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60 anos do Mauc: O presente - e o movimento - de um museu
Reportagem Seriada

60 anos do Mauc: O presente - e o movimento - de um museu

Fortalecimento da instituição, aprofundamento da ação educativa e desafios da pandemia marcam passos recentes do Museu de Arte da UFC. No terceiro episódio da reportagem especial sobre os 60 anos da instituição analisa, ainda, possíveis caminhos para o espaço
Episódio 3

60 anos do Mauc: O presente - e o movimento - de um museu

Fortalecimento da instituição, aprofundamento da ação educativa e desafios da pandemia marcam passos recentes do Museu de Arte da UFC. No terceiro episódio da reportagem especial sobre os 60 anos da instituição analisa, ainda, possíveis caminhos para o espaço
Episódio 3
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"Recebi do professor Antônio Martins Filho, num certo momento, a seguinte sentença: ‘Cuide dos meus Bandeiras’. Na verdade, a sentença ia mais longe. Tratava-se de cuidar de um acervo ímpar, carregado de valores artísticos e históricos, reveladores do talento artístico dos momentos em que o universal e o regional se entrelaçaram”, relembra ao O POVO o professor e ex-diretor do Museu de Arte da UFC Pedro Eymar. A “sentença” dedicada ao então gestor, de forma simbólica, mantém-se norteadora para as novas gerações que constroem o Mauc.

A transição da gestão de Pedro Eymar para a da museóloga Graciele Siqueira se deu em 2018. No entanto, a "atualização" da atuação do museu não foi somente geracional e nem se deu somente àquela altura. Do final do século XX para o início do século XXI, o então diretor viu-se impelido, nas palavras dele, a “acompanhar a revolução digital, construir a imagem virtual, estar presente no convívio das novas linguagens, na mutação do mundo dos pigmentos para o mundo dos pixels, levar o exercício criador da arte para os muros, decifrando códigos, levando o espectador da rua a sentir-se imerso na linguagem sensível extraída dos objetos artísticos que pulsam na redoma das salas”.

A museóloga Graciele Siqueira atua como diretora do Museu de Arte da UFC desde 2018. A gestora está vinculada à instituição desde 2008(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE A museóloga Graciele Siqueira atua como diretora do Museu de Arte da UFC desde 2018. A gestora está vinculada à instituição desde 2008

As falas podem ser refletidas, por exemplo, na criação ainda em 1999 do site do Mauc com o apoio de estudantes do programa Bolsa-Arte ou nos projetos desenvolvidos em parceria com artistas do grafite entre 2008 e 2015. No âmbito geracional, vale destacar que a atual diretora integra o quadro do Mauc desde 2008, após aprovação em concurso público na função de museóloga.

“Com a aposentadoria do Prof. Pedro Eymar, fui convidada pelo Reitor Henry Campos para assumir a missão de ser a nova gestora do museu, por conta da minha formação acadêmica – graduada e mestre em Museologia e Patrimônio – e pela minha experiência e dedicação nos bastidores do Mauc desde a minha chegada”, credita Graciele, que se manteve na função com o início da gestão do Reitor Cândido Albuquerque, em 2019.

“Acredito que ambos os reitores reconhecem/reconheceram minha dedicação e paixão pelo Mauc, assim como o meu empenho em entregar um trabalho de qualidade à sociedade brasileira, uma vez que bebo na fonte e reconheço os que vieram antes de mim/nós; acredito na gestão democrática e participativa que venho construindo com a atual equipe que caminha ao meu lado; e acredito que estamos plantando boas sementes para o futuro do Mauc”, avança a diretora.

A ideia de "semente" proferida por Graciele encontra eco com aquilo que Antônio Bandeira destacou em 1963, quando da exposição “Oito Artistas do Mauc”. "(...) tenho certeza, mesmo que venha depois outro Reitor - e quantos Reitores vierem - que a semente está já plantada e que a árvore crescerá”, previu em texto publicado no O POVO à época.

O crescimento se deu de inúmeras formas, incluindo mais concretas. De momentos em que a equipe do museu era ainda reduzida, entre o final dos anos 2000 e o início dos anos 2010, o Mauc chega hoje acrescido de presenças importantes com a oficialização dos Núcleos Educativo e de Comunicação, cujos projetos foram elaborados e instaurados entre 2018 e 2019.

