo período em que conheceu, também, a sua esposa. Foi desse amor que surgiu a ideia de vir em definitivo para o Brasil e com a meta de ter um negócio próprio.
E, de um espaço que já tinha sido uma padaria, após uma reforma e uma ideia original, nasceu a Tasquinha Portuguesa. O local, que está passando por uma expansão, tem na essência os doces e salgados de padarias portuguesas, as receitas de família de Gabriel e o toque cearense de Íris.
“Precisamos fazer adaptações, colocar a tapioca no cardápio e o creme de avelã, por exemplo, para agradar o gosto dos clientes. Precisei, também, fazer adaptações de receitas por conta do tipo de ingrediente usado em Portugal e aqui, mas digo que estamos indo bem e nossos sabores têm feito sucesso”, diz Gabriel.
Sobre ganhos, Gabriel é discreto mas revela que todo o seu investimento inicial já se pagou e que sua meta é sempre reinvestir e ampliar o negócio no ramo da gastronomia, empregando mais pessoas e chegando em mais locais.
Com a mente inquieta e sempre buscando trazer novidades, o chef periodicamente traz novidades para o cardápio. Porém, como investidor em solo cearense, o seu projeto é ter uma linha de produtos portugueses para vender, congelados, em mercantis da cidade.
“O meu maior projeto é poder industrializar alguns produtos que eu tenho, tendo a minha marca e podendo vender para outros restaurantes ou para o consumidor final, que quer chegar em casa e ter algo diferente para consumir, como os nossos pastéis de nata, que seriam pré-assados”, exemplifica o empresário.
Por Portugal representar pouco na pauta exportadora do Estado, normalmente, quem faz inteligência comercial acaba por não inserir o país neste contexto. Porém, apenas nos quatro primeiros meses deste ano, foram exportados US$ 6.503.106. O mês com maior volume, até o momento, foi janeiro, com US$ 2.202.204.
De 2018 para cá, o ano de melhor movimentação de exportação de produtos cearenses para Portugal foi 2022, com o valor total de US$ 17.413.275. O resultado é, inclusive, melhor do que os números de antes da pandemia, em que em 2019 o volume total exportado foi de US$ 13.310.264.
Contudo, para a executiva da Câmara Brasil Portugal no Ceará, Clivânia Teixeira, “o que ainda é pouco se transforma em um potencial”.
Ela relembra que Portugal é a porta atlântica de entrada para a União Europeia, que tem uma população estimada em cerca de 500 milhões de pessoas e que, da mesma forma, o Ceará é considerado a porta atlântica para o Brasil, devido à posição geográfica.
E que esta relação econômica foi muito aquecida no início dos anos 2000, com a chegada efetiva da empresa aérea TAP e a inauguração de um empreendimento grande, português, na Praia do Futuro, que é o Hotel Vila Galé.
"Somos a maior rede de negócios em língua portuguesa funcionando no Brasil"
“É nesse contexto que é fundada a Câmara Brasil Portugal no Ceará, em 2001, e a Federação das Câmaras Brasil Portugal, que atualmente conta com 19 membros. “Somos a maior rede de negócios em língua portuguesa funcionando no Brasil.”
Clivânia explica que as câmaras são consideradas agentes legítimos da diplomacia da relação econômica e têm uma tradição ainda maior na Europa.
“Temos tentado que todas as nossas câmaras Brasil/Portugal tenham reconhecimento dos governos de fato e de direito, porque isso é muito importante, sobretudo nas relações entre países.”
O órgão ligado ao Ceará possui, atualmente, cerca de 90 sócios. Já a maior Câmara do Brasil é a de São Paulo, com mais de 400 sócios. “O nosso objetivo é orientar sobre segurança jurídica, dar visibilidade, gerar networking e, a partir disso, gerar negócios.”
Além disso, a executiva reforça o papel importante do Ceará nesta relação comercial, afirmando que a entidade também está sediando, até o ano que vem, a Federação das Câmaras e está participando da vice-presidência do Conselho da Rede Mundial de Câmaras, com sede em Portugal, representando o Brasil.
