Você conhece a historiadora Maria Beatriz Nascimento (1942-1995)? Sergipana e oitava filha do casal Francisco Xavier do Nascimento e Rubina Pereira do Nascimento, ela também foi uma intelectual que lutou por pautas ligadas ao movimento negro e contra a discriminação racial.
Beatriz ingressou no curso de História na Universidade Federal Fluminense (UFF) em 1968. Segundo dados da Enciclopédia de Antropologia, da Universidade de São Paulo (USP), sua passagem pela universidade foi destacada por pesquisas voltadas ao estudo que ela denominou de “sistemas sociais alternativos organizados por pessoas negras”.
Entre os feitos de Beatriz, está a narração do documentário “Ôrí” (1989), dirigido pela cineasta e socióloga Raquel Gerber, com narração de Beatriz, e significa “cabeça” ou “consciência negra”, na língua yorubá.
O filme aborda movimentos sociais negros entre os períodos de 1977 e 1988, e se baseia no conceito do quilombo, como ideia fundamental, que atravessa sua própria narrativa biográfica, para retraçar continuidades históricas entre o quilombo e suas redefinições nos dias atuais.
Além da produção audiovisual, a intelectual realizou pesquisas envolvendo corpos negros — especialmente o de mulheres — e a violência que estes sofrem, demarcação de terras quilombolas no Brasil e sobre o racismo sofrido pela população negra.
No livro Uma história feita por mãos negras (1994), Beatriz explica que no âmbito profissional, as mesmas oportunidades não são concedidas igualmente entre mulheres brancas e negras.
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Em um trecho do livro, a intelectual aponta que essa desigualdade acontece por dois motivos: o primeiro, “porque a mulher negra ainda não teve acesso suficiente à educação para qualificar-se para esses tipos de empregos burocráticos”. Já o segundo seria porque “esses empregos implicam relações públicas ou relação com o público”.
Já o segundo seria porque “esses empregos implicam relações públicas ou relação com o público”. Alguns outros temas abordados no livro são a memória negra, construção da identidade afro-brasileira, luta pela liberdade, entre outros.
Beatriz não publicou apenas livros como também contribuiu para a história da população negra com pesquisas e artigos. Entre os temas abordados estão a cultura afro-brasileira, memória e história da escravidão e também sobre política e militância negra.
Ao O POVO, a coordenadora de formação política do Movimento Negro Unificado (MNU) Ceará e mestranda em Sociologia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), Geyse Anne, conta que começou a se interessar pela história da intelectual ao conhecer a obra Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento, do professor e geógrafo Alex Ratts.
“Comecei a me interessar pela história dela quando percebo que ela fala sobre os quilombos urbanos, mas antes de falar deles ela faz toda uma historiografia da palavra quilombo e disputa academicamente essa narrativa do que são os quilombos no Brasil”.
Para Geyse, o documentário da historiadora deveria percorrer escolas e universidades. “É um grande instrumento para a gente debater as questões raciais no Brasil e na diáspora”.
Para a coordenadora, um dos elementos que ela considera fantástico na historiadora e que é muito valorizado pelas pessoas é o fato de Beatriz “nunca teve receio de expor suas ideias”.
Para o professor de Geografia da África na Universidade Federal de Goiás (UFG) e colaborador na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Alex Ratts, na contemporaneidade Beatriz é referência para a militância negra de vários circuitos.
“Acadêmicos-militantes, artísticos-culturais e de mulheres, por suas proposições de uma história feita do ponto de vista negro, pelo reconhecimento das culturas negras como transatlânticas e pela posição em relação ao passado e ao presente das relações de raça, gênero e classe”, afirma.
Para Alex, a historiadora é referência para a militância negra de vários circuitos: acadêmicos, militantes, artísticos, culturais e de mulheres, por “suas proposições de uma história feita do ponto de vista negro, pelo reconhecimento das culturas negras como transatlânticas e pela posição em relação ao passado e ao presente das relações de raça, gênero e classe”.
Segundo o professor, as obras de Beatriz têm circulado em cursos de humanidades, sobretudo de história, mas também ciências sociais e áreas afins. “O seu trabalho com as culturas negras e suas ideias sobre imagem e corporeidade podem ser lidas no campo das artes visuais e do corpo: fotografia, cinema, dança, artes cênicas e outras”, finaliza.
Vítima de feminícido em 1995, Beatriz morreu jovem aos 43 anos. Mas seu legado até hoje é lembrado e utilizado como fonte de pesquisas para entender a população negra no Brasil e América Latina.
Especial OP+ para marcar o Dia da Consciência Negra traz a história de mulheres negras apagadas da história nacional, causando um silenciamento irreparável. Preta Tia Simoa, Tereza de Benguela e Maria Firmina dos Reis foram apenas algumas das vítimas deste apagamento