“O Mauc vem agora a partir de outro momento histórico. A gestão que se desenvolve faz parte do momento pós-fortalecimento de políticas das Universidades”, ressalta a historiadora da arte Carolina Ruoso, citando ações dos governos Lula (presidente entre 2003 e 2010) e Dilma (presidente entre 2011 e 2016) neste sentido.

 

O Mauc no O POVO

 

Impactos positivos dos novos passos e conquistas podem ser encontrados em dados da UFC que apontam que o número de visitantes do Mauc triplicou de 2017 para 2019. A criação dos novos núcleos e a reorganização do corpo técnico do museu são antecedentes citados pela diretora como relevantes para as conquistas obtidas, bem como as novas parcerias internas e externas, a reorganização do calendário expositivo e, ainda, a finalização da reforma da cúpula do prédio.

Projetos como o Música no Mauc, voltando a servidores e alunos; Férias no Mauc, para público geral; e o Corredor Cultural Benfica ofertaram programações que não apenas movimentaram o equipamento, mas reforçaram sua vocação. “Acredito que estamos avançando em apresentar o Mauc como uma opção de lazer, conhecimento e cultura para a sociedade, apesar dos desafios de contar com uma equipe ainda reduzida para os sonhos e planos que temos”, registra Graciele.

Todo o ímpeto acumulado neste contexto, porém, se deparou com o imprevisível contexto da covid-19 a partir de março de 2020. “Por um tempo, o museu não ficou aberto ao grande público, e agora, com a pandemia, vemos a mesma coisa”, correlaciona o veterano José Tarcísio, artista que viveu o Mauc como público e como expositor ao longo das seis décadas de carreira.

“Graças ao posicionamento profissional dos servidores e bolsistas do Mauc e ao planejamento estratégico, elaborado anualmente de forma colaborativa e participativa pela equipe do museu, foi menos difícil lidar com esta ‘mudança temporária’ do que imaginávamos”, narra Graciele.

De partida, para evitar descontinuidades mais agudas, as ações se ajustaram ao ambiente virtual. Promoção e participação em seminários e oficinas, disponibilização de publicações e filmes, presença nas redes sociais e realização de exposições virtuais, por exemplo, foram realizadas.

“Além disso, durante todo o período pandêmico a equipe realizou vistorias diárias aos espaços do museu, com atenção ao monitoramento e conservação do acervo, nas áreas de exposição, reserva técnica, arquivo e biblioteca, zelando pelos bens culturais que salvaguardamos e, sempre que necessário, digitalizando materiais necessários às nossas atividades e às demandas de pesquisa oriundas de diferentes lugares do Brasil e do mundo”, ressalta a diretora.

A programação alusiva às comemorações das seis décadas de história da instituição teve que ser repensada, entre adaptações e adiamentos, mas a data já vem sendo marcada por diferentes ações. “Definimos até a data de 24 de junho de 2022 como o período celebrativo dos 60 anos do museu, tendo em vista o contexto pandêmico e a impossibilidade de realização de eventos com público presencial”, explica Graciele.

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Edição especial e virtual do projeto Férias no Mauc no início do ano, a realização do I Seminário de Museus e Coleções da UFC - reflexões contemporâneas e da I Calourada no Mauc foram algumas das já realizadas. “Uma exposição comemorativa e presencial com o acervo do Mauc ficará para o encerramento do ano”, adianta. A diretora antecipa, ainda, a retomada dos chamados Salões Infantojuvenis, voltado à produção artística de crianças e adolescentes.

 

 

"Uma ideia em movimento"

 

Em texto que marcou os 50 anos do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, em 2011, o professor Gilmar de Carvalho defendeu que a instituição deveria ser vista “como uma ideia em movimento, como um processo”. A precisa reflexão e o profundo histórico traçado até aqui apontam para a necessidade de pensar os caminhos possíveis pelos quais o Mauc pode seguir a partir dos legados acumulados.

“A ação do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará no presente se conecta com uma longa trajetória de significativas contribuições à sociedade cearense. Em sintonia com esse legado, atuamos para uma permanente e necessária atualização de nossas perspectivas, enfrentando os desafios contemporâneos e mirando o futuro”, antevê a museóloga Graciele Siqueira, diretora do equipamento desde 2018.