Inclusive, é da Federação das Câmaras Portuguesas de Comércio no Brasil (FCPCB) o apontamento de que o Ceará conta com uma de cada quatro empresas de origem portuguesa constituídas no Brasil.
Os dados são de 2020, mas refletem as mais recentes movimentações aferidas nas relações bilaterais daquela nação europeia com o País e, mais particularmente, com o Estado.
Entre os municípios, São Gonçalo do Amarante é o que recebe o maior volume de investimentos. A razão dessa concentração está no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp) e deve se intensificar, a partir do desenvolvimento da cadeia de produção do hidrogênio verde (H2V), que desperta grande interesse de investidores daquele país europeu.
Do sonho de uma vida melhor para a maior fábrica de massas e biscoitos do País. Essa é a história da fundação do grupo M. Dias Branco, considerado o mais antigo representante dessa relação entre Ceará e Portugal ainda em atividade.
Foi em 1926 que o jovem Manuel Dias Branco, de 22 anos, decidiu sair de Portugal - que passava por uma crise, após a Guerra Mundial. O seu primeiro destino em mente era os Estados Unidos, porém, seu pai o convence a vir para o Brasil, onde tinha um amigo que morava em Niterói (RJ).
Na viagem de navio, porém, ele conhece um empresário do ramo de ferragens, de Belém do Pará, onde chega em 2 de junho do mesmo ano, que o convida para ficar no Norte do País e se tornar gerente de uma de suas lojas.
Porém, sua estada em Belém não dura muito, por conta do clima. Após uma forte gripe, o médico lhe sugeriu um tratamento na região serrana do Ceará, mas precisamente em Guaramiranga.
Ele acaba se instalando na cidade de Cedro, por conta das linhas ferroviárias que passavam pelo local, o tornando um polo comercial. Corretor de algodão. Ele se casa com Maria Vidal de Sá (cearense de Senador Pompeu), com quem tem oito filhos, sendo que dois acabam falecendo, por nascerem prematuros.
A loja de secos e molhados, em Cedro, que virou uma loja de tecidos, e mais tarde uma panificadora. Nesta época, a influência veio de um patrício, José Rodrigues Pinho, que convenceu Manuel a entrar para o ramo de panificação.
Foi a Padaria Portuguesa, que era uma padaria industrial, a primeira célula do que se tornaria o maior grupo de massas e biscoitos do Estado.
A vida no interior era difícil e em 1936, Manuel vem com sua família para Fortaleza. Os negócios continuaram lá, mas na Capital ele também abriu uma padaria. Foi representante comercial de farinha e, com as coisas melhorando, chamou dois irmãos que estavam em Portugal, Orlando e José, que tocavam a representação comercial e as padarias, que ainda era um negócio pequeno.
Em 1953 os irmãos se desentendem e Manuel chama o filho mais velho, Ivens, para ser seu sócio. Ao aceitar o convite do pai, o jovem inicia o processo de modernização e industrialização da fábrica de biscoitos e massas, a transformando na primeira empresa cearense a entrar na bolsa de valores brasileira.
Tanto Manuel como Ivens já faleceram e, atualmente, o grupo M. Dias Branco está na sua terceira geração na sucessão familiar da Presidência, como o neto do fundador Ivens Dias Branco Jr.
Maior indústria de biscoitos e massas do país, de acordo com pesquisa de mercado da Nielsen Retail, neste mês de maio, a marca Fortaleza, pontapé inicial da história da companhia, completou 70 anos.
Ao todo o grupo possui 18 unidades industriais. São sete moinhos de trigo, duas unidades de refino de óleos e produção de gorduras especiais e margarinas e nove indústrias para a produção de biscoitos, massas, torradas, pães e snacks.
Até aqui, estes são apenas alguns dos milhares de recortes que as conexões entre Portugal e Ceará estabelecem e as relações que se estendem desde o início da colonização do Brasil pelos portugueses.
Para marcar a semana onde se comemora o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, 10 de junho, O POVO traz as influências econômicas desta relação neste especial, em três episódios.
Levantamento sobre a atuação dos portugueses no Ceará em diferentes segmentos da economia cearense