“Desenvolver um pensamento museológico, um pensamento sobre a história da arte a partir do Ceará, é o papel da Universidade”, sublinha a professora e historiadora de arte Carolina Ruoso. “Como museu universitário, é um lugar de produção de reflexão que não seguia a lógica de ‘agora é moda a arte contemporânea, então vamos ter sempre arte contemporânea’. Não, o Mauc é um museu de arte, ponto. Um museu híbrido. Justamente por isso, convoca a aproximação entre diferentes tempos históricos, modos de criação, processos criativos, mundos da arte”, elabora a pesquisadora.

“Podemos citar diferentes artistas que têm o Mauc como lugar de aprendizado. Enquanto instituição universitária, ele foi - claro que com idas e vindas, momentos mais e menos intensos, porque não é uma linha contínua e harmônica - um museu que cumpriu seu papel”, segue. Por esta vocação da instituição, caberia ao Mauc um projeto de graduação em Arte, Curadoria ou Museologia?

“Um curso de museologia é um sonho para o Ceará”, divide Carolina, mas o convite que a pesquisadora faz, mais palpável, é por “uma aproximação dos professores, para pensarem em projetos, núcleos curatoriais”. “É um convite para as pessoas, estudantes também, se aproximarem. Digo como uma pessoa que foi estudante e viveu essa experiência. É um museu que tem movimento, então convido todos a continuarem esses movimentos colaborativos”, sugere.

A ideia entra em consonância com a da artista Mariana Smith. Descobridora das artes inicialmente no Mauc como bolsista ligada ao museu durante a graduação em Comunicação Social, ela retoma a experiência, em 2009, da Especialização em Audiovisual e Meios Eletrônicos na UFC. A formação pontual, que posteriormente deu vazão ao curso de Cinema e Audiovisual da instituição, acontecia dentro do próprio museu da Universidade.

“Ela era híbrida entre as artes visuais e o cinema e trouxe o gosto do Mauc como lugar de formação, de uma pós-graduação. Temos tanta gente potente na Cidade que acaba indo embora porque não tem uma instituição para se vincular, desenvolver uma pesquisa. Hoje sou professora do curso de Artes Visuais da Universidade Regional do Cariri e vejo como ele é uma formação essencial”, divide Mariana. “Aqui em Fortaleza não temos um curso dessa área na Universidade e isso é uma falta enorme. O Mauc cumpre o espaço das artes visuais na UFC e chama atenção para essa necessidade. O museu podia abrigar essa formação”, estimula.

Quadro 'Cidade em Festa' (1961), de Antônio Bandeira, foi reapresentado ao público em 21/3/2018 após 10 anos sem ser exposto. A obra passou por processo de restauro e voltou ao museu - e aos visitantes - em comemoração ao cinquentenário da Sala Permanente Antônio Bandeira (Ribamar Neto / UFC / divulgação)(Foto: Ribamar Neto / UFC / divulgação)
Foto: Ribamar Neto / UFC / divulgação Quadro 'Cidade em Festa' (1961), de Antônio Bandeira, foi reapresentado ao público em 21/3/2018 após 10 anos sem ser exposto. A obra passou por processo de restauro e voltou ao museu - e aos visitantes - em comemoração ao cinquentenário da Sala Permanente Antônio Bandeira (Ribamar Neto / UFC / divulgação)

As conquistas recentes, como o Núcleo Educativo, coordenado pelo museólogo Saulo Moreno Rocha, são ressaltadas pela artista. “Acompanhei lives do Mauc. Nesse momento em que temos acesso a instituições por via das redes, vejo hoje o museu mais fortalecido do que esteve em anos anteriores, apesar de tudo. Quero acreditar e torço para que isso só venha a crescer e que essa discussão possa se ampliar”, segue Mariana.

“Como dimensionar hoje para o Mauc um lugar no futuro? Primeiro, é necessário que o ensino, a pesquisa e a extensão continuem a pulsar no coração das universidades. Que a humanidade, saindo das dores e das perdas dos corpos, respirando com o pulmão sadio, a pleno ar, os olhos purificados pela privação do ver e do conviver, possa novamente circular e se encantar mergulhando nos templos de arte, nas salas dos eternos tesouros”, estimula Pedro Eymar. “Que venham mais e muito mais sessenta anos e que ‘cuidar dos nossos Bandeiras’ permaneça como sentença para todos nós”, convida.

Fontes de pesquisa: Site do Mauc (www.mauc.ufc.br); Tese de Doutorado “Casa de Marimbondos. Nove tempos para nove atlas. História de um museu de arte brasileiro (1961 -2011)”, de Carolina Ruoso, defendida na Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne; O POVO.doc

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